EUA: com o envelhecimento da população nativa, imigrantes ocupam postos de trabalho
O Congresso estima que o país recebeu 3,3 milhões de imigrantes no ano passado e outros 3,3 milhões chegarão em 2024
Internacional|Jeanna Smialek, do The New York Times
O estado do Maine tem muitas lagostas. Também tem muitas pessoas em idade avançada, cada vez menos dispostas a – e capazes de – capturar, limpar e vender os crustáceos que constituem uma indústria que alimenta o estado com US$ 1 bilhão. As empresas, portanto, estão recorrendo a trabalhadores estrangeiros para superar o problema.
“Os nascidos no estado geralmente não procuram trabalho na indústria, especialmente na produção de alimentos”, disse Ben Conniff, fundador da Luke’s Lobster (empresa familiar de frutos do mar do Maine), explicando que a fábrica de processamento de lagosta de propriedade da companhia trabalha principalmente com mão de obra imigrante desde que foi inaugurada, em 2013. “Os trabalhadores nascidos no estrangeiro ajudam a manter em funcionamento a economia baseada em recursos naturais”, completou.
O Maine tem a população mais velha dos Estados Unidos, com idade média de 45,1 anos. À medida que todos os EUA envelhecem, o estado oferece uma antevisão de como a situação poderá ficar do ponto de vista econômico – e do papel fundamental que os imigrantes provavelmente desempenharão no preenchimento das vagas no mercado de trabalho, que serão criadas à medida que os trabalhadores nativos se aposentarem.
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Em âmbito nacional, espera-se que a imigração seja uma fonte cada vez mais importante de novos trabalhadores e contribua para a vitalidade econômica do país nas próximas décadas.
Isso traz uma ponta de esperança, já que os enormes fluxos de imigrantes que tiveram início em 2022 estão sobrecarregando os recursos estatais e locais por todo o país, provocando reações políticas. Embora traga desafios em curto prazo, a vinda de imigrantes também impulsiona o potencial da economia norte-americana. Os empregadores hoje conseguem contratar pessoal rapidamente, em parte por causa da grande entrada de mão de obra. O Gabinete de Orçamento do Congresso foi obrigado a rever os dados populacionais e as projeções de crescimento econômico para a próxima década, diante do fluxo de recém-chegados.
No Maine, as empresas já estão recorrendo aos imigrantes para preencher lacunas na força de trabalho, principalmente nas fábricas e em profissões especializadas, à medida que os trabalhadores nativos deixam de servir como força de trabalho ou se encaminham para a aposentadoria.
Os legisladores estaduais vêm trabalhando para criar o que chamam de Gabinete de Novos Americanos, que, entre outros esforços, tentará atrair e integrar imigrantes na força de trabalho do país. As empresas privadas também estão dedicadas ao assunto. Os fundadores da Luke’s Lobster criaram uma iniciativa chamada Lift All Boats (algo como “levantar todos os barcos”), em 2022, para complementar e diversificar a indústria da pesca da lagosta, cujos trabalhadores envelhecem rapidamente. O objetivo é ensinar pessoas de fora da indústria a pescar lagosta e a abrir caminho através do extenso e complexo processo de licenciamento. Metade de seus participantes nasceu no estrangeiro.
Uma porcentagem menor da população do Maine nasceu no estrangeiro se comparada ao país como um todo, mas o estado assiste a um salto no crescimento das populações oriundas de outros países à medida que mais refugiados e outros novos imigrantes chegam.
É a reverberação de uma tendência que está se verificando em toda a nação. O Gabinete de Orçamento do Congresso estima que os Estados Unidos receberam 3,3 milhões de imigrantes no ano passado e outros 3,3 milhões chegarão em 2024. É um aumento acentuado em relação aos 900 mil que, tipicamente, chegavam nos anos que antecederam a pandemia.
Entre um terço e a metade dos imigrantes vindos na onda do ano passado chegou mediante canais legais, com visto de trabalho ou green card, segundo uma análise feita pelo Goldman Sachs. Mas os economistas estimam que houve também um crescimento do número de imigrantes que entraram ilegalmente no país.
Muitos imigrantes recentes estão concentrados em determinadas cidades, frequentemente porque querem estar perto de outros imigrantes. Em alguns casos, foram levados de ônibus para esses locais pelo governador do Texas, Greg Abbott, depois de serem pegos ao cruzar a fronteira. Miami, Denver, Chicago e Nova York são os principais destinos dos recém-chegados.
