Brasil enfrenta epidemia de vazamentos de dados, e reação é lenta, diz professor da USP
Nos últimos cinco anos, foram registrados quase 58 mil incidentes cibernéticos ou alertas de vulnerabilidade nos órgãos do governo
Cidades|Victoria Lacerda, do R7, enviada especial a São Paulo*
O aumento expressivo de vazamentos de dados em sistemas da União acendeu um alerta sobre a fragilidade da segurança digital no setor público brasileiro.
Somente nos últimos cinco anos, foram registrados quase 58 mil incidentes cibernéticos ou alertas de vulnerabilidade em órgãos do governo federal, segundo dados do Centro de Prevenção, Tratamento e Resposta a Incidentes Cibernéticos (CTIR/GSI).
Em 2024, o problema se agravou: quatro em cada cinco vazamentos registrados desde 2020 ocorreram neste ano, revelando uma escalada nas falhas de proteção de dados pessoais.
Um dos casos mais graves envolveu o Banco Central, alvo de doze vazamentos relacionados ao Pix em 2023, que expuseram informações como nome, CPF, agência e conta bancária de mais de 215 mil pessoas.
LEIA TAMBÉM
Durante o seminário internacional “Crime Organizado e Mercados Ilícitos no Brasil e na América Latina: Construindo uma Agenda de Ação”, realizado nesta terça-feira (24), especialistas criticaram o despreparo das instituições públicas frente ao avanço das ameaças digitais.
O professor da Faculdade de Direito da USP e advogado criminalista Maurício Zanoide de Moraes foi direto ao apontar a lentidão do Estado diante da complexidade dos crimes cibernéticos.
“Nós ainda tratamos o direito como se ele pudesse capturar e congelar a realidade. Mas o mundo digital muda o tempo todo. Precisamos de instrumentos que acompanhem essa velocidade e deem conta das novas formas de ameaça”, afirmou.
Zanoide classificou os ataques virtuais como uma “nova forma de guerra”, menos visível, mas igualmente destrutiva:
“As guerras hoje não são feitas com tanques. Elas envolvem manipulação de dados, roubo de informações, invasão de sistemas. E isso tem impacto direto sobre a soberania, sobre a privacidade e sobre a democracia.”
Crescimento acelerado
Desde que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entrou em vigor, em 2020, os vazamentos de informações em sistemas do governo aumentaram mais de 21 vezes — de 349 casos registrados naquele ano para mais de 9 mil somente em 2024.
O número de denúncias contra empresas privadas também cresceu: mais de 7 mil processos foram abertos junto à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) desde 2021, sendo 57% só no ano passado.
Para o professor, o direito precisa evoluir não só na letra da lei, mas também em sua aplicação:
“Temos uma legislação importante, mas ela precisa funcionar na prática. E isso passa por estrutura, fiscalização e cultura digital. Não basta punir: é preciso prevenir”, defendeu.
O Dia do Consumidor na pandemia remete os compradores às lojas online. Por conta disso, as pessoas precisam ficar atentas a possíveis golpes que podem sofrer durante a aquisição dos produtos *Estagiário do R7 sob supervisão de Thiago Calil
O Dia do Consumidor na pandemia remete os compradores às lojas online. Por conta disso, as pessoas precisam ficar atentas a possíveis golpes que podem sofrer durante a aquisição dos produtos *Estagiário do R7 sob supervisão de Thiago Calil
Tendência global de risco
O Brasil não está sozinho no aumento dos ciberataques. Em 2024, o mundo registrou uma média de 1.673 ataques por semana, segundo o relatório Cyber Security Threats, da consultoria Check Point. Os setores mais atingidos foram: educação (3.574 ataques por semana), órgãos públicos (2.286) e saúde (2.210).
Entre os crimes mais comuns está o ransomware — programa malicioso que sequestra dados e exige pagamento de resgate para devolução das informações. Segundo a consultoria Veeam, três em cada quatro grandes empresas sofreram ataques do tipo em 2023, e em 43% dos casos os dados nunca foram recuperados.
Soluções vão além da tecnologia
Zanoide defendeu que a resposta às ameaças digitais não deve ser somente técnica, mas institucional e cultural:
“Não adianta só instalar antivírus. Precisamos de uma estratégia nacional que inclua formação de cidadãos, capacitação de servidores e articulação entre os poderes.”
Em 2023, o governo criou o Comitê Nacional de Cibersegurança (CNCiber), responsável pela formulação de políticas públicas para proteção digital. Mas, segundo especialistas, ainda há um longo caminho a percorrer.
“É preciso colocar o tema da segurança digital no centro da agenda pública. Hoje, qualquer sistema pode ser alvo, qualquer pessoa pode ter seus dados expostos. Isso exige uma atuação coordenada e contínua do Estado”, concluiu Zanoide.
*A repórter viajou a convite da Philip Morris Brasil
Fique por dentro das principais notícias do dia no Brasil e no mundo. Siga o canal do R7, o portal de notícias da Record, no WhatsApp









