Não é questão de dinheiro ou negócio: por que é quase impossível comprar um país?
Entenda os obstáculos que existem hoje que dificultariam uma transação entre países
Internacional|Do R7

Ao longo da história, países já negociaram territórios entre si, redefinindo fronteiras e alterando mapas políticos. Mas, nos dias de hoje, seria possível que um bilionário ou um governo adquirisse um país?
O que diz o direito?
A soberania nacional é um dos pilares do direito internacional, tornando inviável a compra de um país como se fosse uma propriedade privada. “Nenhum Estado pode ser vendido como um bem qualquer. O princípio da integridade territorial impede esse tipo de negociação”, afirma Márcio Ortiz, especialista em Direito Internacional.
Outro aspecto fundamental é que Estados possuem personalidade jurídica própria e não podem ser equiparados a propriedades privadas. “Um país não pode ser tratado como um bem transferível, pois ele é formado por cidadãos, instituições e território, e qualquer tentativa de compra violaria convenções internacionais e tratados de direitos humanos”, destaca Ortiz.
“A venda de um país violaria não apenas princípios jurídicos, mas também os direitos humanos de sua população, que não poderia ser tratada como parte de uma transação comercial”, acrescenta.
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E se o país quiser fazer o negócio?
O direito internacional moderno é baseado na Carta das Nações Unidas, que estabelece a autodeterminação dos povos como um direito fundamental. Isso significa que a população de um país tem o direito de decidir seu próprio destino, sem interferência externa que possa comprometer sua soberania.
Mesmo que um governo cogitasse vender seu território, o processo dependeria de aprovação legislativa e, possivelmente, de um referendo popular. “Ainda que houvesse um consenso interno, a comunidade internacional reagiria de forma negativa, tornando a operação praticamente impossível”, acrescenta Ortiz.
Além disso, organizações internacionais como a ONU interviriam para impedir que um país fosse tratado como uma mercadoria, preservando a estabilidade geopolítica e a ordem mundial.
Por que territórios já foram comprados no passado?
Embora incomum, a venda de terras entre países ocorreu em diversas ocasiões. Além do Alasca e da Louisiana, os Estados Unidos compraram as Índias Ocidentais Dinamarquesas — hoje Ilhas Virgens Americanas — da Dinamarca, em 1917. Na época, o governo dinamarquês enfrentava dificuldades econômicas e aceitou a negociação.
O caso do Havaí, anexado pelos Estados Unidos em 1898, também ilustra como um território pode mudar de mãos. Embora o Havaí não tenha sido comprado, sua anexação ocorreu após forte influência econômica e política dos EUA sobre a monarquia havaiana. Empresários norte-americanos do setor açucareiro desempenharam um papel central no golpe que depôs a rainha Lili’uokalani, facilitando a incorporação do arquipélago ao território dos EUA.
Outro exemplo é a dominação das Filipinas pelos Estados Unidos, adquiridas da Espanha por meio do Tratado de Paris, em 1898, após a Guerra Hispano-Americana. Diferente de uma simples compra, essa transação foi acompanhada por conflitos armados e resistência local. A administração norte-americana encontrou forte oposição filipina e, por anos, o território passou por processos de dominação até alcançar sua independência em 1946.
Gente comum pode comprar terreno e criar um país?
No setor privado, algumas tentativas de criar países independentes fracassaram. O caso da “República da Minerva”, em 1973, é emblemático. Um investidor tentou fundar um novo país em um atol no Pacífico, mas Tonga rapidamente reivindicou o território, pondo fim ao experimento.
Micronações autodeclaradas, como a Sealand, localizada em uma antiga plataforma militar no Reino Unido, também surgiram com a ideia de escapar da soberania estatal. No entanto, sem reconhecimento internacional, as iniciativas permaneceram sem legitimidade.
Dinheiro para comprar um país é o problema?
A venda de um país inteiro enfrentaria entraves internacionais e legislativos difíceis de serem superados. “Primeiro, há a questão econômica: como precificar um país? Não se trata apenas de terra, mas de uma população, infraestrutura, economia e cultura”, aponta Ortiz.
A diplomacia também representa um grande obstáculo para possíveis compras territoriais. “Organizações como a ONU condenariam qualquer tentativa de compra e venda de um Estado. Países vizinhos também reagiriam, temendo um precedente perigoso para a estabilidade geopolítica”, afirma.
“Socialmente, a população do país-alvo dificilmente aceitaria a venda. Mesmo que um governo tentasse justificar a decisão por dificuldades econômicas, o descontentamento popular poderia levar a protestos, revoltas ou mesmo uma guerra civil. Além disso, questões como nacionalidade, direitos civis e governança sob um novo regime criariam insegurança jurídica e política”, ressalta o especialista.
Embora alguns bilionários tenham manifestado interesse em criar territórios autônomos, comprar um país não é apenas uma questão de dinheiro. “Soberania envolve mais do que posse territorial. Requer reconhecimento político, estrutura governamental e relações diplomáticas com outros Estados”, explica Ortiz.