Cabul é só um dos retratos
O mundo assiste, atônico, os afegãos dependurados em aviões, despencando quando o aparelho já alcança altura fatal
Eduardo Costa|Eduardo Costa
O mundo assiste, atônico, os afegãos dependurados em aviões, agarrando o trem de pouso, despencando quando o aparelho já alcança altura fatal para quedas inevitáveis.
E a gente pensa: é muito desespero!
Vem o repórter e explica que os talibãs misturam religião, ideologia, radicalismo e governo; então, oprimem, ameaçam, tornam impossível a vida de quem pensa diferente.
Entre dezenas de outros exemplos do inacreditável, salta aos olhos a situação da mulher que, lá, no regime que volta ao poder, não pode estudar, nem trabalhar, nem dirigir... E tem de andar toda coberta. Precisa falar mais?
Por tudo isso, toda comparação é perigosa com uma forma de governo tão surreal no século XXI.
Então, não quero comparar nada; só falar de desespero.
Ai, o que vive parte dos afegãos é uma forma de sofrimento que se repete, sobre várias roupagens, mundo afora.
Exemplo? O que vivem moradores em situação de rua em Belo Horizonte. Quase nunca sóbrios, sempre ameaçados, enlouquecidos pelo alcool, o crak e a indiferença, entregues à própria sorte. Você pode até achar que estou comparando o incomparável, mas, insisto, a diferença é entre o desesperado da Avenida do Contorno e o do aeroporto de Cabul é só o tamanho do tombo. E, embora menos impressionante que despencar do avião em pleno vôo, o cair - empurrado ou tresloucado - no Arrudas também mata. Neste caso, todo dia.
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