ONU diz que Justiça da Venezuela tem papel em repressão no país
Segundo relatório, Judiciário seria conivente com torturas cometidas contra opositores do governo de Nícolas Maduro
Internacional|Do R7
Um relatório da ONU publicado nesta quinta-feira (16) indica que os juízes e promotores da Venezuela desempenharam um "papel muito importante" em graves violações dos direitos humanos contra opositores do governo de Nicolás Maduro. O documento ainda descreve uma "profunda erosão" da independência judicial no país.
Em seu segundo relatório, a Missão Internacional Independente da ONU de Determinação dos Fatos sobre a República Bolivariana de Venezuela detalha "como as deficiências do sistema de justiça caminham lado a lado com um padrão de graves violações dos direitos humanos e crimes de direito internacional no contexto de uma política de Estado para silenciar, desencorajar e sufocar a oposição ao governo desde 2014".
"Em meio a uma profunda crise dos direitos humanos da Venezuela, a independência do Poder Judiciário foi profundamente abalada, o que deixou em perigo sua função de fazer justiça e salvaguardar os direitos individuais", disse Marta Valiñas, presidente da missão, citada em um comunicado.
Os especialistas, disse Valiñas à imprensa em Genebra, têm "bases razoáveis para acreditarem que, em vez de fornecer proteção às vítimas [...], o sistema Judiciário venezuelano teve um papel significativo na repressão estatal aos oponentes ao governo".
A missão foi criada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2019 para investigar as supostas violações dos direitos humanos contra opositores pelas quais o governo de Maduro é acusado.
O relatório estabelece que atores do Executivo venezuelano, incluindo o próprio Maduro, exerceram uma importante influência no sistema Judiciário do país.
"Segundo a nossa última investigação há motivos razoáveis para acreditar que, em função de uma pressão política que foi se intensificando, os juízes, as juízas e promotores e promotoras desempenharam, por meio de suas ações e omissões, um papel importante em graves violações dos direitos humanos e crimes cometidos por diversos atores do Estado na Venezuela", completou Valiñas.
A missão informou que fez "177 entrevistas, muitas delas com atores do sistema de justiça venezuelanos".
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Também fez uma "ampla análise de milhares de páginas de processos judiciais e outros documentos oficiais, assim como de 183 detenções de opositoras e opositores, reais ou presumidos pelo governo", entre 2014 e agosto de 2021, e documentou "as irregularidades que afetam todas as etapas do processo penal".
Os juízes e juízas "ordenaram a prisão preventiva como uma medida de rotina e não excepcional, prosseguiram com a detenção e as acusações penais baseadas em provas que não indicavam atos criminosos nem demonstraram o envolvimento da pessoa, e "deram a aparência de legalidade às detenções ilegais com a emissão de mandados de prisão com caráter retroativo".
Por outro lado, promotores "apresentaram evidências contaminadas por tortura, que por sua vez foram admitidas por juízes e juízas como prova".
"Em alguns casos examinados, os juízes e as juízas também não protegeram as vítimas de tortura ao ordenar que retornassem aos locais de detenção onde supostamente havia acontecido a tortura".
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O membro da Missão, Francisco Cox, disse que a "esmagadora maioria" das violações dos direitos dos opositores que foram documentadas "não gerou investigação, acusação ou julgamento de quem supostamente as cometeu".
Entre os casos que a missão revisou estão os que foram documentados em 2020 que "envolvem forças de inteligência do Estado que submeteram detidos a desaparecimentos forçados de curta duração, tortura, incluindo violência sexual, e execuções extrajudiciais".
Neste sentido, o relatório destaca o caso do opositor Fernando Albán, "que morreu depois de cair do 10º andar quando estava detido na sede do Sebin (Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional) em 2015".
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Também são mencionados os casos de Rafael Acosta Arévalo, um oficial militar que "desmaiou e morreu em uma sala de audiência de Caracas com sinais evidentes de que havia sido torturado em 2018", e Juan Pablo Pernalete, um estudante que "morreu depois que uma bomba de gás lacrimogêneo atingiu seu peito a curta distância durante um protesto em Caracas em 2017".
A Venezuela, governada por Maduro desde 2013, vive uma crise social e econômica que, segundo a atualização mais recente da ONU, forçou nos últimos anos a saída do país de 6 milhões de pessoas.
Com a mediação da Noruega, o governo de Maduro e a oposição liderada por Juan Guaidó, reconhecido como presidente encarregado por 50 países, iniciaram em agosto um processo de negociação política no México para tentar retirar a Venezuela da crise.