Araçatuba (SP): ataques articulados fazem mais uma cidade refém
Modo de agir de grupo no interior paulista se assemelha aos de outros casos, o que pode servir de alerta. Três pessoas morreram
São Paulo|Guilherme Padin, do R7
Um ataque a agências bancárias aterrorizou moradores de Araçatuba (SP) na madrugada desta segunda-feira (30). Três vidas foram perdidas durante as ações e cinco pessoas ficaram feridas.
Das vítimas fatais, além de um suspeito, estavam um homem que foi baleado enquanto gravava a cena do crime e um terceiro morto após confrontos na área rural da cidade.
A população inteira se viu refém da ação que durou aproximadamente duas horas. Moradores foram usados comos escudos humanos, presos a capôs de carros. Automóveis blindados e explosivos foram espalhados por ao menos 14 pontos da cidade e houve bloqueios e incêndios nos limites da cidade.
Até o fim da tarde de segunda, três suspeitos haviam sido detidos e metade dos artefatos explosivos deixados pelas ruas já havia sido desativada. O foco das investigações passou a ser encontrar os outros envolvidos na ação.
Mais de 350 agentes atuam em Araçatuba nas buscas pelos outros suspeitos, que ainda podem estar na região. Dois helicópteros sobrevoam a cidade e participam das ações policiais.
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Cautelosa diante do ataque, a prefeitura suspendeu por um dia as aulas nas escolas municipais e estaduais da cidade, que retornarão nesta terça (31). Além disso, o município alterou as rotas do transporte público e interditou um dos pontos de vacinação contra a covid-19 – o Multi Shop –, a fim de dar segurança aos usuários.
A Associação Comercial de Araçatuba também solicitou o fechamento do comércio na segunda, mas, até a publicação deste texto, não havia previsão para os próximos dias. Isto será definido pelo Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais), informa a prefeitura.
Modo de agir se repete e serve de alerta
O modo de agir do grupo que protagonizou o ataque em Araçatuba, como com as trocas de tiros, os bloqueios nas estradas, incêndios e reféns nos automóveis, se assemelhou aos de outros casos de repercussão nacional nos últimos dois anos.
As ações em Botucatu (SP), Criciúma (SC), Cametá (PA), Salvador (BA) e Guararema (SP) carregam expressivas semelhanças com os atos da madrugada desta segunda, o que pode servir de alerta para futuros crimes dessa categoria, os quais são chamados de “novo cangaço”, como explica Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
“Há vários assaltos recentes nesse modelo, que chamamos de ‘novo cangaço’. Isso indica que os criminosos estão se especializando cada vez mais, que o crime está mais ousado e articulado. Hoje teve uma complexidade do tipo de explosivo utilizado, além da utilização de reféns no capô de carro – algo que já aconteceu antes, que fica mais forte dessa vez”, aponta o professor.
Para Alcadipani, as forças de segurança reagiram bem no contexto pós-crime, mas têm falhado na prevenção. “Precisam de uma articulação melhor de inteligência entre Polícia Civil, Polícia Militar e Federal para evitar que aconteçam. Essa articulação é muito pequena”, prossegue.
Uma pesquisa recente do FBSP apontou para o aumento de 100,6% dos registros de arma ativos no Sinarm (Sistema Nacional de Armas), da Polícia Federal, entre 2017 e 2020, e de 108,4% na autorização de importação de armas longas em um ano, além do acréscimo de 29,6% nos registros de CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) no Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas), do Exército do Brasil.
O membro do Fórum avalia que os crescimentos substanciais nos armamentos para os brasileiros podem colaborar com a atuação de grupos criminosos. “Esses aumentos expressivos ajudam nisso, pois a arma que está no crime é a arma que um dia foi legal. A quantidade de armas subindo no Brasil tende a facilitar e muito o crime organizado”, pondera.
Relembre outros ataques recentes semelhantes ao de Araçatuba (SP)
‘Parecia zona de guerra’, diz testemunha
Hospedado há um mês em um hotel na cidade, Amylton Quirino de Oliveira, 50, relatou ao Estadão que ouviu os tiros após a meia-noite e, em seguida, explosões muito fortes e um caminhão incendiado.
“O som das bombas explodindo era muito forte. Parecia uma zona de guerra”, relata Quirino, que, antes de notar que se tratava de um tiroteio, pensou ter escutado fogos de artifício na cidade.