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Eduardo Costa - Blogs

A morte sem despedida

Dizem os bem-humorados que as duas coisas certas na vida são o pagamento de impostos e a morte; ainda assim, muitos insistem em negar o fim da vida

Eduardo Costa|Eduardo Costa

Velórios ficam vazios devido à covid-19
Velórios ficam vazios devido à covid-19

Dizem os bem-humorados que as duas coisas certas na vida são o pagamento de impostos e a morte. Ainda assim, muitos de nós insistem em negar o fim da vida e, talvez por isso, as cerimônias de despedidas são cada vez mais rápidas. A pressa do mundo moderno também pesa. Contudo, não há dúvidas de que o processo de velar e cremar ou sepultar é precioso momento em que as pessoas administram o luto, sentem vibrar as energias de parentes e amigos e demonstram seu afeto ao falecido.

Sou de um tempo em que o morto ficava na cama, com velas em volta, o choro, os abraços, o café, o biscoito, eventualmente a cachaça, e, lá fora, no terreiro, o carpinteiro Zé Campo preparava o caixão; enquanto isso, ao lado da igreja, abria-se a cova. Depois de pelo menos 20 horas, o corpo era carregado desde a moradia até o cemitério, com a comunidade fazendo reverência. Dependendo do tamanho do lugar, era um evento.

Esses rituais fúnebres são, como disse a psicóloga Elaine Gomes dos Reis Alves, doutora no estudo de questões relativas à morte e ao luto, uma despedida muito poderosa. É importante que se dê a ela o tempo necessário para que as pessoas amigas e conhecidas se manifestem, que recebam quem for, que ouçam o que tem a dizer. O luto é uma dolorida confecção de uma colcha de retalhos afetivos e cada pessoa que comparece leva à família e amigos íntimos um retalho amoroso. Alguns trazem uma passagem próxima ou distante e nos contam como ele era no trabalho, outro diz que o encontrou no dia anterior, recordam as últimas conversas, as lembranças mais divertidas e caras. Cada amigo ou conhecido entrega um pedaço da história do falecido para a família e os íntimos em um velório. Essas pessoas enlutadas vão usar isso depois. Vão se lembrar de quem veio, do que disse, da passagem que lembrou.

Trato desse assunto hoje porque sigo pesaroso em relação às famílias de Brumadinho cujos entes continuam desaparecidos. E, agora, com a pandemia, a tristeza se espalha por todo o país. Não há velório para mortos com suspeita da covid-19. No domingo, Fernando Antônio Neres Pinto faleceu aos 41 anos. A família combinou com o motorista do carro funerário que parasse um pouco, na região de Angicos, em Vespasiano, para que os mais próximos pudessem se despedir. E assim foi. Quatro pistas distantes, com o ronco dos motores no meio, braços erguidos, choro contido, os parentes disseram adeus. Melhor, gritaram.


O curioso é que a pandemia acabou com aquela pressa dos tempos modernos. O ar ficou mais puro, menos carros nas ruas, fábricas paradas,

comércio fechado, todo mundo isolado e guardado em casa. Mas, agora que temos tempo de sobra para chorar os queridos, não podemos nem chegar perto.

O jeito é amar. Na vida. Hoje. Agora.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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