Purim e o renascimento do antissemitismo: uma lição de coragem e solidariedade
Há uma linha tênue entre a crítica legítima e o discurso de ódio; quem ignora isso acaba sendo cúmplice da perseguição
Internacional|Cláudio Lottenberg, especial para o R7
A festa de Purim, celebrada anualmente no calendário judaico, marca a vitória do povo judeu sobre um plano genocida na antiga Pérsia. A trama, narrada no Livro de Ester, revela como Hamã, um ministro do rei Assuero, arquitetou o extermínio dos judeus apenas por serem judeus.
O desfecho da história, onde a coragem, a fé de Ester e a resistência de Mordechai mudam o curso dos acontecimentos, é um símbolo poderoso da luta contra o ódio e a perseguição. Purim não é apenas uma festa de alegria, mas um lembrete atemporal de que o antissemitismo, mesmo quando travestido de razões políticas ou sociais, sempre carrega consigo a marca da intolerância.
Em 7 de outubro, o brutal ataque do Hamas contra civis israelenses reacendeu uma onda de violência que ultrapassou as fronteiras do conflito do Oriente Médio. O impacto desse episódio se espalhou pelo mundo, mas o que se viu, em muitos casos, foi uma inversão perversa: em vez da natural solidariedade para com as vítimas, testemunhou-se um preocupante renascimento do antissemitismo.
A narrativa que deveria condenar a barbárie passou a justificar ou minimizar o sofrimento de judeus, como se a dor desse povo fosse menos digna de empatia.
O mais alarmante é que esse antissemitismo não se manifesta apenas nas sombras, mas de maneira explícita e muitas vezes institucionalizada. Universidades, historicamente espaços de pensamento crítico e defesa dos direitos humanos, tornaram-se palco para discursos que, sob o véu da causa palestina, banalizam o Holocausto e deslegitimam a existência do povo judeu.
Não se trata mais apenas de críticas ao governo de Israel, mas da negação do direito do povo judeu de viver sem medo. O silêncio de muitos governos e instituições diante dessas manifestações é ensurdecedor — e, como nos ensina a história, o silêncio nunca é neutro.
Há uma linha tênue entre a crítica legítima e o discurso de ódio. Quem não consegue perceber essa diferença ou escolhe ignorá-la acaba sendo cúmplice da perseguição. A mesma lógica que movia Hamã – a rejeição ao outro por aquilo que ele é, e não pelo que ele faz – se repete nos dias de hoje.
Aqueles que banalizam o Holocausto ou atribuem ao povo judeu a responsabilidade coletiva pelo conflito no Oriente Médio reproduzem, consciente ou inconscientemente, a linguagem da intolerância.
Não espero que todos se envolvam diretamente no debate geopolítico ou tomem partido sobre os dilemas complexos do conflito israelense-palestino. O que espero, como judeu e como ser humano, é algo mais simples: que se reconheça o direito dos judeus de viverem sem medo.
Que aqueles que se levantam contra o racismo, a xenofobia e a islamofobia tenham a mesma coragem para condenar o antissemitismo. Que a memória do Holocausto não seja instrumentalizada ou relativizada para atender a agendas políticas.
A história de Purim nos ensina que a inação diante da injustiça é, por si só, uma escolha. Em tempos como os que vivemos, o silêncio não é apenas omissão — é uma forma de consentimento.
Que este Purim inspire não apenas a celebração, mas também a coragem de romper o silêncio. Mesmo para aqueles que não se sentem diretamente envolvidos, há sempre um espaço para a solidariedade. Se há algo que a história já provou, é que ninguém perde por se posicionar contra o ódio.
*Cláudio Lottenberg é médico oftalmologista e presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil)