EUA, China, Rússia e UE: como será a geopolítica mundial pós-pandemia?
Mesmo com o enfraquecimento do conceito de globalização, por causa da covid-19, a influência chinesa deverá continuar sendo crescente
Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7
A partir da covid-19, o mundo deverá entrar em uma nova era. De uma tensão controlada, agora entre quatro polos: Estados Unidos, Rússia, UE (União Europeia) e China.
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Para o professor de Relações Internacionais do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), Vladimir Feijó, a dinâmica destes quatro componentes do tabuleiro geopolítico sofrerá alguma alteração.
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E, ao contrário do que poderia se pensar, ajudará a incluir a China cada vez mais como protagonista neste cenário.
China
"Quando analisamos os projetos chineses não podemos deixar de considerar que existem metas de médio e longo prazo. Ambas constantemente ajustadas. A existência de um regime fechado e de partido único, somada ao histórico milenar de burocracia técnica selecionada entre os melhores do país, faz com que eu tenha confiança em afirmar que a China irá se adaptar à nova realidade pós-pandemia para ainda alcançar seus projetos", afirma Feijó.
Dois projetos em especial se destacam, segundo ele.
"Um deles é permitir a elevação da renda nacional média e o outro é assumir peso relevante nos assuntos globais, revertendo o que julgam ser humilhações sofridas no passado", completa, referindo-se inclusive à tentativa de conquista do território chinês por parte do Japão na Segunda Guerra.
Para ele, mesmo com o enfraquecimento do conceito de globalização, por causa da pandemia, a influência chinesa continuará crescente.
"Claro que eventual ciclo de limitações ao comércio internacional trarão impacto ao ritmo de crescimento. Mas o mundo demora a encontrar alternativas e até lá a China seguira tendo o seu peso. Sem contar que a China já estava desenvolvendo sua influência global, seja pelos projetos do colar de pérolas (influência em países do Oceano ìndico) e da nova rota da seda (na África), seja pela criação novas instituições multilaterais rivais às lideradas pelo Ocidente", ressalta.
Estados Unidos
Neste cenário multilateral, a preocupação dos Estados Unidos é com uma diminuição de sua influência global. Para tanto, paradoxalmente, optou por um governo mais preocupado com o fortalecimento do mercado e do consumo interno, visando justamente se fortalecer economicamente e, com isso, manter uma hegemonia.
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Com a dificuldade em conter a pandemia, o desafio do governo de Donald Trump de manter a imagem do país associada a segurança e desenvolvimento ficou ainda maior. Feijó considera que todas essas questões se somam neste momento.
"O cenário de análise dos EUA como líder de democracia e respeito aos direitos humanos já estava abalado desde as medidas adotadas depois do 11 de setembro de 2001. A opção de Trump de contestar as instituições e os acordos que o país criou nas décadas anteriores acelerou ainda mais o processo de descrédito", destaca.
Isso, no entanto, não quer dizer, segundo ele, que o crescimento da pandemia no país reflita algum fracasso na política interna.
"A resposta à pandemia, no entanto, tem tudo para se mostrar eficaz. Um modelo descentralizado e democrático pode permitir ao país sair bem da crise, com respostas adequadas a cada uma das situações diferentes dentro do país. Por agora de fato os Estados Unidos aparentam passar vexame por ser potência em diversos aspectos e ser o país com a população mais afetada pela doença", ressalta.
Rússia
Quem mais deverá se preocupar em perder protagonismo é a Rússia. Com dificuldades econômicas e pressionada por uma crise de petróleo em meio à pandemia, que baixou consideravelmente o preço do produto, o governo local tem se preocupado em manter uma imagem de potência nuclear.
No último dia 9, em desfile militar que celebrou a vitória russa sobre os nazistas, na Segunda Guerra, Putin prometeu que todos os planos de desenvolvimento do exército serão realizados, mesmo com a crise econômica causada pelo novo coronavírus.
Neste sentido, Feijó considera que o governo de Putin terá como prioridade a manutenção da influência em regiões estratégicas, inclusive por causa do petróleo e do gás natural, recursos energéticos que são a base da economia do país e abundantes em regiões como o Oriente Médio e a Europa Oriental.
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"A Rússia seguirá como uma potência terrestre. A sua influência sobre os países que a circundam não deixará de existir. Ela possui projetos estratégicos que expandem a influência no Oriente Médio e Europa que só será abalada como consequência de eventual substituição dos combustíveis fósseis como principal matriz da econômia global", observa.
União Europeia
Muito afetados pela crise do coronavírus, os países da UE questionaram a instituição em momentos de urgência. Na Itália, por exemplo, houve a queixa de que a entidade não deu o suporte necessário durante o pico da pandemia.
Por outro lado, algumas políticas equivocadas, como a da quarentena tardia na Itália, também se tornaram pontos de discórdia dentro do bloco. Assim como os diferentes modelos de investimento em Saúde.
Feijó considera que, após o fim desta pandemia, a tendência é de que haja uma reorganização do bloco, para que o sentido de integração permaneça intacto. Se isso ocorrer, por causa da localização geográfica, a Europa servirá como importante contraponto à polarização entre China e Estados Unidos.
"Em escala global, a conjugação dos territórios ultramarinos espalhados por todos os oceanos, em especial em pontos estratégicos de passagem, dá ao grupo situação de destaque. Os projetos de política externa e defesa comum podem ser ampliados para assegurar a posição de destaque nos arranjos e organizações globais", completa.
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