Projeto fortalece bioeconomia indígena em Rondônia e Amazonas
De sementes nativas ao Café Sarikab, projeto une tradição, sustentabilidade e geração de renda em comunidades de Rondônia e sul do Amazonas

O Projeto Regenera nasceu em 2023 da união entre a ONG Ecoporé e a The Caring Family Foundation, com um objetivo claro: restaurar a floresta e fortalecer a autonomia de comunidades indígenas em Rondônia e no sul do Amazonas.
Mais do que reflorestamento, a iniciativa promove bioeconomias locais, valoriza o protagonismo das mulheres e conecta saberes tradicionais a práticas sustentáveis modernas.
Em entrevista exclusiva à Mundo Agro, Marcelo Ferronato e Katie Beeching contam como essa parceria vem transformando territórios e futuros.”
Mundo Agro: O que é o Projeto Regenera? Quando foi implementado, onde acontece e quais são as parcerias importantes?
Marcelo Ferronato: O Projeto Regenera é uma iniciativa transformadora voltada para promover a restauração ecológica, o desenvolvimento econômico sustentável e a preservação cultural entre comunidades indígenas em Rondônia e no sul do Amazonas.
O projeto atua em territórios como Sete de Setembro, Pacaás Novas e Caititu, onde estabelecemos parcerias com organizações e comunidades indígenas para cocriar soluções regenerativas.
A Ecoporé lidera a implementação, mas o sucesso do projeto está profundamente enraizado nas parcerias com os povos indígenas desses territórios e, em especial, com a The Caring Family Foundation, cujo apoio contínuo nos permite oferecer capacitação, equipamentos e fortalecer conexões com o mercado, sempre respeitando as práticas tradicionais.
Juntos, estamos restaurando áreas degradadas, cultivando cadeias produtivas da sociobiodiversidade e, acima de tudo, apoiando a liderança indígena.
Katie Beeching: O Projeto Regenera representa um compromisso com a regeneração das florestas, das comunidades e da esperança, com forte ênfase no apoio à liderança feminina, no fortalecimento da coesão familiar e no desenvolvimento de uma bioeconomia resiliente.
Iniciado em 2023, em parceria entre The Caring Family Foundation e Ecoporé, o projeto se estende por Rondônia e sul do Amazonas, apoiando comunidades indígenas na reconquista de seu futuro econômico e ecológico.
A expertise da Ecoporé em restauração ecológica e suas relações históricas com as comunidades indígenas foram fundamentais para o sucesso do projeto.
Ao integrar a restauração florestal, o conhecimento tradicional indígena e práticas econômicas sustentáveis, o projeto promove autonomia e preservação cultural, ao mesmo tempo em que cria oportunidades concretas de geração de renda.
Um pilar central do sucesso está na participação ativa das mulheres indígenas, que lideram atividades como a coleta e produção de sementes, reforçando a dinâmica familiar e fortalecendo a resiliência comunitária.
É uma parceria baseada na confiança, que não teria êxito sem a colaboração e liderança das comunidades indígenas que moldaram, assumiram e continuam guiando sua missão.
Mundo Agro: Como a bioeconomia indígena é fortalecida em Rondônia e Amazonas? Quais iniciativas estão sendo implementadas?
Marcelo Ferronato: O Regenera fortalece as bioeconomias indígenas ao investir em práticas sustentáveis baseadas na natureza e conectá-las a mercados mais amplos.
Por exemplo, apoiamos a iniciativa Café Sarikab, produzido em sistemas agroflorestais pelo povo Paiter Suruí, assim como a coleta de sementes nativas realizada pelos povos Karitiana e Oro Nao. Essas iniciativas melhoram diretamente a renda das comunidades e promovem a biodiversidade.
Oficinas de capacitação em coleta de sementes e produção artesanal garantem o desenvolvimento de habilidades de longo prazo alinhadas ao conhecimento ecológico tradicional.
Nossa abordagem enfatiza a autonomia, permitindo que as comunidades decidam as melhores formas de integrar sua herança cultural a práticas modernas para ganhos econômicos.
