Governo do DF nega crise na saúde após morte de quatro crianças em 60 dias
Declaração foi dada nesta quinta-feira em coletiva de imprensa; mortes são investigadas pela Polícia Civil
Brasília|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília
O secretário da Casa Civil do Distrito Federal, Gustavo Rocha, negou que exista uma crise na saúde pública do DF após a morte de quatro crianças em um intervalo de menos de 60 dias. “Existe sim, uma sobrecarga, e isso nunca negamos. Mas estamos buscando soluções. Não há crise, não há caos no sistema de saúde do DF”, afirmou o secretário.
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A declaração de Rocha foi dada nesta quinta-feira (23) em coletiva de imprensa. O secretário declarou que o sistema público de saúde está em evolução — de acordo com Rocha, desde 2019 o governo aumentou de R$ 7 bilhões para R$ 12 bilhões o orçamento da saúde pública —, mas afirmou que é preciso melhorar. “A gestão [do governo] luta para que isso melhore. Isso não leva, contudo, para a conclusão de que existe uma crise na saúde pública”, disse.
Sobre as mortes de crianças desde o mês passado, o secretário disse que o sistema está sobrecarregado devido à dengue e à antecipação dos casos de síndrome respiratória deste ano. “Vivemos uma crise, uma epidemia muito severa de dengue, e isso impacta sem sombra de dúvida. Temos também a demanda do Entorno”, comentou.
O diretor-presidente do Iges (Instituto de Gestão Estratégica em Saúde), Juracy Cavalcante, negou que tenha ocorrido negligência na morte de Enzo Gabriel, 1 ano, que ficou quase 12 horas à espera de uma ambulância que o levaria para uma UTI no Hospital Materno Infantil de Brasília.
“Eles receberam atendimento, não foram negligenciados. A negligência envolve uma inércia, e a equipe não ficou inerte, durante todo o tempo que estiveram na unidade, eles foram atendidos e monitorados”, afirmou Cavalcante.
A secretária de Saúde, Lucilene Florêncio, comentou sobre pacientes à espera de leitos e nos corredores do hospital e disse que “mais vale um paciente dentro de uma unidade hospitalar em um local que não é o ideal, mas em que ele está sendo assistido, do que um paciente na porta sem atendimento”.
A titular da pasta lamentou a morte das crianças nos últimos dois meses e disse que toda a Saúde está abalada com os casos. “Mas seguimos trabalhando. Desde 2022, aumentamos em 103 o número de leitos de UTI disponível”, lembrou.
Vítimas recorrentes
A vítima mais recente de suposta negligência na rede pública foi Aurora, que morreu devido a complicações logo após o parto. Ao R7, a mãe da bebê, Isadora Cristina de Souza Saeta, de 27 anos, afirmou que a morte ocorreu por erro médico. “Se ela não está nos meus braços, foi por pura negligência”, reclamou. A Secretaria de Saúde diz que Aurora permaneceu sob “cuidados intensivos” depois do parto.
A mãe, depois de tentativas dos médicos de induzir o parto por mais de 24h, passou por uma cirurgia cesárea de emergência e a bebê nasceu sem batimentos cardíacos. Aurora passou por reanimação e chegou a ser internada por dois dias, mas não resistiu às complicações.
Desde abril, ao menos outras três crianças morreram após passar pela rede pública de saúde do DF. As vítimas são Anna Julia Galvão, 8 anos; Jasminy Cristina de Paula Santos, 1 mês; e Enzo Gabriel, 1 ano, que ficou cerca de 12 horas na UPA do Recanto das Emas esperando uma ambulância para ser levado a um leito de UTI (unidade de terapia intensiva).
A primeira morte foi a de Jasminy, também na UPA do Recanto das Emas. A família denunciou o caso à Polícia após ver o caso de Enzo Gabriel na mídia e afirma que houve negligência e demora no atendimento à menina. Segundo os pais, ela foi levada nas UPAs do Recanto e de Ceilândia e no Hospital Regional de Ceilândia e Taguatinga antes de morrer.
Os pais também tentaram atendimento pelo Samu, no dia 14 de abril, quando Jasminy estava passando mal, mas não havia ambulância para atender a bebê. Em mais uma tentativa, os pais levaram a criança até a UPA do Recanto das Emas no mesmo dia. Jasminy recebeu classificação laranja, mas a unidade só atendida pacientes com classificação vermelha.
A bebê passou o dia na unidade, mas à noite teve piora no quadro, com febre e baixa saturação. Uma médica chegou a pedir a internação da criança na ala pediátrica, mas Jasminy não resistiu e morreu na unidade. O caso é investigado pela 27ª Delegacia de Polícia (Recanto das Emas).
Anna Julia
O segundo caso foi registrado em 15 de abril, quando os pais de Anna Julia procuraram atendimento médico para a criança após ela apresentar tosse, dor nas costas, febre e dificuldade para respirar. Segundo a ocorrência registrada na Polícia Civil, a menina chegou por volta das 18h na UBS 7 da Ceilândia, mas foi atendida apenas às 3h da manhã do dia seguinte.
O relato acrescenta que os médicos pediram exames para ela no dia 16, mas Anna Julia teve piora no quadro e voltou novamente para ser atendida, desta vez na UBS 1, também de Ceilândia. Ela foi atendida às 2h da manhã, com pedido de outros exames. No entanto, quando o quadro de Anna Julia piorou e ela foi encaminhada ao HMIB (Hospital Materno Infantil de Brasília).
A ocorrência diz que a criança chegou ao hospital “em estado gravíssimo, quando o médico tentou fazer a sua intubação, ela veio a óbito”. O caso é investigado pela 24ª Delegacia de Polícia (Setor O - Ceilândia).
Enzo Gabriel
A última morte foi a de Enzo Gabriel, que morreu após aguardar mais de 12 horas por uma ambulância. Segundo Cícero Alves, pai da criança, a família esperava por uma ambulância da UTI Vida — que possui contrato de prestação de serviços com o Governo do DF — para Enzo Gabriel ser transferido para a UTI do Hospital Materno Infantil de Brasília.
O transporte foi solicitado na noite de 14 de maio, mas a ambulância só chegou às 7h do dia seguinte, quando o menino já estava morto. Enzo Gabriel havia sido diagnosticado com dengue aguda, pneumonia com derrame pleural (acúmulo de líquido entre os tecidos que revestem os pulmões e o tórax) e estava entubado enquanto aguardava a transferência. O caso também é investigado.