MP revoga nota sobre legalidade de colégios cívico-militares no DF
Decisão ocorre após estudante ser ameaçado por policial dentro de uma escola cívico-militar no DF
Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília
O Ministério Público do DF decidiu revogar a nota técnica que considerava legal a implementação do projeto Escola de Gestão Compartilhada no Distrito Federal. Os promotores agora concordam com as orientações do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, que acredita que os colégios cívico-militares ferem os "princípios constitucionais da reserva legal e da gestão democrática do ensino público."
A decisão ocorre após a repercussão de um vídeo em que um policial aparece intimidando um aluno do Centro Educacional 01 da Estrutural. Nas imagens, o miltiar discute com o adolescente dentro de uma sala e diz para o estudante "baixar a bola". Logo depois, afirma que vai "arrebentar" o jovem. Assista aovídeo:
O despacho, assinado pelas Promotorias de Justiça de Defesa da Educação, também recomenda que toda a equipe disciplinar do colégio cívico-militar da Estrutural seja afastada. O MP pede ainda que as escolas não usem o registro de flagrantes infracionais, por suposto desacato, como medida disciplinar contra os alunos.
Segundo documento enviado à Secretaria de Educação, ao qual o R7 teve acesso, os alunos do CED 01 eram levados à Delegacia da Criança e do Adolescente de maneira arbitrária.
O Ministério Público também pediu que a Secretaria de Educação apresente os índices de desenvolvimento da educação básica das escolas cívico-militares; evasão escolar; aprovação e reprovação; número de pedidos de transferências; e outras informações que demonstrem a eventual melhoria da qualidade do ensino.
A Secretaria de Educação informou que recebeu o ofício do MPDFT solicitando informações técnicas sobre a implantação e desenvolvimento do Projeto Escolas de Gestão Compartilhada e que elabora resposta.
A corregedoria da Polícia Militar também foi notificada a prestar informações, mas pela 3ª Promotoria de Justiça Militar do MPDFT. A corporação precisa enviar informações sobre a existência de procedimento apuratório de fatos ocorridos na escola. A determinação é que o órgão que investiga a conduta de PMs dê início aos trabalhos imediatamente
Policial afastado
A Polícia Militar informou, na terça-feira (10), que o policial que aparece nas imagens será afastado. Segundo a corporação, o episódio é um caso isolado que "não corresponde com a filosofia do projeto e com o comportamento dos demais profissionais".
Os desentendimentos no colégio cívico-militar se desdobram há pelo menos um ano, mas a exoneração da vice-diretora da instituição acentuou o conflito. Luciana Martins foi dispensada do cargo na semana passada, após o vazamento de um áudio em que ela critica o tenente Aderivaldo Cardoso, diretor disciplinar da escola.
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Em nota, a Secretaria de Educação informou que Luciana foi afastada do cargo porque está sendo investigada em procedimento administrativo. No entanto, a pasta não explicou se o motivo da investigação tem relação com o desentendimento com o militar. Outro nome foi indicado para ocupar a vaga na escola.
Exoneração
A educadora disse ter sido alvo de perseguição por parte dos militares e que a dispensa dela ocorreu sem comunicação prévia. "Fiquei sabendo [da exoneração] pelo Diário Oficial. Só depois da publicação o diretor da regional me ligou. Pelas leis, eles teriam que motivar a decisão; eu não tenho nenhum processo disciplinar e, se tenho, não chegou para mim. Não tive direito ao contraditório e ampla defesa."
Sobre o áudio, Luciana justificou que foi um desabafo com uma amiga e que foi gravado fora da escola. "Posso ter exagerado no áudio. Era uma conversa pessoal, no sábado de manhã, um desabafo que foi vazado, em que eu questionava as atitudes dele."
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Ela ainda alegou que não é adversária da gestão militar, mas disse que há "excessos" no tratamento dado aos estudantes. "Não culpo os policiais. Nunca fui contra [a gestão compartilhada], pelo contrário, votei favoravelmente no plebiscito que legitimou este projeto e reconheço os benefícios. Apenas não aceito tudo calada."
A reportagem também procurou o tenente Aderivaldo Cardoso, que disse ter pouco contato com Luciana desde que assumiu o posto na escola, há três meses. Ele também está afastado das atividades, mas por questões de saúde. A Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal defendeu o militar e disse que o fato de a educadora ter sido exonerada não tem relação com o áudio vazado.
"A professora mencionada na reportagem foi exonerada porque não se alinhava com o que a comunidade elegeu, que é o projeto das escolas militares, que foi submetido a votação, escolha e, por fim, foi implantado na Estrutural por decisão democrática da própria comunidade", diz a nota.
Cartazes geraram desconforto em militares
Em novembro, a escola protagonizou outra polêmica, quando alunos fizeram cartazes com desenhos, textos e charges que relatavam casos de racismo, discriminação e violência de policiais contra pessoas negras no Dia da Consciência Negra.
Segundo a vice-diretora, a gestão militar da escola teria questionado os trabalhos e pedido que os cartazes fossem retirados. "Eles perguntaram se não tinha um tipo de fiscalização sobre o professor de história. Desde essa época, em que tivemos problemas com os cartazes, os policiais não me deram mais paz", disse Luciana ao R7. Em 2019, a gestão militar também foi criticada por apagar um grafite com o rosto de Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul.
Escolas cívico-militares
O projeto de escolas cívico-militares foi inaugurado em fevereiro de 2019 e implantado, até agora, em 15 unidades de ensino do DF, segundo o governo. Mais de 15 mil alunos da rede pública de ensino estudam nas escolas com gestão compartilhada.
O Distrito Federal conta com dois modelos de gestão cívico-militar nas escolas. O primeiro é uma parceria entre as secretarias de Educação e de Segurança Pública, que a encaminha o efetivo da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros para lidar com a área disciplinar.
Já o outro modelo é uma parceria entre o Ministério da Educação e as Forças Armadas. Das 15 escolas de gestão compartilhada, quatro seguem esse formato, em que os militares da reserva desenvolvem as atividades.