Relator busca consenso para avançar com projeto que regula serviços de streaming
Proposta deveria ter sido votada na Câmara nesta semana, mas foi retirada da pauta por falta de acordo entre os parlamentares
Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília
O relator do projeto de lei que quer regular os serviços de streaming no Brasil, deputado André Figueiredo (PDT-CE), vai usar os próximos dias para buscar um acordo para o texto em tramitação na Câmara. A matéria chegou a ser pautada no plenário durante a semana, mas acabou retirado de pauta por causa de uma obstrução de parlamentares da oposição. Além disso, Figueiredo também alegou não ser um bom momento para votar a proposta, já que a semana no Congresso foi consumida por assuntos que tratam do socorro às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.
Um dos pontos sensíveis da proposta tem a ver com a alíquota sugerida no relatório, que é de 6% e seria destinada à Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional). Além disso, o projeto de lei propõe que, no mínimo, 10% das horas do catálogo das plataformas estrangeiras sejam destinadas a conteúdos de origem brasileira. Dessa forma, os títulos produzidos no Brasil serão obrigatórios nesses serviços.
O streaming é uma forma de distribuição de conteúdo digital pela internet, onde os usuários podem acessar e assistir a vídeos, músicas, filmes, séries, entre outros tipos de mídia, diretamente em seus dispositivos, como computadores, celulares e Smart TVs. Ao contrário do download, onde é necessário baixar o arquivo completo antes de reproduzi-lo, no streaming o conteúdo é transmitido em tempo real, o que permite ao usuário visualizar ou ouvir o material enquanto ele é transmitido. A Netflix, Amazon Prime e Spotify são exemplos de plataformas de streaming.
O relator também tem rebatido críticas sobre o conteúdo do projeto.
“Eu quero discutir internamente dentro de cada bancada dos partidos que têm dúvidas sobre o teor desse projeto, aceitando sugestões e mostrando claramente que esse projeto não é ideológico de A e de B, é um projeto de desenvolvimento da indústria do audiovisual brasileiro.”
Discussão também no Senado
A regulação dos serviços de streaming também está sendo debatida no Senado, especificamente, no Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, após a aprovação de um projeto de lei sobre o tema na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, em abril.
Assim como na Câmara, a ideia também é estabelecer regras para o funcionamento das plataformas e criar uma cota de conteúdos nacionais nos serviços de streaming, para estimular a indústria nacional do audiovisual. No entanto, ainda há discordâncias sobre o tema, especialmente em relação ao tamanho da tributação de empresas e a inclusão das redes sociais na regulamentação.
Outra diferença entre o texto da Câmara dos Deputados e do Senado tem a ver com a alíquota da Condecine. O Senado aprovou a cobrança máxima de 3%, no entanto, o relatório da Câmara prevê 6%.
A proposta em discussão no Senado tem como relator o senador Eduardo Gomes (PL-TO). Pelo texto, as distribuidoras de conteúdo audiovisual devem:
• Investir pelo menos 10% do faturamento bruto anual em produções nacionais;
• Destinar 30% para conteúdos realizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, além do Espírito Santo e de Minas Gerais; e
• Reservar 5% para conteúdo audiovisual identitário, que aborda temas como direitos humanos, diversidade e inclusão.
Pela proposta, a cobrança da Condecine seria anual, com alíquota máxima de 3% da receita bruta das empresas. As alíquotas serão divididas da seguinte forma:
• Alíquota zero: empresas com faturamento anual inferior a R$ 4,8 milhões;
• Alíquota de 1,5%: empresas com faturamento anual entre R$ 4,8 milhões e R$ 96 milhões; e
• Alíquota de 3%: empresas com faturamento anual acima de R$ 96 milhões: 3%.
O texto também determina que os provedores de streaming serão obrigados a manter uma quantidade mínima de conteúdo audiovisual brasileiro em seus catálogos de forma permanente. Metade dessa temática deve ser de produções nacionais independentes. Por exemplo, em um catálogo com 2 mil produtos, pelo menos 100 devem ser brasileiros, enquanto em um catálogo com 7 mil produtos, pelo menos 300 devem ser nacionais.
A proposta em análise no Senado também estabelece que os provedores devem cumprir obrigações ou podem ser punidas com advertências, multas diárias e possível cancelamento de credenciamento, além da anulação de deduções fiscais. As multas variam de R$ 10 mil a R$ 50 milhões por infração, podendo ser combinadas com outras sanções, e a agência pode iniciar um processo administrativo fiscal em caso de não pagamento da Condecine.
Consumo nacional
Segundo Tiago Mafra, diretor da Ancine (Agência Nacional de Cinema), o modelo ideal de regulação se baseia em três pilares principais:
• estabelecimento de cotas de conteúdo, reservando 30% do catálogo para produções nacionais;
• garantia de destaque para essas produções; e
• permissão para a exigência de contribuições financeiras das plataformas de comunicação para a produção de obras brasileiras.
Além disso, a agência também defende a regulação das chamadas plataformas de redes sociais que exploram a criação de conteúdo e compartilhamento de vídeos, a exemplo do Youtube e Vimeo.
Vídeos em redes sociais
O diretor cita como exemplo o crescimento do interesse dos brasileiros por consumo de vídeos em redes sociais. Em março de 2024, o consumo de vídeo online alcançou quase 30% da audiência domiciliar, liderado pelo YouTube (17,8%), seguido pela Netflix (4,6%) e TikTok (3,9%). Apesar de apoiar a tributação das plataformas de vídeos em redes sociais, ele sugere que a tributação seja diferente das plataformas de streaming por assinatura.
“Há uma disputa de atenção, há um compartilhamento de estrutura entre esses modelos. A gente pode ver no nosso consumo privado a competição pelo tempo [de consumo do usuário] da plataforma de VoD [vídeo sob demanda] tradicional, que são esses que a gente assina na Netflix, Disney, para busca de conteúdo diretamente no YouTube. É plenamente possível e viável que todos os serviços devam suportar a incidência de Condecine.”
No entanto, esse também é outro ponto de discordância entre especialistas. Integrante da MPA (Motion Picture Association), que representa empresas como Netflix, Disney e Sony Pictures, Andressa Pappas acredita que a regulação não deve tratar os serviços de streaming de vídeo (VoD) da mesma forma que as redes sociais de vídeos. Para ela, regras muito rigorosas podem desencorajar investimentos no setor.
“Não podemos nos encaixar na categoria das plataformas de compartilhamento de vídeo ou mídias sociais, porque os modelos de negócios são completamente diferentes.”
“Uma regulação que seja excessivamente intervencionista pode gerar efeitos contrários aos efeitos pretendidos. Primeiro, uma redução de investimentos no setor. Segundo, o impacto negativo na exportação de conteúdos, o que pode interromper esse ciclo virtuoso, impondo uma barreira à entrada de novos players mais importante, criando ônus desnecessários às pequenas e médias plataformas, as quase 100 plataformas que operam aqui no Brasil”, completa.
A advogada especializada em regulação Rosângela Alcantara defende a regulação e destaca que o debate sobre os desafios da regulamentação desses serviços é global.
“O Brasil é um caso de sucesso do audiovisual, é importante marcar essa posição. Há mais de 30 anos, através das leis de financiamento e regulatórias, nós temos desenvolvido o audiovisual com muito êxito, não somente do ponto de vista da performance, com a indicação de prêmios em mostras e festivais internacionais, como em uma ferrenha disputa pelo market share [participação de mercado], formatação de conteúdos e desafios criativos no sentido da disputa de atenção de toda a sociedade”, disse.