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Por que a África tem os líderes que estão há mais tempo no poder no mundo?

Pelo menos dez países do continente são governados pelos mesmos líderes há mais de uma década

Internacional|Heytor Campezzi, do R7

Há 45 anos à frente da Guiné Equatorial, Teodoro Msabogo é o chefe de Estado mais longevo do mundo Divulgação/Governo da Guiné Equatorial

Sob o comando de líderes que desafiam o tempo e a democracia, parte da África vive uma realidade marcante. Pelo menos dez países do continente são governados pelos mesmos chefes de Estado há mais de uma década.

A Guiné Equatorial é o maior exemplo. É presidida por Teodoro Mbasogo há 45 anos, em um regime que é considerado por organizações de direitos humanos como uma das mais brutais ditaduras africanas.

Na esteira do país, estão Camarões, governado por Paul Biya há 42 anos, e Uganda, da qual Yoweri Kaguta Museveni é presidente desde 1986. Também entram na lista Eritreia, República do Congo, Ruanda, Costa do Marfim, Djibouti, Egito e Togo. (Leia mais abaixo.)

Para essas nações, mudanças no topo do governo ocorrem com pouca ou quase nenhuma frequência. Uma tendência que evidencia não apenas a concentração de poder, mas também os desafios sociopolíticos impostos ao continente. É o que diz Daniel Carvalho, coordenador de Relações Internacionais da Universidade Vila Velha (UVV) e pesquisador da África há mais de 20 anos.


Autoritarismo

Segundo Daniel, há duas razões para explicar como os chefes de Estado desses países se mantêm há tanto tempo em exercício. A primeira delas é a natureza autocrática dos governos. “Embora alguns sejam formalmente democráticos, na prática não dá para se falar em democracia, porque as condições de competição e participação políticas são muito baixas”, diz.

Afwerki discursa no 25º Dia da Independência da Eritreia, que nunca realizou eleições Divulgação/Ministério da Informação da Eritreia

Com exceção da Eritreia, que nunca realizou eleições, e da República do Congo, todos os países da lista têm pleitos multipartidários. “Mas são fachada”, segundo o pesquisador.


Na 51ª edição do relatório “Liberdade no Mundo”, divulgada em 2024, as dez nações foram classificadas como “não livres” ou “parcialmente livres”. O levantamento é publicado anualmente pela Freedom House, organização norte-americana que avalia o acesso das pessoas a direitos políticos e liberdades civis em 210 países e territórios ao redor do mundo. O relatório ainda categoriza as eleições presidenciais dessas nações como pouco ou nada “justas e livres”.

“Dos 54 países da África, 40 chegaram a criar constitucionalmente limite de mandato. A questão é que, em alguns casos, isso tem sido revertido. E aí vêm as fraudes: cria-se uma autoridade eleitoral, mas que o governo controla fortemente”, explica Daniel.


Raízes na independência

Outra razão para a existência de governos autoritários no continente é a instabilidade política que existiu após a independência nesses países. “O colonialismo contribuiu para isso. Desde a imposição de fronteiras artificiais à implantação de administrações não locais”, explica Camila Andrade, pesquisadora do Instituto para o Pensamento e Conversação Pan-Africanos (IPATC), da Universidade de Joanesburgo.

Disputas pelo poder na época da independência geraram guerras civis que facilitaram o surgimento das autocracias. Soma-se a isso, explica Daniel, o fato de que a maioria dos países africanos se tornou independente entre as décadas de 1960 e 70, um “momento de baixa da democracia no mundo, em que o modelo de partido único era sedutor”.

“É uma continuidade. Um grupo político assume o poder para garantir a independência do país e, depois, lança mão do autoritarismo para manter a governabilidade”, diz o pesquisador. É o que ocorre com a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido que domina a presidência desde 1975, quando os moçambicanos se tornaram independentes de Portugal.

Filipe Nyusi, presidente de Moçambique, pertence a partido que governa o país há quase 50 anos Divulgação/Governo de Moçambique

Os pesquisadores ainda apontam como causa desse fenômeno a interferência de potências estrangeiras. Muitos governos da África tiveram apoio da França, por exemplo, para se manter no poder ao longo dos anos, especialmente aqueles que foram colonizados pelo país europeu. “Por mais que os países africanos sejam independentes e reconhecidos pela comunidade internacional, os laços coloniais foram transformados em um tipo de vínculo que ainda privilegia as antigas colônias”, diz Camila.

