Relatório de projeto que livra presos do 8 de Janeiro é lido e tem pedido de vista na Câmara
Texto deve ser votado na próxima semana na CCJ da Casa
Brasília|Rute Moraes, do R7, em Brasília
Após um pedido de vista conjunta na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, a análise do PL (Projeto de Lei) que anistia os presos do 8 de janeiro ficou para a próxima semana. O relator da proposta, deputado federal Rodrigo Valadares (PL-SE), leu o parecer sobre o texto, há pouco, depois de diversas tentativas ao longo de quase um mês.
Contrária a anistia, a ala governista obstruiu a pauta nas sessões anteriores e tentou, novamente, fazer o mesmo hoje tentando votar cerca de dez requerimentos extra-pauta. Contudo, a presidente da CCJ, deputada Caroline de Toni (PL-SC), rejeitou colocar em votação os documentos alegando que o governo usava de forma “abusiva” a ação regimental para “tumultuar a pauta”.
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O União Brasil orientou obstrução antes de a sessão iniciar. Interlocutores afirmam que a ação ocorre em virtude da disputa pela presidência da Câmara dos Deputados.
Nos bastidores, o PL da Anistia é visto como uma “moeda de troca” entre os partidos em virtude da eleição da Mesa da Câmara. Para ganhar o apoio da oposição, o candidato à presidência da Câmara terá que prometer pautar a proposta no plenário da Casa.
O líder do União Brasil na Câmara, deputado Elmar Nascimento (BA), fez o texto andar na Casa no início deste ano, indiciando Valadares para relatar o projeto. Elmar, que é candidato à presidência da Câmara, espera atrair votos da oposição.
Mas o PL, maior partido de oposição, flerta em apoiar o líder do Republicanos, Hugo Motta (PB), na disputa pela Casa. Desse modo, nos bastidores, o União estaria se movimentando para atrair o apoio do PL em troca de ajudar na tramitação da anistia aos presos do 8 de janeiro.
Durante a sessão de hoje, o governo ainda tentou emplacar um requerimento para retirar o projeto da pauta, mas foi derrotado por 30 votos. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) alegou que a proposta está fora da concepção histórica do que é a anistia, que é para pacificar uma sociedade.
Ele contudo, ponderou que a dosimetria das penas dos condenados poderia ser revista, apesar de considerar a ação como um atentado ao Estado Democrático de Direito. O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) disse que objetivo do projeto é impedir a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em 8 de janeiro de 2023, manifestantes invadiram as sedes dos Três Poderes e depredaram as instalações. Eles não concordavam com a eleição nem com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O relator do PL da Anistia, contudo, defende que os atos de vandalismo “foram inflamados principalmente pelo sentimento de injustiça aos quais muitos brasileiros sentiram após o resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2022″.
Entenda o projeto
O texto, que teve sete projetos como base, anistia “todos os que participaram de manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre o dia 08 de janeiro de 2023 e o dia de entrada em vigor desta lei”.
O perdão, conforme o projeto, alcança os “crimes com motivação política e/ou eleitoral”. A anistia abrange “quaisquer medidas de restrições de direitos, inclusive impostas por liminares, medidas cautelares, sentenças transitadas ou não em julgado que limitem a liberdade de expressão e manifestação de caráter político e/ou eleitoral, nos meios de comunicação social, plataformas e mídias sociais”.
O projeto ainda inclui no perdão todos que participaram de “eventos subsequentes ou eventos anteriores” ao 8 de janeiro, “desde que mantenham correlação com os eventos acima citados”.
A anistia, contudo, não alcança os crimes de:
- Prática da tortura;
- Tráfico ilícito de entorpecentes, drogas e afins;
- Terrorismo e os definidos como crimes hediondos;
- Crimes contra a vida;
- Crime contra patrimônio histórico;
- Crime contra coisa alheia
O relator ainda incluiu um trecho que anula as multas aplicadas pela Justiça Eleitoral ou comum às pessoas físicas e jurídicas em decorrência do 8 de janeiro.
Isso poderia alcançar o Partido Liberal, multado em mais de R$ 22 milhões por litigância de má-fé após a legenda pedir a anulação de votos do segundo turno da disputa presidencial em 2022. Como a sigla pagou o montante, o valor teria de ser estornado, caso a redação final do texto seja promulgada dessa forma.
O projeto ainda inclui um artigo que, se aprovado, derrubaria a principal tese do STF (Supremo Tribunal Federal) para condenar os presos do 8 de janeiro: o crime multitudinário — cometido por uma multidão em tumulto, de forma espontânea e organizada. O STF aplicou essa tese para condenar os vândalos por atentado ao Estado Democrático de Direito.
Com a proposta, só poderá haver condenação por tal crime se for individualizada, ou seja, não poderá ter condenação conjunta quando o crime for contra/para depôr a democracia.
O projeto altera ainda o decreto-lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940, que trata sobre os crimes contra o Estado Democrático de Direito. A redação atual prevê que atentar contra a democracia é “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.
Mas, com a alteração da proposta, o crime contra o Estado Democrático de Direito só será considerado se for contra a “pessoa”, com a seguinte redação: “Tentar, com emprego de violência contra a pessoa ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais”.
Segundo o texto, a condenação pelos crimes contra a democracia “não admite a incidência da figura do crime multitudinário, tampouco de qualquer teoria similar fundada na desindividualização ou na generalidade das condutas, exigindo-se, como pressuposto para a condenação, a individualização concreta dos atos praticados por cada coautor ou partícipe”.
O PL da Anistia ainda altera trechos da lei sobre o foro privilegiado, estabelecendo que, nos casos que envolvam pessoas com prerrogativa de foro e pessoas comuns, as que têm foro deverão ser julgadas primeiro e, depois disso, os demais investigados serão deslocados para a instância da Justiça comum.