‘Sensação de pavor’: brasileiro em Israel grava ataque do Irã e fala do medo de guerra maior
Victor Klass é advogado e mora em Tel Aviv há sete meses; com medo, ele avalia a possibilidade de voltar para o Brasil
Entrevista|João Pedro Benedetti*, do R7
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O jovem brasileiro Victor Klass, de 26 anos, que mora em Tel Aviv há sete meses, passa os dias com “sensação de pavor”, para usar palavras suas, desde que Israel foi atacado pelo Irã, no último dia 1º. “É uma sensação absurda, você não tem muito tempo para pensar.”
Na ocasião, o governo de Teerã disparou cerca de 200 mísseis balísticos sobre o território israelense, uma retaliação à morte de chefes do grupo terrorista libanês Hezbollah, financiado pelo país.
Advogado especializado em tributação internacional, Klass nasceu em São Paulo, mas hoje vive no bairro boêmio de Florentim, ao sul de Tel Aviv. Foi de perto dali que ele gravou o exato momento em que a cidade era atacada pelos iranianos (veja vídeo abaixo).
“Uma situação de puro desespero, um pensamento de que eu iria morrer a qualquer momento. De que iria acabar daquela forma. Não conseguia acreditar”, disse, em entrevista virtual que concedeu ao R7.
Na conversa, ele conta como é o cotidiano em um país em guerra e a sensação de insegurança gerada pela iminência de novos ataques.
Klass também enviou, com exclusividade à reportagem, dois vídeos em que mostra o interior de um bunker público e os avisos do aplicativo Tzofar — sistema voluntário que fornece alertas em tempo real sobre sirenes e emergências em Israel — durante um aviso de bombardeio contra a cidade que ocorreu no dia 14.
O conflito na região eclodiu no dia 7 de outubro de 2023, quando Israel foi invadido pelo grupo terrorista Hamas, que matou 1.200 pessoas e sequestrou mais de 200 — dezenas delas estão sob poder dos criminosos até hoje.
Confira a entrevista:
R7 — Que orientações você recebeu antes de entrar no país para garantir a sua segurança?
Victor Klass — Vim morar aqui por meio do programa Destino Israel, financiado pelo governo de Israel para promover experiências no país a jovens judeus estrangeiros que tenham entre 16 e 35 anos. Apesar de não ter recebido instruções específicas do governo, chegando a Israel a gente vê que a segurança é bem diferente. Você passa por fiscalizações e protocolos bem detalhados. Quando você conversa com os israelenses e fala que é estrangeiro, eles logo te dão orientações sobre a guerra em si.
R7 — Você já havia presenciado alguma situação semelhante à do bombardeio? Qual foi a sensação?
Victor Klass — Nunca. Eu já fui assaltado em São Paulo, mas não é a mesma coisa. Desta vez, tive a sensação de que realmente perderia a minha vida. Mesmo que, do ponto de vista prático, não tenha corrido um risco tão grande, porque o sistema de defesa de Israel estava realmente funcionando.
Eu já fui assaltado em São Paulo, mas não é a mesma coisa. Desta vez, tive a sensação de que realmente perderia a minha vida
R7 — O que passou pela sua cabeça quando viu os mísseis? Onde você estava?
Victor Klass — Cara, eu estava saindo do shopping, descendo uma escadaria para atravessar a rua, quando a sirene tocou. Tinha dois homens vindo na minha direção. Eu colei neles e falei: ‘Pessoal, o que eu faço? Eu não sou israelense’. Um deles disse: ‘Olha, não tem nenhum bunker perto daqui. Fica e agacha aqui nessa pilastra’. Dito e feito: me agachei junto deles e ficamos encostados lá. É uma sensação absurda, você não tem muito tempo para pensar. Foram chegando várias outras pessoas onde estávamos, porque era um local perto de um ponto de ônibus. Todo mundo se encostou ali.
E aí começou a acontecer. Eu olhava para o céu e só via as explosões, as luzes. Nessa hora, comecei a pensar: ‘Pô, o que estou fazendo aqui em Israel? Eu poderia estar morando no Brasil’. Uma situação de puro desespero, um pensamento de que iria morrer a qualquer momento e que ia acabar daquela forma… Não conseguia acreditar.
