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Relatório da PF mostra plano em que supostamente Bolsonaro aceitaria derrota antes de pôr eleição em dúvida

Diálogos entre um coronel e um general do Exército sugerem plano de denunciar suposta fraude nas urnas para justificar contestação

Brasília|Carlos Eduardo Bafutto, do R7, em Brasília

Criscuoli defendia que Bolsonaro aceitasse derrota e contestasse eleição após denúncia de supostas irregularidades nas urnas Reprodução / redes sociais

O coronel Roberto Raimundo Criscuoli, citado no relatório da Polícia Federal sobre a suposta trama de golpe de Estado após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defendia que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aceitasse o resultado da eleição de 2022 para se blindar de acusações de conspiração.

Em trecho do relatório ao qual o R7 teve acesso, há o registro de um diálogo em 1º de novembro de 2022 entre o coronel e o general da reserva Mario Fernandes. Na conversa, Criscuoli diz: “Eu creio que o presidente deve se posicionar que aceita o resultado, ‘pararí, parará' e depois com as repercussões, tanto o povo na rua quanto essas denúncias, ele tomar uma outra atitude".

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De acordo com a PF, fazia parte do plano questionar o resultado da eleição e pôr sob suspeita as urnas eletrônicas a partir de uma denúncia de manipulação.

“Eles pediram pra que ele fizesse o registro da denúncia lá, tá? E a gente vai manter contato com esse cara pra futuramente, aí talvez amanhã mesmo, fazer um contato com ele. Mas o importante é que ele faça a denúncia lá. O ministro da Justiça já me garantiu que ele mesmo vai assumir esse caso aí pra investigar, porque realmente parece que existe verdade no que o cara tá dizendo. Agora, a estratégia do presidente, que a gente vai conhecer agora no pronunciamento", diz o general Mario Fernandes na conversa.


“Então eu acho que ele deve partir para esse rumo, sim, é o que ele tem que fazer aqui, que eu acho. Para não se queimar, para não ser denunciado como... Ele tem que aceitar o resultado, ele tem que aceitar o resultado da urna. Enquanto a urna não for descredenciada, ele tem que aceitar. Eu concordo com isso“, diz o coronel Criscuoli.

Nos diálogos o coronel diz não saber o que Bolsonaro pretendia fazer. “Nao sei se é isso que ele vai fazer, espero que seja”, afirma.


O R7 tenta contato com o coronel Raimundo Criscuoli e com a defesa do general Mario Fernandes, um dos cinco presos por decisão de Moraes – os demais foram Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel), Rodrigo Bezerra Azevedo (major), Rafael Martins de Oliveira (major) e Wladimir Matos Soares (policial federal). O espaço segue aberto para manifestação.

A investigação identificou que o grupo estabeleceu um sistema de divisão de tarefas, o que permitiu a individualização das condutas. Seis grupos teriam sido criados:


  1. Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;
  2. Um responsável por Incitar Militares a Aderirem ao Golpe de Estado;
  3. Jurídico;
  4. Operacional de Apoio às Ações Golpistas;
  5. de Inteligência Paralela;
  6. Operacional, para Cumprimento de Medidas Coercitivas.

“Com a entrega do relatório, a Polícia Federal encerra as investigações referentes às tentativas de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, informou a corporação.

De acordo com a PF, as provas foram obtidas em diligências ”realizadas ao longo de quase dois anos, com base em quebra de sigilos telemático, telefônico, bancário, fiscal, colaboração premiada, buscas e apreensões entre outras medidas autorizadas pela Justiça.

O relatório da Polícia Federal está sob sigilo. O documento será avaliado pelo ministro Alexandre de Moraes, que deve encaminhar o processo para a PGR na próxima semana. A PGR pode oferecer denúncia contra os envolvidos, pedir mais investigações ou o arquivamento do caso.

Se a PGR (Procuradoria-Geral da República) decidir denunciar os indiciados, eles responderão pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.

Nas redes sociais, Bolsonaro se manifestou na quinta-feira (21). “Não posso esperar nada de uma equipe que usa a criatividade para me denunciar”, escreveu. “O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei.”

“Tem que ver o que tem nesse indiciamento da PF. Vou esperar o advogado. Isso, obviamente, vai para a Procuradoria-Geral da República. É na PGR que começa a luta. Não posso esperar nada de uma equipe que usa a criatividade para me denunciar”, acrescentou Bolsonaro.

Críticas a inquérito vazado

Apesar de a ação tramitar sob sigilo de Justiça, a Polícia Federal divulgou uma lista com os nomes de todos os indiciados para “evitar difusão de notícias incorretas”. Especialistas ouvidos pelo R7, porém, analisam que a divulgação não é “jurídica” e nem “ética”.

“Não é comum, ao contrário, o comum é tornarem públicos os fatos, mas pouparem os nomes de envolvidos. Revelar nomes em uma fase ainda investigativa parece ter clara função de expor esse nomes na mídia. Algo que não é jurídico, nem ético”, explicou o advogado constitucionalista Andre Marsiglia.

Conforme Marsiglia, neste momento da investigação, em que há apenas o indiciamento, não uma acusação formal, o que tem que ser preservado “é o nome das pessoas, e não os fatos”.

“Os fatos podem e, justamente pela relevância pública, devem ser expostos a nós todos. Agora, o nome dos investigados deve ser poupado. É assim que tem que ser feito. Expõe-se os fatos, pelo menos o que é possível deles, mas poupa-se o nome das pessoas. Ou então, não se expõe nada nem ninguém. Essas pessoas ainda podem sequer ser processadas, justamente por ser uma fase ainda investigativa. E, no entanto, elas já estão expostas”, continuou.

Para a advogada constitucionalista Vera Chemin, a ação não é “normal”. “A partir do momento em que as pessoas são indiciadas, o relatório teria que ser disponibilizado publicamente”, ponderou. De acordo com ela, futuramente, tais condutas “poderão ser objeto de nulidade de inquéritos”.

A advogada também ponderou que os advogados das partes têm direito a ter acesso ao relatório para poderem elaborar antecipadamente as suas defesas. A maioria dos advogados informou que só vai se manifestar quanto tiver acesso aos autos. Apesar de criticar, Marsiglia classifica como “comum” a falta de acesso ao relatório por parte das defesas no Brasil.

“O acesso a eles é garantido por uma súmula do próprio STF, que é a súmula número 14. Uma súmula inclusive vinculante, que diz que advogados e partes tem de ter, não importa se é uma fase ainda investigatória, ou não, acesso aos autos. Então isso deveria ser facultado a eles”, contou.

“Nem deveria ser um pedido ou confronto. É um direito das partes e advogados. Essas pessoas têm os nomes expostos, mas não acesso aos autos porque estão e sigilo. Bom, se os autos estão em sigilo, então os nomes também deveriam. Qual é a função jurídica de se divulgarem os nomes, mas não se divulgarem os fatos?”, interpelou o especialista. Ele explicou, porém, que não há prazo para que isso aconteça e nem uma garantia de que as defesas tenham acesso ao processo.

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