Desse ponto de vista, a imigração atual não é economicamente ideal. À medida que se instalam em grupos, os imigrantes não vão, necessariamente, para os locais que mais precisam de sua mão de obra. E o fato de muitos não estarem autorizados a trabalhar dificulta sua integração no mercado de trabalho. Mesmo com barreiras que impedem a contratação de alguns imigrantes, o enorme fluxo recente ajudou a impulsionar o crescimento do emprego e a acelerar a economia em nível nacional.
“Tenho certeza de que não teríamos o crescimento da taxa de empregos que vimos no ano passado – e certamente não poderíamos mantê-la – sem a imigração”, afirmou Wendy Edelberg, diretora do Projeto Hamilton, grupo de pesquisa sobre política econômica da Brookings Institution.
Aquecimento econômico
A maior oferta de mão de obra de imigrantes permitiu aos empregadores contratar a um ritmo acelerado sem superaquecer o mercado de trabalho. Com mais gente recebendo e gastando dinheiro, a economia se protegeu contra o arrefecimento. Evitou-se até mesmo que surgisse a recessão que muitos economistas consideravam quase inevitável por conta dos aumentos das taxas de juros promovidas pelo Federal Reserve (o banco central americano) em 2022 e 2023.
Ernie Tedeschi, pesquisador da Faculdade de Direito de Yale, estima que a força de trabalho teria decrescido em cerca de 1,2 milhão de pessoas caso não houvesse o fluxo imigratório iniciado em 2019, que seguiu até o fim de 2023. Com isso se conseguiu substituir a perda de mão de obra derivada do envelhecimento da população. No sentido oposto, a imigração permitiu que o número chegasse a dois milhões de trabalhadores empregados.
Economistas acreditam que a onda de imigração também poderá melhorar a demografia da força de trabalho da América no longo prazo, mesmo que, a cada ano, a população nativa envelheça e aumente a quantidade de aposentados.
O envelhecimento da nação poderá, eventualmente, levar à escassez de mão de obra em algumas indústrias – como é o caso de alguns setores empresariais do Maine. Isso significa que uma base menor de trabalhadores pagará impostos para apoiar programas federais como a Segurança Social e o Medicare.
Os imigrantes tendem a ser mais jovens do que a população nativa, têm maior probabilidade de trabalhar e maior fertilidade, o que implica que podem ajudar a reforçar a população em idade ativa, o que não aconteceria de outra forma. Ondas anteriores de imigração já ajudaram a manter a idade média da população dos Estados Unidos mais baixa e a população crescendo mais rapidamente. “Por outro lado, mesmo os influxos, que foram desafiadores e avassaladores no início, trouxeram vantagens”, disse Tedeschi.
Na verdade, a imigração está prestes a se tornar cada vez mais importante para a demografia dos EUA. O Gabinete de Orçamento do Congresso estima que, até 2042, o crescimento da população será favorecido pela imigração, uma vez que as mortes anulam os nascimentos entre os nativos. A imigração aumentou tanto que o Gabinete de Orçamento prevê que a população adulta dos Estados Unidos será acrescida de 7,4 milhões de pessoas em 2033, bem mais do que se esperava anteriormente.
Para Edelberg, a imigração ajudaria a reduzir o défice federal, impulsionando o crescimento e aumentando a base tributária das pessoas em idade ativa. Por outro lado, o impacto nas finanças estaduais e locais seria mais complicado, uma vez que as administrações prestam serviços essenciais, como a educação pública.
Mas há muitas outras incertezas. Ninguém sabe, por exemplo, quanto tempo durarão os grandes fluxos de imigração atuais. Muitos são estimulados pela instabilidade geopolítica, incluindo a crise econômica e a criminalidade na Venezuela, a violência no Congo e crises humanitárias em outras partes da África e do Oriente Médio.
O próprio Gabinete de Orçamento baseou suas projeções em suposições. Entre elas, a de que a imigração diminuirá até 2026, fazendo uma lenta reversão ao parâmetro normal. Mas não é claro quando ou com que rapidez a imigração diminuirá.
Políticas nacionais também poderiam redefinir o número de pessoas autorizadas a entrar – e permanecer – nos Estados Unidos.
O afluxo de imigrantes causou, e ainda causa, problemas em muitos lugares, uma vez que o aumento da população sobrecarrega os sistemas de suporte locais e se defronta com a oferta limitada de habitação. À medida que isso acontece, a imigração se torna uma questão política cada vez mais crítica, subindo para o topo da lista dos problemas mais importantes do país em uma enquete feita pelo Instituto Gallup.
c. 2024 The New York Times Company