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‘Está tudo bem com o avião’: companhia aérea oferece curso para superar o medo de voar

Internacional|Sarah Lyall, do The New York Times

Piloto dá palestra sobre como aviões são seguros e a tripulação está preparada para emergências
Cerca de 40% de todos os passageiros de companhias aéreas têm pelo menos um leve receio de voar, dizem os especialistas Jeremie Souteyrat/The New York Times

Assim que o voo 9240 da British Airways decolou do Aeroporto de Heathrow, o ar da cabine foi permeado por um ruído agudo e assustador, como um alarme ou uma sirene. A potência aumentou, depois pareceu diminuir, e o avião ficou assustadoramente silencioso, talvez até demais.

O que estava acontecendo? Imagens de cenários catastróficos – pássaros, falha no motor, peças caindo, colapso total do sistema – tomaram a imaginação dos passageiros enquanto o avião parecia lutar para encontrar o equilíbrio, e um mal-estar tomou conta da cabine. Mas, em seguida, uma voz soou suavemente no sistema de comunicação: “Está tudo normal, o avião está bem.”

Esse voo, que mais pareceu uma montanha-russa emocional, looping de 35 minutos no ar que começou e terminou em Heathrow, foi o ponto culminante do curso “Voe com Confiança” oferecido pela companhia aérea, destinado a pessoas que têm medo de voar – tanto as ligeiramente nervosas quanto as absolutamente apavoradas.

O curso inclui um mergulho profundo na mecânica e na operação de um avião. Há também uma seção sobre a maneira como os pilotos são treinados para lidar com vários cenários, incluindo a despressurização da cabine, o mau funcionamento do trem de pouso, buracos na fuselagem e rajadas repentinas de vento na pista que forçam o que é chamado de “arremetida”, quando o piloto aborta repentinamente o pouso e lança o avião de volta ao céu. O dia termina quando os participantes – ou pelo menos aqueles que permaneceram até o fim da aula – embarcam em um avião de verdade para um voo real.

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Cerca de 40% de todos os passageiros de companhias aéreas têm pelo menos um leve receio de voar, dizem os especialistas, e as pessoas com aerofobia grave se dividem em dois grupos. Aproximadamente 20 por cento têm “uma ansiedade subjacente que se manifesta como medo de voar”, afirmou Douglas Boyd, pesquisador de aviação que ministra um curso sobre medo de voar em Houston. Outros 70 a 75%, segundo ele, “acham que algo ruim vai acontecer com o avião – vai haver um incêndio, o motor vai se soltar da aeronave, o piloto está bêbado, o avião vai cair”. (O restante relata uma combinação de preocupações.)

Voar representa um risco objetivamente baixo, e 2023 foi o ano mais seguro de todos os tempos para viagens de avião, de acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo. Mas o medo de voar não parece tão irracional, com relatos de mau funcionamento de aeronaves, controladores de tráfego aéreo sobrecarregados e a sensação de que a mudança climática está piorando a turbulência.

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Por exemplo: no dia cinco de janeiro, um tampão de porta – painel do tamanho de uma porta localizado na lateral de uma aeronave – se soltou abruptamente da fuselagem de um jato da Alaska Airlines durante a subida, despressurizando a cabine e expondo os passageiros, milhares de metros acima do solo. Também em janeiro, cinco membros da guarda costeira japonesa morreram quando o avião em que estavam colidiu com um jato da Japanese Airlines em uma pista de Tóquio e ambos os aviões explodiram em chamas. (Todos os 367 passageiros e 12 membros da tripulação do voo da Japanese Airlines sobreviveram.) A Boeing, fabricante do avião da Alaska Airlines e de outras aeronaves que sofreram contratempos diversos há pouco tempo, foi particularmente criticada por negligenciar a segurança.

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Outros 70 a 75%, segundo ele, “acham que algo ruim vai acontecer com o avião Jeremie Souteyrat/The New York Times

Esses incidentes acabam permanecendo na mente dos passageiros, mas Boyd frisou que as pessoas tendem a ignorar a raridade deles: “É preciso analisar as medidas objetivas. Nos últimos 15 anos, tivemos apenas dois acidentes fatais com uma companhia aérea dos EUA, e isso é muito representativo.” (Ele estava se referindo a um voo da Continental Airlines que bateu em uma casa em Buffalo em 2009, matando 50 pessoas, e o caso de uma janela que foi ejetada da aeronave depois que um dos motores explodiu em um voo da Southwest Airlines em 2018, matando um passageiro que foi parcialmente sugado para fora do avião.)