Mas, ao mesmo tempo, estava confiante, porque o cara do meu lado estava muito calmo e sereno, dizendo a todo momento que tudo ia dar certo. Do nada, duas meninas começaram a gritar e chorar do meu lado. Nessa hora, comecei a ter um ataque, sentir um pouco de pânico, sabe? Comecei a falar: ‘Não, não, não é possível, o que está acontecendo? Não é possível que vai terminar assim’. Minutos depois, apareceu um soldado que deu a ordem para todos correrem para o shopping.
Não pensei duas vezes. Levantei e saí correndo. Só quando cheguei ao terceiro subsolo do shopping consegui começar a me acalmar. Já tinha alguns israelenses ali. Consegui, então, ligar e ter meu primeiro contato com a minha família depois de todo o susto.
Comecei a pensar: ‘Pô, o que estou fazendo aqui em Israel? Eu poderia estar morando no Brasil’. Uma situação de puro desespero
R7 — Mudou muito o seu dia a dia depois disso?
Victor Klass — Impressionantemente, não. É algo que estou aprendendo ainda, a vida aqui é assim. Estão todos muito acostumados com ataques a Israel com mísseis. Então, quando a sirene toca, você repara que todo mundo é supertreinado.
O que mudou é que, agora, estão acontecendo mais ataques dentro da cidade. Eu não tinha o costume de obedecer à sirene, justamente por estar em Tel Aviv. Agora, a sirene toca entre duas ou três vezes por semana e vou para um bunker perto de casa. O medo geral na cidade é de ataques terroristas, não de mísseis. Quanto aos mísseis, todo mundo está acostumado, sabe como funciona: toca a sirene, vai para o bunker e pronto. Ataque terrorista é uma situação mais difícil, entende? Se você estiver lá na hora, já era.
R7 — Como você enxerga essa escalada da guerra, que já dura mais de um ano?
Victor Klass — É uma situação bem delicada. Honestamente, eu não imaginava que iria escalar nesse nível. Cheguei aqui em março, quando já estava bem mais calmo com relação à frente da guerra contra o Hamas. Mas, logo em maio, aconteceu o primeiro ataque do Irã. Nesse momento, achei que iria escalar de uma maneira absurda, tanto que já estava pensando em voltar para o Brasil. Mas, logo depois, os nervos se acalmaram de novo. Então, de repente, o Líbano entrou, com o Hezbollah, e escalou de maneira muito rápida, até este momento do entrave com o Irã, entendeu?
Enxergo essa escalada como bem perigosa, porque realmente pode culminar numa guerra mundial. É uma coisa difícil de acontecer? Sim, mas é uma coisa possível também, porque tudo está acontecendo rápido demais, entendeu? Uma coisa que percebi é que escalou a ponto de o Irã atacar. E, se Israel atacar de volta, como vai ser? Tenho bastante medo do que pode acontecer e penso muito sobre voltar ao Brasil por conta disso. Mas, por enquanto, quero ver como os próximos capítulos vão se desenrolar.
Enxergo essa escalada [de tensão] como bem perigosa, porque realmente pode culminar numa guerra mundial
R7 — Quais suas perspectivas de futuro com a vida em um país em guerra?
Victor Klass — Entendo que vou me adaptar à situação, porque parece que é um conflito que não vai acabar tão cedo, para não dizer nunca. Mas estou descobrindo que é uma coisa com a qual tenho que me acostumar. A vida é muito boa aqui. O ritmo é diferente, o clima é muito bom, não tem assalto na rua. Quem vive no Brasil entende que isso é uma coisa que tira a nossa paz interior, e aqui isso não acontece.
O Japão, por exemplo, tem terremotos, os Estados Unidos, furacão, o Brasil, assalto, e aqui tem guerra. Só que Israel está muito preparado, muito mesmo. Isso é uma coisa que eu aprendi aqui também. Então, minha perspectiva é me adaptar a essa situação e entender que, mesmo quando estiver em paz, vai estar em guerra, porque... Tem muita gente mundo afora que não gosta do povo judeu, então, é uma coisa que a gente tem que entender só por ser judeu.
R7 — Com a recém-chegada de mais um ano novo judaico [no fim de setembro], quais suas reflexões para esse novo ciclo?
Victor Klass — Quero que as coisas melhorem. Ainda que a guerra não acabe, os reféns têm que retornar. E essa é a prioridade número um, o pensamento de qualquer judeu no mundo. Eles retornando para casa, a gente pode começar a pensar nos próximos passos. Também espero que, de alguma forma, as pessoas encontrem paz. Esse é o meu desejo para o próximo ano.
*Sob supervisão de Vivian Masutti