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O que aconteceria se o Brasil parasse de negociar com os EUA?

Num cenário extremo e hipotético, a crise com tarifa de 50% ampliaria os danos, com perdas estimadas de 1% a 2% no PIB (Produto Interno Bruto)

Conta em Dia|Ana VinhasOpens in new window

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Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil SÉRGIO CASTRO/ESTADÃO CONTEÚDO - 06.02.2015

O anúncio do presidente Donald Trump sobre nova tarifa de 50% para os produtos brasileiros provocou um clima de incerteza na economia brasileira. Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, responsáveis por cerca de 12% do total que é vendido ao mundo.

No ano passado, as exportações brasileiras atingiram US$ 337 bilhões, sendo US$ 40,33 bilhões para os norte-americanos. A China, o principal parceiro brasileiro, por exemplo, ficou com 28% das exportações no mesmo período.


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Segundo a CNI (Confederação Nacional da Indústria), em 2024, a cada R$ 1 bilhão exportado ao mercado americano foram criados 24,3 mil empregos, R$ 531,8 milhões em massa salarial e R$ 3,2 bilhões em produção no Brasil.

Caso não haja acordo ou recuo, as novas taxas devem entrar em vigor a partir de 1º de agosto, e o Brasil terá a alíquota mais alta entre os países notificados pelo presidente dos EUA neste mês.


Tarifas anunciadas por Trump em julho Luce Costa/Arte R7

Em uma hipótese remota, o que aconteceria se Brasil parasse de negociar com os Estados Unidos?


“Embora improvável, esse cenário extremo ampliaria os danos, com perdas estimadas de 1% a 2% no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro no curto prazo”, afirma Fabricio Tonegutti, diretor-executivo da Mix Fiscal Inteligência Tributária.

A medida anunciada por Trump, segundo ele, justificada como retaliação ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e a um suposto déficit comercial, afeta diretamente setores-chave da economia brasileira, como café, soja, aço e carnes.


“Apesar de os dados oficiais mostrarem que os EUA têm um superávit comercial com o Brasil de cerca de US$ 7,4 bilhões em bens no ano anterior, essa decisão pode reduzir as exportações brasileiras para os EUA em até 20% a 30%, impactando um volume anual de US$ 30 a US$ 40 bilhões”, acrescenta.

Para Tonegutti, se o Brasil cortasse todos os laços comerciais com os EUA – violando acordos da OMC (Organização Mundial do Comércio) e exigindo uma ruptura diplomática –, o impacto seria um choque imediato de oferta e demanda.

“Isso poderia elevar os preços de café nos EUA em 5-10% devido à escassez, enquanto o Brasil perderia de US$ 5 bilhões a RS$ 10 bilhões em receitas anuais. No entanto, especialistas como o Goldman Sachs estimam que o golpe no PIB seria de até 0,4-1%, com maior volatilidade no câmbio e desequilíbrios no balanço de pagamentos”, avalia. Veja análise do especialista abaixo.

Desafios

Em um rompimento total, Tonegutti destaca que pequenas e médias empresas – como exportadoras de calçados ou frutas – arriscam falências ou demissões em massa, com estimativas de 100 mil a 200 mil empregos perdidos no agronegócio.

“Por outro lado, tarifas recíprocas brasileiras poderiam criar oportunidades internas, incentivando produção local, embora com margens de lucro menores (redução de 5-10%) devido a insumos mais caros. Empresas maiores, como a Embraer, poderiam negociar exceções ou parcerias, mas o impacto inicial seria significativo.”

(Fabricio Tonegutti)

O governo Lula veria uma redução na arrecadação de impostos, como royalties e IPI, em US$ 2 bilhões a US$ 3 bilhões anuais, além de um déficit maior na balança comercial (que teve superávit de US$ 80 bilhões em 2024), prevê o especialista. “Isso forçaria cortes em gastos ou subsídios para setores afetados.”

Se o comércio parasse, o real poderia depreciar em 5% a 10%, elevando a dívida externa e exigindo juros mais altos do Banco Central para controlar a inflação. Positivamente, isso aceleraria alianças com o Brics, reduzindo a dependência do dólar e investindo em infraestrutura via programas como o PAC. O risco de recessão seria real, subtraindo 0,4% a 1% do PIB.

Efeitos no bolso

Os brasileiros sentiriam os efeitos de forma indireta, com desigualdades regionais – o Sul e o Centro-Oeste, dependentes do agronegócio, seriam os mais atingidos. A perda de 100-300 mil empregos poderia elevar o desemprego em 0,5-1 ponto percentual, reduzindo a renda média em 2-5% nessas áreas.

Itens importados dos EUA, como eletrônicos e remédios, ficariam mais caros, adicionando 0,5-1 ponto percentual à inflação e afetando o custo de vida. Por outro lado, produtos locais como café poderiam baratear com a sobre oferta interna. O governo poderia expandir programas sociais, como o Bolsa Família, para amortecer o impacto, mas com pressão fiscal.

Em um cenário de ruptura total, esses efeitos se intensificariam, mas a diversificação para novos mercados poderia criar empregos a longo prazo, beneficiando a população com um crescimento mais sustentável.

Perspectivas

Embora a cessação total do comércio seja improvável – devido aos custos mútuos e à pressão internacional –, o foco deve estar em negociações diplomáticas e fortalecimento de parcerias com o Brics.

“O Brasil tem ferramentas para mitigar os danos, emergindo mais resiliente, mas o custo inicial para empresas e famílias será inevitável. Ficar de olho nas respostas do governo e nas negociações na OMC será crucial nos próximos meses”, conclui Tonegutti.

Maior risco

Julio Amorim, CEO da Great Group, afirma que o impacto imediato seria um abalo na balança comercial e na confiança externa, mas o maior risco não estaria na exportação ou no câmbio — estaria no colapso silencioso do planejamento estratégico das empresas que dependem do mercado americano para validar sua competitividade global.

“O país perderia um ‘termômetro’ crítico de inovação e eficiência, deixando de ser pressionado a evoluir em qualidade e tecnologia. O real se ajustaria, o agro se reinventaria, mas as cadeias produtivas viveriam uma crise de identidade”, avalia Amorim, que também é especialista em gestão empresarial e governança corporativa.

“A grande tragédia não seria econômica, seria mental: empresas e gestores passariam a planejar olhando apenas para dentro, virariam reféns de um mercado local limitado, matando a mentalidade exportadora e a ousadia. No fundo, parar de negociar não seria apenas fechar a porta, seria desligar o farol que guia o futuro competitivo do Brasil.”

(Julio Amorim)

Balança comercial

Para Leonardo Neves, analista da Constância Investimentos, do ponto de vista macroeconômico, o principal impacto é na balança comercial.

“Mesmo que parte das exportações consiga ser redirecionada para outros mercados ou fique no doméstico, dificilmente tudo será compensado. Tarifas nesse nível inviabilizam muitos negócios e tendem a gerar uma piora estrutural nas contas externas”, afirma.

Além disso, ele destaca que o Brasil virou, neste momento, o país mais tarifado pelos EUA.

“Isso assusta investidores e ajuda a explicar a desvalorização recente do real. O problema não é só comercial, mas também de percepção. O país ficou isolado em um movimento que não atinge outros parceiros.”

(Leonardo Neves)

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Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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