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Após retorno ao poder, Talibã reforça postura retrógrada no Afeganistão

Segundo especialistas, afegãos comemoram um ano de saída dos EUA, mas enfrentam o retrocesso do grupo fundamentalista

Internacional|Lucas Ferreira, do R7

Soldado do Talibã ostenta fuzil em rua do Afeganistão
Soldado do Talibã ostenta fuzil em rua do Afeganistão Soldado do Talibã ostenta fuzil em rua do Afeganistão

Em 15 de agosto de 2021 o grupo Talibã anunciou a tomada da capital do Afeganistão, Cabul, e retornou ao poder após 20 anos com a fuga do então presidente do país, Ashraf Ghani. A nova ascensão do grupo também coincidiu com a saída apressada e desajeitada das tropas dos Estados Unidos, presentes no país desde 2001.

A saída dos norte-americanos foi vista como um retrocesso para o Afeganistão, que mais uma vez voltaria a lidar com o regime do Talibã, cercado de regras fundamentalistas e opressoras, em especial contra mulheres e minorias étnicas.

A coordenadora do Observatório Feminista de Relações Internacionais e pesquisadora do grupo Casa da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Giovanna Lucio Monteiro, afirma que apenas um afegão em cada dez aprova o retorno do Talibã, diante de uma crise econômica gerada pela ocupação militar dos EUA e agravada pela pandemia.

“Em 2021, o Afeganistão teve uma das piores secas dos últimos 27 anos, além dos sucessivos anos de guerra”, conta Monteiro ao R7. “O país já vinha passando por uma crise, mas quando você tem o retorno do Talibã, tem uma derrocada nos direitos, em especial das mulheres.”

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A questão, todavia, é que as afegãs já sofriam violências durante a passagem das tropas dos Estados Unidos no país, com diversas denúncias de abusos sexuais de militares contra as mulheres do Afeganistão, diz a pesquisadora.

O professor de relações internacionais da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) Luiz Felipe Osório diz que pela postura norte-americana durante os 20 anos no país, não há como o governo de Washington questionar o Talibã nem exigir dele melhorias sociais.

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“Não acredito que os EUA tenham algum apelo diante da população local para falar em direitos humanos, considerando as violações e opressões cometidas ao longo dos 20 anos de ocupação”, afirma Osório em entrevista ao R7.

Talibã vende falsa imagem progressista

Mulheres voltaram a ser obrigadas a cobrir o corpo totalmente durante governo do Talibã
Mulheres voltaram a ser obrigadas a cobrir o corpo totalmente durante governo do Talibã Mulheres voltaram a ser obrigadas a cobrir o corpo totalmente durante governo do Talibã

Nas primeiras semanas no poder, o grupo Talibã tentou promover uma imagem bem diferente da do grupo fundamentalista que havia governado o Afeganistão no fim da década de 1990. Porém, a formação do governo apenas com homens já dava sinais de que atitudes antiprogessistas seriam retomadas neste novo mandato.

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Um dos principais grupos afetados são as mulheres, que foram postas à margem da sociedade nas primeiras ações do novo governo. Para Monteiro, a religião é utilizada como desculpa para que o Talibã possa perpetuar um regime conservador e pouco democrático na sociedade afegã.

“Tem pouco a ver com a religião e com os preceitos religiosos, mas sim com como a religião é usada politicamente para justificar a ação de um governo radical e conservador.”

A luta pelos direitos humanos no Afeganistão virou um bastião da imprensa ocidental, que divulga rotineiramente as ações do Talibã, como cadáveres pendurados em praça pública em uma demonstração de força e exemplo sobre os novos costumes do país.

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Para Osório, porém, pouco deve ser feito pelo Talibã para alterar essas políticas. O professor ressalta que a partir do momento em que o grupo assumiu o poder, uma nova ideia de direitos humanos foi implementada no Afeganistão.

“Não, de maneira alguma o Talibã mudará alguma diretriz. A não ser que façam uma ou outra concessão pontual, caso precisem de algum apoio internacional do Ocidente. A métrica e o parâmetro de direitos humanos dos afegãos de hoje são completamente diferentes daqueles que as forças ocidentais dizem pregar em discurso.”

Uma das formas que outros países ao redor do mundo podem fazer para pressionar o Afeganistão a melhorar as questões de direitos humanos seriam as sanções econômicas, que ganharam os noticiários após a invasão russa da Ucrânia. O problema é que o estrangulamento financeiro ao Talibã é atrelado diretamente a um maior sofrimento da população do país.

Segundo dados da ONU, mais da metade da população do Afeganistão, cerca de 23 milhões de pessoas, enfrenta fome aguda desde novembro de 2021. Para Monteiro, é necessário que grandes potências encontrem maneiras criativas de pressionar o atual governo afegão sem prejudicar o povo.

“As organizações internacionais precisam ser um pouco mais criativas na forma de lidar com o Talibã. Nesse cálculo precisam ser consideradoas a necessidade de negociar com esse governo e a pressão aplicada pelo cumprimento dos direitos humanos.”

Resistência afegã contra o Talibã

Homens e mulheres unidos em protesto contra o Talibã no Afeganistão
Homens e mulheres unidos em protesto contra o Talibã no Afeganistão Homens e mulheres unidos em protesto contra o Talibã no Afeganistão

Um ano após assumir o poder, o Talibã vai consolidando forças por todo o país e ganhando corpo, o que aumenta a dificuldade de movimentos de resistência contra o governo. Ações organizadas são desencorajadas pelo medo de medidas extremistas do grupo contra rebeldes.

Embora corram riscos, a fome, a perda de direitos e as dificuldades financeiras incentivam a população a se unir contra o Talibã, em especial nas partes mais urbanizadas do país.

Para ambos os especialistas, é necessário que a solução para ter um Afeganistão melhor seja encontrada pela própria população. Ainda que com a ajuda de mediadores internacionais, os afegãos devem achar um ponto em comum em negociações com o Talibã.

“Acho que a única saída que consigo enxergar para isso hoje é um envolvimento de grupos de representantes da população civil em negociações conjuntas com o Talibã e mediadas por atores internacionais com a proteção dessas pessoas, desses representantes da população civil”, comenta Monteiro.

“Ao menos, sem o jugo do imperialismo dos EUA, talvez, o Afeganistão possa começar a construir o próprio destino, ainda que inicialmente sob a batuta de forças retrógradas, como o Talibã”, conclui Osório.

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