Decisão do STF cancela título de mais de 3 milhões de eleitores
Cerca de 3,4 milhões de eleitores ficarão sem votar neste ano em razão de não terem feito o cadastramento biométrico
Eleições 2018|Diego Junqueira, do R7, em São Paulo
O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quarta-feira (26) manter o cancelamento do título eleitoral de 3,4 milhões de brasileiros — a maioria do Nordeste — que não realizaram o cadastramento biométrico dentro do prazo estabelecido pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O julgamento foi finalizado em 7 votos a 2 contra o pedido do PSB (Partido Socialista Brasileiro) para que os cancelamentos fossem anulados e os eleitores, autorizados a votar.
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Segundo o partido, que é acompanhado na ação por PT e PCdoB, “tudo indica que a maioria dos eleitores privados do direito ao voto é de cidadãos humildes” e que não tiveram acesso à informação para cumprir a formalidade. Por isso, ao pedir medida cautelar (urgente), o PSB defendeu que a falta de cadastramento biométrico não era razão suficiente para impedir o voto desses eleitores. O partido alega que há violação à democracia, à cidadania, à soberania popular e aos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
O TSE, no entanto, se posicionou contrário ao pedido. Em manifestação enviada ao Supremo, a presidente da corte eleitoral, Rosa Weber, afirmou que a medida levaria ao "comprometimento do calendário eleitoral", inviabilizando a realização do primeiro turno em 7 de outubro próximo, além de gerar "elevados custos" para o "refazimento das diversas etapas do pleito". Segundo Rosa Weber, o TSE faz revisão do cadastro de eleitores "em caráter permanente".
O Brasil tem 147,3 milhões de eleitores aptos a votar este ano — em 2014 eram 142,8 milhões. Do total, 73,6 milhões de eleitores serão identificados por biometria (50,3%), o que representa praticamente a metade do eleitorado.
O cancelamento de título eleitoral atingiu 3.368.447 brasileiros entre 2016 e 2018, segundo o TSE, em 1.248 municípios de 22 Estados.
O julgamento
Durante o julgamento de hoje, prevaleceu o posicionamento do ministro Luis Roberto Barroso, relator da ação, que manteve a posição do TSE. Ele foi acompanhado por Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, presidente da corte. Os dois votos divergentes foram de Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. Os ministros Celso de Mello e Rosa Weber se declararam suspeitos para atuar na ação e não participaram.
Para Barroso, não há inconstitucionalidade na revisão eleitoral e no cancelamento de título em caso de não comparecimento, já que não há indício de que o processo tenha sido direcionado ou que tenha causado prejuízo a grupos específicos.
"Não vejo inconstitucionalidade no modo como a legislação e o TSE disciplinaram a revisão eleitoral e o cancelamento do título em caso de não comparecimento para a sua renovação. Eu penso que o TSE demonstrou as dificuldades técnicas e o risco para as eleições há menos de duas semanas”, disse Barroso.
No voto em que acompanha o relator, Alexandre de Moraes chamou de "paternalismo no tratamento do eleitor" caso a ação fosse julgada favorável. "O eleitor tem direitos e deveres. Tem direito a ampla participação, e um único dever, o de se recadastrar quando chamado", disse. "Se a grande maioria que não se cadastraram são os mais pobres, a grande maioria que se cadastrou também são os mais pobres", declarou.
Após o ministro Edson Fachin também se declarar contrário ao pedido, os ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski interroperam a ordem de julgamento para manifestarem contrariedade com a decisão que àquela altura já vinha se desenhando na corte.
"A meu ver é muito mais séria [essa decisão] do que possamos imaginar, porque a consequência é de gravidade maior", declarou Marco Aurélio. "Se retirar cerca de 4 milhoes de eleitores [do pleito] só por isso ou por aquilo, porque não houve notificação específica, porque deixaram de comparecer ao cartório", continuou.
Marco Aurélio e Lewandowski alegavam que metade do eleitorado ainda será identificado da forma manual, por documento com foto, e que, por isso, os eleitores que não fizeram a biometria poderia votar pelo método antigo.
"Fachin, Vossa Excelência sabe que a diferença da candidata eleita na última eleição foi de 3,5 milhões de votos. Uma diferença dessa natureza numa eleição que já vem sendo questionada por determinados setores que eu não tenho pejo de dizer antidemocraticos, como é que vamos ficar?", questionou Lewandowski.
O relator Luís Barroso intercedeu e afirmou que "não comparecer" ao cadastramento da biometria não é o que gera o cancelamento do título. "Não comparecer à biometria nao gera perda de título. O que gera é não comparecer à revisão eleitoral quando o TRE [convoca], constatando quando há alguma irregularidade em tese", disse.
Fim do julgamento
Na sequência Luiz Fux tomou a palavra e se declarou contrário ao pedido do PSB afirmando que a biometria faz parte de um processo de aprimoramento da Justiça Eleitoral contra falsidades de eleitores e ilegalidades na votação. "Essa biometria só fez o bem. O que é surpreendente é essa ação ser proposta a apenas 10 dias da eleição, o que visa a gerar um ambiente de suspeição", afirmou o ministro.
Cármen Lúcia também se posicionou ao lado de Barroso e disse que "não há violação a qualquer um dos princípios apresentados, como violação ao direito do voto". Para a ex-presidente do STF, "voto é também dever, e se exerce nos termos da lei, e temos lei, há 33 anos, o qual tem a possibilidade de cancelamento do titulo de eleitor de quem não comparecer para recadastramento, seja antes ou na revisão eleitoral.
Marco Aurélio e Lewandowski votaram na sequência a favor do pedido de urgência do PSB e, depois, deixaram o plenário. Lewandowski chegou a sugerir que os eleitores atingidos votassem manualmente, em urna de lona, no primeiro turno, superando as dificuldades apresentadas pela Justiça Eleitoral.
"Estará mal ferido um dos mais importantes direitos fundamentais, quiçá o principal deles, que é o de participar da vida pública por meio do voto", disse Lewandowski.
Para Marco Aurélio, estará prejudicado o "sufrágio universal" definido na Constituição Federal. Ele reiteradamente afirmou que a biometria se trata de um recadastramento, mas que o cadastro eleitoral já existe, com os nomes dos eleitores que tiveram seus títulos cancelados. Segundo o ministro, a Lei das Eleições previu a possibilidade de biometria, mas sem prever sanção. “Vamos colocar na clandestinidade esses eleitores como se não fossem cidadãos brasileiros? Vamos colocar em primeiro plano as resoluções do TSE em detrimento da Lei Maior?", disse.
Gilmar Mendes, em seguida, afirmou que a cada ciclo eleitoral uma parcela do eleitorado tem seus títulos cancelados por vários motivos, como o não comparecimento sem justificativa, e que isso não leva a questionamentos como o feito pelo PSB.
Toffoli anunciou o resultado contra o pedido do partido e manteve os títulos cancelados. O presidente do Supremo reiterou que a decisão é definitiva, não apenas com relação à medida cautelar (de urgência), mas também com relação ao mérito do pedido, o que significa que a corte não voltará a analisar a ação.