Feridas compartilhadas na Coreia
Eleição de Park Geun-hye, filha do ditador Park Chung-hee, para a presidência da Coreia do Sul provoca sentimentos históricos na população corena
Internacional|Do R7

Para a maioria dos sul-coreanos, a posse da primeira presidente mulher da Coreia do Sul, Park Geun-hye, na segunda-feira (25), remete a muitas lembranças – especialmente para aqueles que já têm por volta de 50 a 60 anos, cujo apoio nas urnas garantiu a vitória eleitoral da nova líder em dezembro passado.
Para essa "geração 5060", como os coreanos a chamam, Park sempre representou uma pedra de toque emocional. Ela é filha do ditador Park Chung-hee, que governou a Coreia do Sul de 1961 até ser assassinado, em 1979. Durante os últimos cinco anos desse período, ela também foi a primeira-dama do país – substituindo a mãe, morta por um simpatizante da Coreia do Norte em 1974 em um ataque mal sucedido contra Park Chung-hee.
Agora, ela está retornando ao lar onde viveu durante a infância: a Casa Azul da Coreia do Sul. Em 1979, eu era criança e vivia na Coreia do Sul; lembro-me claramente do dia em que Park Chung-hee foi assassinado. Meus pais, aos sussurros, pediram que eu não dissesse uma palavra sobre o assunto fora de casa. A pessoa poderia ser presa por falar sobre o governo em público. Fui então para a escola, levando o peso de meu segredo, até que vi outros estudantes chorando. Eles também sabiam do que tinha ocorrido. Logo, praticamente todos na escola estavam aos prantos.
As pessoas não explicavam a angústia que sentiam – não diziam se choravam por tristeza ou medo. Mas Park Chung-hee era o único líder que nós, crianças, tínhamos conhecido, e eu me lembro de ter ouvido alguém sussurrar que sem ele, seríamos atacados pela Coreia do Norte.
Curiosamente, esse nível de medo não era tão diferente do que eu testemunhei no ano passado em Pyongyang, na Coreia do Norte, enquanto fazia pesquisas para escrever um livro. Quando o líder Kim Jong-Il morreu, os jovens norte-coreanos caíram em desespero; ficaram com o rosto sombrio, como se o céu tivesse caído ou como se tivessem perdido o próprio pai. O governo se apressou para liberar um antídoto: imagens de Kim Jong-Un, de 20 e poucos anos, filho do falecido, tão parecido com o avô Kim Il-Sung que parecia que os genes tinham pulado uma geração, direto do Grande Líder para o neto.
De forma parecida, Park Geun-hye tem uma semelhança assombrosa com a sua mãe, caracterizada pelos livros de história sul-coreana como a primeira-dama máxima da nação – uma verdadeira mártir. Durante a campanha, Park recorreu a esse imaginário para lembrar aos eleitores de que ela própria, nunca tendo se casado ou tido filhos, não era mãe de ninguém – só do povo.
Considere esses papéis – filha, primeira-dama, mãe –, símbolos emocionais aos quais se pode recorrer em uma nação que o Fórum Econômico Mundial classifica em 108º lugar entre 135 países quanto à igualdade de gênero. Essa mulher, amplamente aclamada como primeira presidente mulher de seu país, não é símbolo de um feminismo latente, mas de algo muito mais tradicional – uma garota que cresceu diante dos olhos da nação, vindo a perder ambos os pais violentamente, e se tornando então a mãe daqueles que a apoiaram desde o martírio de sua própria mãe.
Meus pais apoiaram a eleição de Park Geun-hye, e expressaram o sentimento coletivo da geração 5060 quando me explicaram o motivo disso: sentem pena dela. Já que ela ficou sozinha, acham que estão em dívida com ela.
Acho estranho a nostalgia passar cal no passado. Park Geun-hye nunca despertou piedade: ela é uma princesa moderna nascida em um berço privilegiado, herdado de um ditador cruel. Sim, seu pai melhorou bastante a economia sul-coreana. Mas também torturou dissidentes e alterou a Constituição para se manter no poder. Deixou os sul-coreanos sedentos de democracia. Enquanto o povo construía essa democracia nos anos 1980 e 1990, dizia em grande parte vê-lo como um opressor – até o retorno de sua filha tocar o coração das pessoas.
Os norte e sul-coreanos têm em comum, como ponto fraco, o que chamamos de "jung", um termo vago que pode ser melhor traduzido como um sentimento coletivo de benevolência e fervor que une as pessoas. Para a geração dos meus pais, os 18 anos em que o país foi comandado por Park Chung-hee parecem ter incutido uma lealdade complexa, estranhamente análoga à sensação que os norte-coreanos experimentaram após os 46 anos de ditadura de Kim Il-Sung chegarem ao fim (com a ressalva, é claro, de que nunca existiu democracia na Coreia do Norte, nem antes nem depois).
Seja como for, em ambos os lados do Paralelo 38 N, hoje temos como líderes a filha e o neto dos dois homens que mantiveram um abismo entre as metades de nossa nação, uma contra a outra, durante grande parte da Guerra Fria.
Podemos apenas esperar que a dinâmica seja diferente agora. Contudo, apesar de a presidente ter condenado o mais recente teste de bombas nucleares, a política proposta por Park para a Coreia do Norte permanece vaga. Os sul-coreanos dizem que seu primeiro dever é resgatar a economia do país, que está em processo de desaceleração. Mas ela não conseguirá evitar por muito tempo a questão de como pretende lidar com a Coreia do Norte. Precisamos, portanto, saber bem melhor como ela propõe reordenar a relação com o Norte, para que os coreanos de ambos os lados do Paralelo 38 N possam finalmente superar os medos e as outras consequências deixadas por uma guerra que foi interrompida em 1953, mas que não terminou.
(Suki Kim é autora do romance "A Intérprete".)