Ninguém quer fazer um voo com medo nem perturbado emocionalmente, e as companhias aéreas têm um interesse óbvio em passageiros calmos e não aterrorizados. Diversas companhias, incluindo Air France, a Lufthansa e a Virgin, oferecem um programa para lidar com o medo de voar, mas o da British Airways, em operação há mais de 35 anos, é considerado o mais bem fundamentado.

Sou uma passageira ocasionalmente nervosa, mas não excessivamente apavorada, e participei de uma sessão em outubro, pagando a taxa de 395 libras esterlinas (cerca de US$ 508). Os outros participantes apresentavam uma variedade de idades e profissões e sofriam de uma série de ansiedades.

Duncan Phillips, professor de ciências do ensino médio, disse que não colocava os pés em um avião desde sua lua de mel, duas décadas antes. Imogen Corrigan, professora de história medieval, comentou que tinha um “pavor generalizado de toda a experiência no aeroporto”, exacerbado por um voo traumático alguns anos antes, no qual sua colega de assento, interpretando incorretamente os ruídos pós-decolagem do avião como uma pane do motor, levantou-se e gritou: “Não vamos conseguir subir!”

Havia também um homem de 28 anos, que pediu que seu nome não fosse divulgado porque trabalha no Palácio de Buckingham. Ele contou que seu problema era a claustrofobia, já tendo ficado preso em um elevador, mas que estava empenhado em superá-lo. “Só quero perder o medo.”

Ouça o que o comandante diz

De pé no palco de uma sala de conferências de um hotel em Heathrow e usando adereços como slides, um avião de plástico e a réplica de uma orelha humana para explicar como os aviões funcionam, o capitão Steve Allright, piloto da British Airways que liderou o programa, deu sua dica para combater a ansiedade: “Quero que expirem por quatro segundos e depois inspirem, enquanto contraem os maiores músculos, as nádegas. Dessa forma, vocês assumem o controle da mente e dos pensamentos acelerados. Não fiquem sentados, sofrendo. Respirem e contraiam.”

(Sim, Allright já assistiu ao filme “Apertem os Cintos... o Piloto Sumiu!”, no qual Kareem Abdul-Jabbar e Peter Graves interpretam dois pilotos cujo nome – Roger Murdock e Clarence Oveur – se presta à comédia baseada na confusão com o jargão utilizado nas telecomunicações aeronáuticas. Allright sabe que seu nome também parece fictício, pois soa como “tudo bem”, em inglês. Mas não é.)

Ele estimulou o grupo a identificar suas preocupações específicas. “Quantos de vocês não viajam de avião há mais de 20 anos ou nunca viajaram? Quantos viajam regularmente a negócios e a situação está piorando? Quantos tiveram filhos e de repente se conscientizaram da própria mortalidade?”

Ele olhou para a multidão. “Quem não gosta da decolagem? Quem não gosta da aterrissagem e – o favorito de todos – quem não gosta de turbulência?” Uma pessoa levantou a mão para todas as categorias.

Entre os pontos apresentados por Allright e sua equipe:

– As asas do avião não vão simplesmente se soltar.

– A aeronave tem reservas suficientes e não vai ficar sem combustível de repente. “Aquelas cenas de Hollywood em que eles andam em círculos gritando que vai acabar o combustível e o avião vai ‘pousar na fé’, isso não vai acontecer”, disse Allright.

– Aquele momento em que parece que os motores pararam de funcionar repentinamente depois da decolagem? É uma ilusão auditiva criada pela redução da potência depois que o avião levanta voo; ele precisa de mais potência para decolar e menos potência quando já está no ar.

– Aqueles filmes em que os pilotos lutam com os controles e suam muito durante a turbulência são totalmente falsos, segundo Allright. “A turbulência é desconfortável, mas não é perigosa.”

– Quando se ouve um som agudo estranho na cabine, não se trata de um sinal secreto dos pilotos que significa “temos uma emergência, mas não conte aos passageiros”. “Na verdade, cada avião faz barulhos diferentes”, explicou Allright, e o que você está ouvindo pode muito bem ser algo como o “barulho de cachorro latindo” que as pessoas dizem ouvir em alguns jatos Airbus, o que pode ser atribuído ao sistema hidráulico da aeronave.

