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Os sinais de ‘greenwashing’ nos preparativos urbanos de Belém para sediar a COP 30

Com recursos fartos para investir em infraestrutura, Belém optou por obras que vendem a cidade a quem por pagar por seus serviços,...

The Conversation

The Conversation|Do R7

“Região Norte / Ferida aberta pelo progresso / Sugada pelos sulistas / E amputada pela consciência nacional”

O verso acima trata-se de um pequeno fragmento da música “Belém, Pará, Brasil”, da extinta banda Mosaico de Ravena, que fez muito sucesso em Belém, na década de 80.

Quando convidado para escrever sobre a COP 30 em Belém, o meu ethos amazônida, fruto do nascimento e vivência na região, sentiu-se compelido a expor com maior alcance sobre quem somos e o que desejamos para essa cidade-metrópole, com cultura e culinária riquíssimas, porém pródiga em problemas urbanos de diferentes espécies.

Há quase dois anos, o plenário da COP 28 decidiu que em 2025 a cidade-sede da Conferência do Clima seria Belém. A capital do Pará enfrenta problemas que geram e agravam a latente injustiça socioespacial e climática da cidade: na coleta e tratamento de resíduos, saneamento básico, mobilidade, segregação urbana, baixo índice de arborização, entre outros.


Com seus 1.303.403 habitantes, Belém exibe desigualdade em cada esquina, e mais da metade da população reside em favelas ou comunidades urbanas, de acordo com os dados do Censo. A metrópole, que tem o título de “cidade das mangueiras”, tem um baixíssimo índice de arborização e uma temperatura que aumentou quase 2 graus centígrados nos últimos 50 anos. E isso em plena Floresta Amazônica.

Obras para quem?


Desde o primeiro momento do anúncio, criou-se uma espécie de aliança oficiosa entre os gestores das três esferas da República (presidente, governador e prefeito) em favor da realização da COP 30 em Belém. Isso tem gerado uma transferência volumosa de recursos públicos para custeio de obras de infraestrutura na cidade.

A definição sobre quais seriam estas obras, no entanto, em nenhum momento foi levada a algum fórum sério de deliberação democrática. Essa prática que agride fortemente as diretrizes da política urbana contidas no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que determina que o planejamento e a gestão urbana devem ser fruto de uma decisão democrática e participativa.


Dentre os agentes políticos envolvidos, foi o governador Helder Barbalho quem ganhou maior projeção desde a largada do processo de organização do evento, seja pela sua retórica (desconectada da realidade das ações estatais), seja pelos recursos (próprios e transferidos) que o estado do Pará vem alocando nestas polêmicas obras de infraestrutura.

Além de terem sido decididas nos gabinetes refrigerados dos tecnocratas estatais, essas obras visam, em grande medida, agradar e atrair os milhares de turistas que já estão circulando pela cidade neste momento. Trata-se de um autêntico exemplo de City Marketing, que trata a cidade como um bem a ser vendido àqueles que puderem pagar para usufruir de seus serviços, em detrimento da execução de obras e serviços que possam diminuir a desigualdade socioespacial.

Lavagem verde

As obras de infraestrutura realizadas pelo governo do estado revelam fortemente um distanciamento entre o discurso “ambientalista” do seu gestor e as ações estatais, caracterizando nítida “lavagem verde” (no termo em inglês, “greenwashing”), entendida como uma estratégia discursiva e de marketing, que tenta vender a imagem de um produto, serviço (ou cidade) como melhor para o meio ambiente do que realmente é.

O estado do Pará afirma estar agindo de modo ambientalmente sustentável e em harmonia com os pressupostos da agenda climática. Na prática, o conteúdo discursivo do poder estatal não se sustenta se o compararmos às ações concretas desenvolvidas no plano da política urbana.

Na cidade que abrigará a “COP das Florestas”, conforme discurso do governador em rede social, existe uma nítida discrepância entre a retórica ambiental e as reais práticas governamentais, nas quais visualiza-se claramente a danosa “lavagem verde”.

Duas obras viárias — a duplicação da Rua da Marinha e a construção da Avenida Liberdade — exemplificam bem essa prática: segundo o discurso oficial, elas objetivam diminuir os engarrafamentos em Belém e na sua região metropolitana, embora, na realidade, estimulem ainda mais a utilização do veículo privado (lógica de planejamento urbano que está na contramão daquilo que é praticada nas cidades mais desenvolvidas). Além disso, foram pensadas a partir de interesses empresariais ligados ao capital imobiliário.

A realização dessas obras é uma estratégia extremamente contraditória com a agenda global das mudanças do clima, porque resultarão na remoção de milhares de árvores, perda de biodiversidade e morte de centenas de animais silvestres que habitam ao longo do traçado das duas vias. Isso resultará, no futuro, no aumento da temperatura na região metropolitana e no planeta, devido à forte supressão da cobertura vegetal necessária à realização dos projetos rodoviários.

Na construção da futura Avenida Liberdade, além da expressiva supressão vegetal, seu traçado “rasga” uma Área de Proteção Ambiental (APA), pondo em sério risco o manancial de água que serve à comunidade quilombola Abacatal. Logo, a cidade da “COP das Florestas” apenas ratifica a “greenwashing” aplicada à política urbana em Belém.

Outro exemplo dessa lavagem verde da cidade é a construção dos parques lineares Nova Doca e da Avenida Tamandaré. Os locais dessas intervenções urbanísticas deixam claro que elas estão desconectadas de qualquer preocupação com a diminuição de desigualdades intraurbanas e bem distantes das diretrizes da agenda global do clima.

Os dois parques lineares estão localizados em bairros com infraestrutura consolidada e, portanto, com valor do solo urbano extremamente elevado e sujeito a forte especulação. O parque da Doca está localizado no bairro mais valorizado da cidade (Umarizal) e ambos se encontram em espaços da cidade habitados por famílias das classes A e B, conforme classificação do IBGE. Os novos parques são, portanto, mais uma ação concreta de “urban marketing” do que uma busca pela solução dos problemas da cidade.

Paradoxalmente, para os bairros e distritos majoritariamente favelizados (habitados por famílias vulnerabilizadas), nada ou muito pouco restou de ações urbanísticas para a COP 30. Mesmo quando são realizadas, as obras nessas regiões são intervenções orientadas pela lógica ortodoxa da infraestrutura cinza, desprezando-se as novas soluções urbanísticas baseadas na natureza que já são implementadas em muitas cidades no mundo. Ou seja, são obras que em nada contribuirão com a mitigação e a adaptação climática.

Belém, portanto, está sendo “vendida” para o restante do mundo para servir de palco para um evento nos qual líderes mundiais, provavelmente, não chegarão a um consenso sobre quais medidas urgentes devem ser adotadas para que sejam reduzidas as emissões de gases de efeito estufa, nem tampouco decidirão como se dará o financiamento climático aos países do sul global, que são os mais impactados pelas consequências das mudanças do clima no planeta.

Bruno Soeiro Vieira não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

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