A Constituição lá de casa
O STF decidiu, nesta semana, que os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, não podem concorrer à reeleição
Eduardo Costa|Eduardo Costa
Deus me conferiu a honra de estar em Brasília quando da instalação, em outubro de 1986, e, dois anos depois, na conclusão da última Assembleia Nacional Constituinte, com a promulgação da nova Carta Magna do país. Assim é chamada porque a Constituição é o conjunto de normas jurídicas que ocupa o topo da hierarquia do direito de um Estado, e que pode ou não ser codificado como um documento escrito. Tipicamente, a constituição enumera e limita os poderes e funções do Estado, e, assim, forma, ou seja, constitui a entidade que é esse Estado.
Vejam, a nossa Constituição tem 32 anos. A dos Estados Unidos mais de 220. Ah, e lá, neste tempo todo, só aprovaram 27 emendas. Ou seja, eles acreditam mesmo nas chamadas cláusulas pétreas (imutáveis) e sabem que só vai ter respeito mútuo, de interesses individuais e coletivos, se respeitar. Aqui, com nossa democracia que ainda engatinha, aquele mundo de espertalhões em Brasília passa dia e noite imaginando como burlar. A tentativa mais recente foi a de que os presidentes da Câmara e do Senado poderiam ser reeleitos. E olha que cinco dos ministros da nossa mais alta corte concordaram. Por obra de Deus seis dos onze fizeram respeitar a Carta.
Um país, assim como qualquer instituição, deveria repetir as práticas familiares.
Para criar sete filhos e torna-los pessoas decentes, a coisa funcionava mais ou menos assim lá em casa. Mamãe era o Congresso, elaborava as leis, fazia cumprir, adaptava se necessário e, quando se sentia acuada, avisava que o Supremo iria decidir. O STF era meu pai que saía muito cedo, voltava muito tarde, trabalhava pesado, com caminhões que estragavam mais que o normal e, quando chegava, cansado, decidia. Sempre com amor aos filhos, mas sem a paciência desses engravatados que vivem só de conversa e tentativa de levar vantagem.
Assim, quando mamãe falava com meu pai que fulano estava extrapolando, meu pai iniciava o interrogatório com algo do tipo: “Vai ficar caçando indaca? Irritando sua mãe? Tirando a minha paz?” Era o recado de que a negociação estava encerrada. Na reincidência, surra! Papai era bom sujeito, não espancava, não torturava, mas... Não amaciava. E o melhor de tudo era quando havia uma grande discussão sobre os limites da lei e da ordem. Por exemplo:
-Leontino, vai ter uma festinha aqui na vizinha e nossa moça queria ir, ponderava mamãe.
Papai respondia: “Não”.
Aí, a irmã ou um de nós, irmãos, tentava ajudar com argumentação aparentemente irretocável: “Pai, mas todo mundo vai...”
E ele, já indo para o banho de bacia ou para dormir um pouco, encerrava a sessão solene com outra pergunta: “Quem disse que ela é todo mundo?”
Você pode achar que meu pai não era politicamente correto, ou abusivo com os filhos, mas, três décadas depois de sua partida, continua nosso Norte, protetor da nossa Constituição.
E revogam-se as disposições em contrário.
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