Principal porta de entrada para universidades públicas e privadas do país, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) foi criado em 2003 com a missão de democratizar o ensino superior, e chegou a ter 8,7 milhões de inscritos em 2014. Mas a queda no número de participantes, registrada de forma contínua desde 2016, atingiu justamente o seu público-alvo: os alunos mais vulneráveis. São justamente aqueles que utilizam a nota do exame para acessar os mais diversos tipos de ensino, público ou privado, presencial ou a distância, seja por meio de bolsas, seja utilizando Sisu, ProUni ou Fies. Isso aumenta ainda mais a desigualdade na possibilidade de acesso à universidade, segundo Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco, um dos responsáveis pelo estudo “Oportunidades educacionais de estudantes concluintes do ensino médio: um estudo do Enem entre 2013 e 2021”, publicado na última semana. A situação levou o presidente Lula a apelar, dias atrás, aos estudantes para que se inscrevessem para prestar o exame. “É importante que todos que queiram fazer uma universidade se inscrevam, para ter a oportunidade de ser doutor ou doutora”, disse ele.•Compartilhe esta notícia no WhatsApp•Compartilhe esta notícia no Telegram “Na rede privada, 90% dos estudantes prestaram o Enem em 2016, porcentagem que caiu para 72% em 2021. Na rede pública, pouco mais da metade [55%] fez o Enem em 2016, o que já é um índice ruim. Mas, em 2021, esse percentual caiu para 26%”, avalia Henriques. “Os resultados nos mostram um cenário de ampliação das desigualdades de oportunidades educacionais no país, e isso exige ações estruturais por parte dos governos e gestores públicos.”VEJA MAIS: Saiba o que os participantes devem levar nos dias de prova no Enem De uma série de motivos responsáveis pela queda no número de inscrições, como o estabelecimento de regras muito rígidas para isenção de taxa, o superintendente acredita que a pandemia do coronavírus tenha sido o principal. “O mais grave deles foi certamente o advento da Covid-19, que, em conjunto com uma forte crise econômica, dificultou enormemente o interesse e a participação dos estudantes no Enem, principalmente os mais vulneráveis”, diz.LEIA TAMBÉM: Quais são os 10 estados mais ricos do Brasil depois da pandemia? “Nesse período, uma das principais prioridades da educação era manter o vínculo do estudante com a escola. Mas como manter esse vínculo se grande parte dos estudantes não conseguia nem sequer ter internet e se, por outro lado, a situação em casa obrigava até os mais jovens a trabalhar em meio à crise econômica? Como esses estudantes poderiam sonhar com uma profissão dali a três, quatro anos, se a realidade da crise e da pandemia impunha a urgência de fazer um bico para ajudar em casa?” Tudo leva a crer que os alunos que estudaram em 2020 e 2021 com as escolas fechadas, com um retorno às aulas presenciais em 2022, tenham sido os mais afetados do ponto de vista das desigualdades que a pandemia gerou: o agravamento da baixa autoestima desses jovens resultou num menor número de estudantes que têm como sonho ou objetivo frequentar a faculdade. É ponto pacífico entre especialistas que o Enem precisará passar por um processo gigantesco de atualização para acompanhar a reforma que o governo pretende promover no ensino médio no país. As provas que hoje são compostas apenas de redação e perguntas objetivas de múltipla escolha terão que absorver questões discursivas e interdisciplinares, cobrando habilidades mais de interpretação do que de conteúdo dos estudantes.LEIA MAIS: Novo ensino médio: saiba o que vai mudar a partir do ano que vem “Essas mudanças trazem um desafio enorme para o Inep, que vai ter que dar conta de colocar o novo formato de pé, num curto período de tempo”, avalia Henriques. “Até porque, mais importante do que os alunos ficarem decorando datas, por exemplo, é que eles tenham pensamento crítico, capacidade de solucionar problemas, que saibam diferenciar fato de opinião.” Entre os anos de 2021 e 2022, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) teve uma redução de 27%, o que está diretamente ligado à queda no número de inscritos no Enem, de acordo com Rodrigo Bouyer, avaliador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e sócio da Young, empresa especializada em captar e auxiliar estudantes no ingresso a universidades. “As pessoas faziam o Enem para melhorar a nota e conseguir o Fies e, assim, ter acesso ao ensino superior em instituições particulares. Mas, desde 2015, vemos menos investimento do governo no Fies, com menos contratos assinados com faculdades. É uma questão de política pública”, explica Bouyer. Nesse cenário, o menor índice de parceria público-privada reduz a quantidade de vagas disponíveis para estudantes de baixa renda. Eles seguem procurando oportunidades, mas têm cada vez mais dificuldade para ingressar em cursos de graduação.LEIA MAIS: Nota zero na redação do Enem: saiba quais são os erros que podem derrubar o candidato