Avanço democrático

Apesar dos desafios, dizem os especialistas, os últimos dez anos foram marcados por avanços democráticos no continente. “Dos anos 60 aos 90, chegamos a ter 25 presidentes que ficaram por mais de 20 anos no poder. Esse fenômeno diminuiu a partir de uma tendência importante em termos de democratização na África Subsaariana”, explica Daniel.

No último relatório divulgado pela Freedom House, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Maurícias foram os países africanos mais bem avaliados no que diz respeito à garantia de direitos políticos e liberdades civis, como acesso à voto, liberdade de expressão e igualdade perante a lei.

Países africanos com presidentes há mais de uma década em exercício

Guiné Equatorial

Teodoro Obiang Nguema Mbasogo governa o país desde agosto de 1979 (há 45 anos). Chegou ao poder após liderar um golpe de Estado que depôs o próprio tio, Francisco Macías Nguema. É o presidente em exercício há mais tempo no mundo. Foi reeleito com quase 95% dos votos no último pleito, em 2022, para um sexto mandato de sete anos.

Camarões

Paul Bya governa Camarões há 42 anos Divulgação/Governo de Camarões

Paul Biya governa desde novembro de 1982 (há 42 anos). Com 91 anos, é o chefe de Estado mais velho do mundo. É também apenas o segundo presidente do país, que se tornou independente em 1960. Foi reeleito com 71% dos votos no último pleito, em 2018, para um sétimo mandato de sete anos.

Uganda

Yoweri Kaguta Museveni é presidente da Uganda desde 1986 Divulgação/Yoweri Museveni

Yoweri Kaguta Museveni governa desde janeiro de 1986 (há 38 anos). Para concorrer à última eleição presidencial do país, em 2021, alterou a Constituição, que limitava a idade dos candidatos a até 75 anos. Foi reeleito com quase 59% dos votos para um sexto mandato de cinco anos.

Eritreia

Isaias Afewerki governa desde abril de 1993 (há 31 anos). É o primeiro e único presidente do pequeno país, que se tornou independente da Etiópia naquele ano e, desde então, não realizou eleições presidenciais.

República do Congo

Denis Nguesso acumula 40 anos como presidente da República do Congo Divulgação/Governo da República do Congo

Denis Sassou Nguesso governa desde outubro de 1997 (há 27 anos). Também foi presidente do país no passado, entre 1979 e 1992. Ao todo, tem 40 anos de presidência. Foi reeleito com mais de 88% dos votos no último pleito, em 2021, para um quarto mandato de cinco anos.

Djibouti

Ismaïl Guelleh é apenas o segundo presidente de Djibouti, independente desde 1977 Divulgação/Governo de Djibouti

Ismaïl Omar Guelleh governa desde maio de 1999 (há 25 anos). É apenas o segundo chefe de Estado do país, que se tornou independente em 1977 e, durante os primeiros 21 anos, foi presidido por Hassan Gouled Aptidon. Foi reeleito com 97% dos votos no último pleito, em 2021, para um quinto mandato de cinco anos.

Ruanda

Paul Kagame está há 24 anos à frente de Ruanda Divulgação/Governo de Ruanda

Paul Kagame governa desde abril de 2000 (há 24 anos). Assumiu o cargo após a morte de Juvenal Habyarimana, cujo assassinato desencadeou o genocídio de 1994. Foi reeleito com 99% dos votos no último pleito, em 2024, para um quarto mandato de cinco anos.

Togo

Faure Gnassingbé discursa no 22º Fórum Econômico Internacional sobre a África, em 2023 Divulgação/Faure Gnassingbé

Faure Gnassingbé governa desde maio de 2005 (há 19 anos). Assumiu a presidência após a morte do pai, Gnassingbé Eyadéma, que liderou o país por 38 anos. Foi reeleito com 72% dos votos no último pleito, em 2020, para um quarto mandato. No ano passado, promulgou uma nova Constituição que altera o sistema presidencialista para uma república parlamentar e põe fim ao limite de mandatos.

Costa do Marfim

Alassane Ouattara cumpre terceiro mandato na presidência da Costa do Marfim Divulgação/Governo da Costa do Marfim

Alassane Ouattara governa desde dezembro de 2010 (há 14 anos). Foi reeleito com mais de 94% dos votos no último pleito, em 2020, para um terceiro mandato de cinco anos.

Egito

Abdel Fattah al-Sisi se reúne com Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 2024 Divulgação/Governo do Egito

Abdel Fattah al-Sisi governa desde junho de 2014 (há 10 anos). Foi reeleito com quase 90% dos votos no último pleito, em 2023, para um terceiro mandato de seis anos. A reeleição só foi possível porque o líder fez reformas na Constituição para ampliar o limite de mandatos de dois para três.

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