Katie Beeching: Fortalecer a bioeconomia indígena começa pelo respeito à terra e às pessoas que a cuidam há gerações. Famílias em qualquer lugar do mundo – em Londres, na Amazônia ou em outros continentes – compartilham aspirações comuns: segurança, moradia, oportunidades e a possibilidade de oferecer um futuro melhor para seus filhos e para as próximas gerações.
O Projeto Regenera está no centro da construção desse futuro sustentável. Ao fomentar iniciativas como o Café Sarikab e a Rede de Sementes da Bioeconomia da Amazônia, o projeto cria oportunidades de renda que celebram o patrimônio cultural, promovem a sustentabilidade ecológica e fortalecem a resiliência comunitária.
Um elemento-chave desse sucesso é a técnica da muvuca, que combina de forma integrada o conhecimento ancestral indígena com práticas agroflorestais modernas.
Essa abordagem representa o elo entre o antigo e o novo, demonstrando como métodos tradicionais podem funcionar em harmonia com a inovação técnica para regenerar a terra de forma eficiente e sustentável.
Mulheres, jovens e famílias desempenham papel central nesses esforços, assegurando que a regeneração seja não apenas ecológica, mas também geracional.
Ao conectar comunidades indígenas a ferramentas, mercados e plataformas como a Amazônia Ativa, o projeto fortalece suas economias e protege a floresta, mostrando que o encontro entre tradição e inovação gera futuros resilientes para todos.
Mundo Agro: Café Sarikab – onde é cultivado, qual sua importância e como é o trabalho com a Ecoporé e a The Caring Family Foundation?
Marcelo Ferronato: O Café Sarikab é cultivado pelo povo Paiter Suruí em sistemas agroflorestais dentro do Território Indígena Sete de Setembro, em Cacoal (RO).
Além de ser um café robusta amazônico de qualidade excepcional, o Sarikab representa autonomia econômica, identidade cultural e inovação sustentável. A marca foi idealizada por Celesty Suruí, a primeira barista indígena do Brasil, e combina conhecimento ecológico tradicional com técnicas modernas de processamento.
Em parceria com a Associação Metareilá e The Caring Family Foundation, a Ecoporé forneceu equipamentos essenciais para ampliar o negócio, como máquinas de selagem e materiais de embalagem, além de treinamentos para melhorar a qualidade da produção e expandir o acesso ao mercado.
O café foi servido ao presidente Lula em um evento da Embrapa no ano passado e já ganhou destaque em feiras nacionais, garantindo reconhecimento ao Café Sarikab como modelo de empreendedorismo indígena.
Apoiar negócios inclusivos como este tem grande potencial para alcançar mercados internacionais da bioeconomia, e iniciativas como o Regenera oferecem às comunidades amazônicas oportunidades de crescer economicamente enquanto conservam seus territórios.
Katie Beeching: O Café Sarikab simboliza o que é possível quando o conhecimento tradicional encontra investimento comunitário e sustentável. Liderado por Celesty Suruí, jovem empreendedora de Rondônia, trata-se de uma iniciativa extraordinária da bioeconomia que serve às comunidades indígenas enquanto valoriza sua terra e herança cultural.
Tanto a Fundação Família Carinhosa quanto a The Caring Family Foundation têm orgulho de apoiar este projeto em parceria com a Ecoporé. Juntos, fornecemos equipamentos essenciais, programas de capacitação e plataformas para que Celesty compartilhe sua história em fóruns nacionais, como feiras de café.
Essa iniciativa comprova como os jovens indígenas estão liderando a inovação econômica ao mesmo tempo em que protegem o futuro da Amazônia.
O diferencial da abordagem da The Caring Family Foundation é a capacidade de direcionar apoio de forma ágil e cuidadosa, trabalhando lado a lado com as comunidades para gerar impacto significativo.
Isso vai além da melhoria da subsistência: trata-se de fortalecer oportunidades bioeconômicas e apoiar empreendedoras indígenas como Celesty. Iniciativas como essa inspiram novas gerações a abraçar práticas sustentáveis, proteger o patrimônio cultural e construir oportunidades duradouras para suas comunidades e para a Amazônia como um todo.