– Nenhum piloto abriria a porta da cabine e deixaria entrar um grupo de sequestradores, mesmo que os sequestradores estivessem ameaçando matar a comissária de bordo com quem o piloto estava tendo um caso, como na série de TV “Sequestro no Ar”, estrelada por Idris Elba.


A apresentação pareceu dissipar alguns dos temores dos passageiros. Charlotte Wheeler, executiva de uma empresa agrícola, ainda assustada pelas lembranças da infância, quando sua mãe extremamente fóbica bebia em excesso e ficava histérica e irritadiça durante os voos, afirmou ter apreciado a disposição de Allright de explorar as raízes de sua apreensão. “Toda aquela história de ‘asas que não se quebram’ foi incrível. E gostei de sua informação de que o combustível não acaba.”

Corrigan, a professora, disse que ficou particularmente tranquila com a exposição de Allright sobre “a parte em que eles acabam de decolar e você acha que não vai conseguir subir”.

Embarque autorizado para o voo BA 9240

Essa apresentação de notícias difíceis foi seguida por um segmento sobre medo, redução da ansiedade e relaxamento, conduzido por uma psicóloga, a dra. Jan Smith. Mas, por fim, chegou a hora de entrar no avião, com a exceção de várias pessoas nervosas que saíram durante o intervalo do almoço e nunca mais voltaram. Divididos em pequenos grupos, cada um deles liderado por um funcionário da British Airways com um colete laranja de alta visibilidade, os passageiros restantes se movimentaram timidamente pelo terminal do aeroporto. Os cartões de embarque indicavam o destino como “Ponto Fictício”, porque o avião partiria de Heathrow e voltaria para lá.

Houve um breve contratempo. Os primeiros passageiros embarcaram, mas descobriram que tinham de descer porque uma falha não especificada não havia registrado a existência deles quando escanearam o cartão de embarque. “Isso não é bom”, comentou um passageiro. “Faz parte do curso? Tenho medo de debandadas”, completou outro.

Muitos dos temores de passageiros são considerados infundados Jeremie Souteyrat/The New York Times

Várias pessoas se preocuparam com a porta e não conseguiram embarcar no avião. Uma mulher conseguiu entrar, mas saiu rapidamente, soluçando: “Sinto muito.”

Todos os outros se acomodaram: 120 clientes se misturaram a cerca de 20 funcionários da British Airways, pilotos e psicólogos, cujo trabalho era fornecer apoio emocional e, ocasionalmente, físico nessa parte mais delicada do dia. As pessoas hiperventilavam, recitavam mantras inspiradores, encolhiam-se e, em vários casos, choravam abertamente. Uma mulher na primeira fila colocou os fones de ouvido e tentou se distrair com o romance de suspense de Lee Child “No Plan B”. “Não gosto mesmo de estar no ar”, disse ela.

O avião decolou e a potência atingiu um pico e depois se reduziu, assim como Allright havia explicado. O nível de ansiedade coletiva subiu para 11. “Está tudo normal. A velocidade está estável, os pilotos estão felizes e relaxados. Este seria um bom momento para fazer a respiração e a contração”, ensinou ele.

O avião voou por algum tempo enquanto ele falava sobre as vistas e os sons – o Millennium Dome, o Aeroporto de Gatwick, o London Eye, os flaps das asas, um suave chilrear que significava que o piloto automático havia sido desligado. “Isso significa que Nigel agora está controlando a aeronave manualmente”, explicou Allright, referindo-se ao piloto, capitão Nigel Willing, que estava nos controles e cujo nome também parece ser de um personagem de filme. Allright tranquilizou a todos, lembrando que estava tudo normal, e nos instruiu a tomar a decisão consciente de contrair as nádegas.

Quando o avião começou a descer, alguns dos passageiros, genuinamente surpresos por terem chegado até ali, tiraram fotos pela janela, para comprovar sua presença no voo.

“Estou feliz por não ter vomitado. Preciso mesmo é de um cigarro”, confessou a leitora de “No Plan B”.

O avião parou e Idris Guest, funcionário de TI que não viajava de avião desde uma experiência horrível em 2016 envolvendo turbulência e um comissário de bordo com um ferimento sangrento na cabeça, declarou-se, se não curado, pelo menos não em posição fetal. Prometeu voar novamente. “Estou eufórico.”

“Tudo está normal. Deem a si mesmos uma salva de palmas, pessoal”, comemorou Allright.

c. 2024 The New York Times Company

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