Apesar de otimismo, setores têm ressalvas para acordo Mercosul-UE
Produtores de químicos e sucos cítricos avaliam negociações
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
Mais do que simplesmente fechar um acordo com a UE (União Europeia) até o fim do ano, o Mercosul precisa se concentrar em fechar um bom acordo. É esta a opinião de Ibiapaba Netto, diretor executivo da CitrusBR (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos) — um dos principais interessados no desfecho positivo das negociações.
Dados da associação mostram que, em 2016, as exportações de sucos do Brasil para a Europa chegaram a 1,8 bilhão de dólares. O produto é um dos que o País mais vende para o continente, ao lado de itens como café, soja e milho.
— Se o acordo for fechado, em doze anos, zeraríamos as taxas que pagamos hoje à Europa pela exportação do suco de laranja brasileiro. Em números, isso significa que, a cada 700 mil toneladas exportadas, economizaríamos aproximadamente 170 milhões de dólares que gastamos atualmente em impostos. É sempre bom para o comércio quando evitamos taxas ou não pagamos multas, mas é necessário que qualquer acordo responda a algumas preocupações do setor. Uma delas é a questão do princípio da precaução.
Netto explica que o princípio de precaução, que vem sendo pleiteado pela UE, retira a autonomia legislativa do Mercosul em relação a determinadas transações comerciais. O Brasil ficaria vulnerável às resoluções europeias para temas como o limite máximo de resíduos de pesticidas nos sucos, por exemplo. “É algo que abre uma janela de interpretação muito grande. Além disso, o fechamento de um acordo até o fim do ano não significa necessariamente que ele vai entrar em vigor. Antes, ele passa pelo Congresso brasileiro e por todos os parlamentos de todos os países do Mercosul. Daí a importância de termos todas as questões muito claras. De qualquer forma, quanto mais livre o comércio, melhor para todo mundo. Acho que o Brasil não deve ter medo das negociações”, completa o especialista.
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Do lado das importações, os químicos e farmacêuticos estão entre os principais produtos comprados pelo Brasil da UE. O MDIC (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) aponta que o País já importou da Europa o equivalente a 9,8 trilhões de dólares em produtos das indústrias químicas em 2017. Segundo Fernando Figueiredo, presidente executivo da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), o setor é a favor da abertura comercial.
— Nós nos beneficiaríamos com um eventual aumento de mercado fora do Brasil, poderíamos exportar mais para a Europa. Mas isso só aconteceria se o acordo comercial mudasse também um dos setores mais fechados no País, que é o financeiro. Os bancos aqui apresentam juros muito extorsivos ao mesmo tempo em que a carga tributária brasileira está próxima de 36% do Produto Interno Bruto — um índice maior que o da Alemanha. Com a concorrência dos bancos internacionais no nosso mercado financeiro, acredito que os juros por aqui cairiam. Com juros extorsivos, tributação fora da realidade mundial e infraestrutura atrasada, o Brasil corre o risco de não ser competitivo o suficiente para exportar seus produtos.
Cenário geral
No geral, os dados do MDIC mostram que, em 2017, o Brasil já teve um superávit de 58 bilhões de dólares na balança de importações e exportações com a UE até o momento. O mesmo período do ano passado havia registrado um superávit de 38,5 bilhões. Na opinião de Renato Galvão Flôres Junior, diretor do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o fechamento de um acordo seria positivo para os setores brasileiros de carnes e de etanol.
— Grosso modo, sempre que há um acordo de livre comércio, é porque a gente quer vender mais. A ideia é que nós ganhemos mercado na União Europeia. Obviamente, como tudo na vida, há uma contrapartida, e nós teremos que comprar mais coisas deles também. Entende-se que compraremos mais produtos que são bons para a nossa economia e cheguem aqui de forma mais barata.
O vice-presidente da Comissão Europeia, Jyrki Katainen, se reúne nesta sexta-feira (10) com três chanceleres do Mercosul em Brasília para agilizar o processo de negociações e tentar estabelecer uma resolução antes do final do ano. Flôres Junior pondera, entretanto, que a conjuntura política da Europa talvez atrase o processo.
— Na minha opinião, a probabilidade de acontecer, de fato, um acordo até o fim do ano é de 55%. Temos que pensar que a Europa lida com algumas confusões neste momento: as negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia andam complicadas, governos de países importantes como Alemanha e França passaram por mudanças recentemente e a Espanha traz essa discussão sobre a Catalunha. Há diversos debates sobre como fazer o euro avançar e qualquer pequeno impasse pode complicar as conversas com o Mercosul.