Mundo Agro: Outra iniciativa do projeto é a colaboração dos Karitiana com a Rede de Sementes da Bioeconomia da Amazônia. Pode nos contar mais sobre esse caso? Para onde vão as sementes produzidas na região? Qual é o papel das mulheres nesse projeto específico?
Marcelo Ferronato: Em 2024, aproximadamente 40 toneladas de sementes nativas foram coletadas pela rede. As sete aldeias Karitiana se destacaram pelo volume coletado, tornando-se as maiores fornecedoras da rede.
Essas sementes são adquiridas pela Ecoporé para projetos de restauração ecológica em propriedades rurais e unidades de conservação da região, como a Floresta Nacional do Bom Futuro.
As mulheres desempenham papel central nessa iniciativa: elas lideram a coleta e recebem pagamentos diretos, fortalecendo a autonomia financeira e a liderança feminina na bioeconomia. Atualmente, 104 famílias Karitiana participam da atividade, impactando aproximadamente 302 pessoas.
Katie Beeching: A iniciativa das sementes Karitiana é inspiradora em muitos níveis. Além de fornecer sementes para reflorestamento, trata-se de dar às mulheres um papel central na restauração dos ecossistemas e no fortalecimento da economia de sua comunidade.
Por meio da parceria com a Rede de Sementes da Bioeconomia da Amazônia, elas criaram uma cadeia de suprimentos sustentável ao mesmo tempo em que reforçam tradições culturais.
As mulheres agora lideram em áreas que unem empreendedorismo e cuidado ecológico, mostrando que a bioeconomia tem impactos sociais profundos, além dos ambientais. Mulheres com quem conversei compartilharam como esse projeto lhes deu a oportunidade de conquistar sua primeira renda.
Elas escolheram investir em melhorias em suas casas, elevar sua qualidade de vida e criar melhores oportunidades para seus filhos – um desejo que ressoa universalmente e reflete as aspirações comuns de famílias em todo o mundo.
Mundo Agro: Existem inúmeros projetos interessantes: Mel Paiter, Soe Arte Artesanato e Oro Nao Artesanato Feminino. São exemplos da importância da bioeconomia. Quais são os desafios enfrentados na implementação de projetos como o Regenera?
Marcelo Ferronato: Esses exemplos mostram como a bioeconomia indígena fortalece comunidades, diversifica fontes de renda e valoriza tradições culturais, ao mesmo tempo em que protege a floresta.
Porém, para que iniciativas como o Café Sarikab, a Rede de Sementes Karitiana, o Mel Paiter ou os coletivos femininos de artesanato cresçam de forma sustentável, é preciso superar alguns obstáculos, especialmente relacionados ao tempo de implementação e à continuidade de longo prazo.
Construir negócios duradouros requer ações consistentes; intervenções de curto prazo não conseguem enfrentar desafios que se acumularam ao longo de décadas.
Por isso, parcerias como as estabelecidas com a The Caring Family Foundation são tão importantes, pois ampliam o alcance de projetos que antes não tinham oportunidade de beneficiar grandes grupos de comunidades indígenas.
Os principais desafios incluem a falta de recursos para infraestrutura e logística – desde o transporte de sementes até o acesso ao mercado – e barreiras regulatórias e burocráticas que dificultam a formalização e comercialização dos produtos.
A expansão dos canais de distribuição também é essencial para inserir esses empreendimentos em mercados mais amplos e competitivos. Por fim, é necessária uma capacitação contínua, não apenas em habilidades técnicas, mas também em governança e liderança, para que os projetos se mantenham resilientes e adaptáveis ao longo do tempo.
Katie Beeching: O maior desafio é o tempo. É preciso tempo para construir confiança, desenvolver modelos sustentáveis em conjunto e garantir que as vozes indígenas conduzam a narrativa.
Apenas financiamento não basta. É essencial ouvir as comunidades, compreender suas necessidades e adaptar-se ao seu ritmo. Lacunas de infraestrutura, barreiras logísticas e a volatilidade do mercado podem atrasar o progresso, mas a resiliência e a determinação dessas comunidades mantêm projetos como o Regenera em movimento.
Mundo Agro: O Projeto Regenera em uma palavra:
Marcelo Ferronato: Parceria.
Katie Beeching: Autonomia.
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