Sentada na sala do apartamento da família, Flávia Bicalho, mãe da engenheira química que está há cinco meses em coma, depois de passar por um procedimento anestésico para “bloqueio” de uma dor crônica na coluna, lamenta o estado de saúde da filha. Letícia de Souza Patrus Pena, de 31 anos, sofreu uma lesão cerebral após a aplicação do medicamento ropivacaína na casa de uma médica, amiga de infância dela, em Belo Horizonte.“Ela tem uma lesão cerebral super extensa. Durante o tempo em que a Letícia estava em coma induzido, eu tinha esperança dela acordar, falar. Eu nunca mais ouvi a voz da Letícia”, detalhou a mãe.Segundo a família, a médica Natalia Peixoto de Azevedo Kalil tinha realizado o mesmo procedimento em Letícia no mês de agosto de 2024. As duas agendaram outra aplicação em 20 de setembro do mesmo ano, quando a engenheira sofreu parada cardiorrespiratória e graves lesões cerebrais.Os familiares questionam a realização do procedimento na casa da médica, que é proibida pela SBA (Sociedade Brasileira de Anestesiologia), e como foi feito o socorro da engenheira. “O erro começou com a aplicação, que não poderia ter sido feita em casa. Uma coisa é a Letícia parar [parada cardiorrespiratória] dentro de uma ambulância, com médico, com espaço, aparelho. Natália diz que ela parou dentro do carro, eu não sei que horas ela parou. Mas, o meio adequado é a ambulância”.Segundo a bula do medicamento aplicado em Letícia e as normas da SBA, o procedimento deveria acontecer em unidades com equipamento para reanimação. Flávia conta que, no início, não sabia sobre a proibição da realização do procedimento fora do ambiente hospitalar.“Desde o dia que fiquei sabendo da verdade, eu mandei uma mensagem para ela [Natalia], falando de tudo, questionando. No dia eu estava arrasada e falava, ‘Natalia, como você teve coragem de fazer isso com a minha única filha? Como você conseguiu acabar com a vida de uma amiga sua? Interromper, assim, no auge, acabar com a minha vida’. Tentamos conversar com ela, ela não respondeu essa mensagem mais e nunca mais procurou”.Outro ponto levantado pela mãe de Letícia é a falta de assistência da anestesista após a intercorrência. Segundo Flávia, os custos com o tratamento chegam a R$ 500 mil. “Tentei entrar em contato com a Natália, para ela ajudar nos custos. Tentei mostrar a planilha, porque o gasto é alto. A gente pagou o avião de ida e volta para São Paulo, o aeromédico, que tem que ter maca, médico, enfermeiro. A gente pagou aluguel caríssimo em São Paulo. Assim, nossas despesas são altíssimas”, contou.Flávia diz que Natália nunca procurou a família para oferecer assistência ou ter notícias do estado de saúde de Letícia, que está internada em um hospital, desde então. A família fez uma queixa-crime no MPMG (Ministério Público de Minas Gerais), na comarca de Nova Lima. A instituição abriu um procedimento para apurar o caso.O CRM-MG (Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais) informou que os procedimentos abertos correm sob sigilo, conforme previsto no Código de Processo Ético-Profissional. A reportagem procurou a profissional de saúde, mas não teve retorno.