Pioneiro do rap, Thaíde troca ideia com jovens da Fundação Casa
Rapper foi à unidade Rio Tocantins, no Brás (zona leste de São Paulo), em evento de comemoração aos 29 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente
São Paulo|Kaique Dalapola, do R7

“O que você enxerga de nós?”
A pergunta foi feita ao cantor e compositor Thaíde, um dos pioneiros do rap nacional, pelo jovem Luan (nome fictício), 16 anos.
O questionamento demonstra a preocupação do menino em saber como a sociedade olha para os adolescentes internados na Fundação Casa.
“Eu enxergo muita coisa boa, mas muita gente só vê coisa ruim. Vocês têm que prestar atenção em vocês, deixar de ver só esse lado ruim, e deixar o lado bom aflorar”, respondeu o rapper durante palestra na unidade Rio Tocantins da Fundação Casa.
Thaíde participava de um evento em comemoração aos 29 anos do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), na última sexta-feira (12), na unidade que fica no complexo do Brás, na zona leste de São Paulo.
Para o direitor da unidade, Jairo Silva Cavalcante, a ideia da palestra é levar a música como uma forma de os adolescentes se identificarem e perceberem que podem "ter uma vida diferente do que eles têm adotado até então".
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Assistindo, 66 meninos, todos de meia branca, chinelo de dedos azul claro, calça de moletom azul marinho e blusa da mesma cor ou camiseta de manga longa branca, ouviam atentamente as histórias do rapper.
Depois da apresentação do cantor, a reportagem ouviu três adolescentes. Em comum, duas coisas: eram reincidentes e foram criados sem a presença do pai.
Entre risos, espantos e lamentos durante as falas de Thaíde, os adolescentes cada vez mais, ao longo de mais de uma hora de evento, indicavam a identificação que têm com a história do cantor.

As perguntas de Paulo (também nome fictício), 17 anos, apontam isso: “Quando você estava começando a carreira passou por dificuldades, né? Nesse tempo, pensou em cometer algum ato infracional?”
A resposta de Thaíde foi que "sim". Ele contou que chegou a pegar uma arma de brinquedo e abordou uma senhora negra, que estava a caminho do trabalho. “Na hora eu me arrependi, falei que era brincadeira, e fiquei muito mal com aquilo”, disse.
Com a resposta, o adolescente de uma comunidade no Jaguaré (zona oeste) disse que viu semelhança entre a sua história com a do rapper. "Me identifiquei muito, ele fala do meio da favela e isso dialoga muito com a gente".
Na apresentação, Thaíde afirmou que o fracasso de sua primeira (e única) tentativa de roubo mostrou que o crime não compensa. Segundo ele, aquele momento e outros pelos quais passou o estimularam a seguir firme para ser reconhecido como é hoje.
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Com Luan, no entanto, o fracasso na primeira tentativa de assalto não o desestimulou para o cometimento de outros. Pelo contrário, “só aumentou o ódio”.
O jovem, morador de Guaianazes (periferia da zona leste de São Paulo), conta que tinha apenas 8 anos quando participou do primeiro roubo.
Junto com dois amigos adolescentes, “que já não estão mais entre nós”, foi para as redondezas do shopping Tatuapé, também na zona leste, cometer o primeiro assalto.
“Na primeira tentativa, a gente viu um boy saindo do shopping e seguimos, mas ele conseguiu escapar. Mas não desistimos, quando viramos a rua tinha três minas”, conta. O trio, segundo Luan, roubou três celulares das mulheres.
Luan foi apreendido pela primeira vez cinco anos depois, aos 13 de idade. "Fiquei até os 14 anos na Fundação [Casa], fugi em uma rebelião, mas voltei pouco depois. Saí aos 15 e voltei agora, com 16. Na minha vida estou mais tempo preso do que na rua", resume o adolescente.
Mas não foi a boa parte da adolescência fora das ruas que fez aumentar o ódio do menino negro, de sorriso fácil e conhecido na Fundação Casa por gostar muito de conversar.
"Comi comida do lixo porque pedi um lanche para um boy e ele, incomodado comigo, jogou o lanche no chão. Eu peguei, comi e alimentei o ódio. O Thaíde fala que esqueceu as humilhações que passou, mas eu não esqueço isso nunca", conta.
Na última vez que foi pego pela polícia, no dia 20 de junho, afirma que "foi um vacilo". Ele havia comprado um celular roubado e estava andando no bairro onde mora. Uma viatura da Polícia Militar passou e os policiais desceram para abordá-lo.
"Era só eu parar e já era, não ia dar nada, mas sou preto, já tinha passagem [pela Fundação Casa], então decidi fugir". Ele conta que não conseguiu escapar: se machucou na vidraça de uma pizzaria, desmaiou por alguns segundos e, quando voltou a consciência, estava com três policiais o segurando no chão.
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Felipe (outro nome fictício), 17 anos, também acredita que o fato de ser negro e, principalmente, ter passado pela Fundação Casa fizeram ele ser detido pela segunda vez, há um mês.
Ele havia sido apreendido pela primeira vez em 2017, por roubo. Ficou dois anos e cinco dias, saiu em maio deste ano. Em junho, foi pego novamente — desta vez acusado de tráfico. "Na primeira, eu estava mesmo, mas dessa vez não".
O adolescente afirma que tinha ido cortar o cabelo no bairro onde mora, em Itapevi (Grande São Paulo), e o salão fica ao lado de um ponto de tráfico de drogas. Quando ele estava saindo do estabelecimento, uma viatura passou e o abordou.
"Quando eu disse que tinha saído da fundação há um mês, ele já me levou", afirma. Na delegacia da Polícia Civil, o jovem diz que não teve mais força para tentar provar sua inocência e "agora é esperar passar o tempo para voltar às ruas".
Durante a apresentação de Thaíde, o jovem pediu a palavra para dizer que também compõe rap. Ele disse que, da próxima vez que o rapper for na fundação, se ele ainda estiver internado, vai apresentar uma de suas músicas.
Embora componha rap e "funk consciente", a vontade dele nas ruas é outra: "quero terminar o estudo, fazer faculdade de administração e realizar meu sonho de ser gerente de um banco".
"As músicas? Continuo escrevendo e cantando por fora, nas horas vagas", diz o jovem. Por enquanto, ele só aguarda o juiz da Infância e Juventude dizer quanto tempo ele ficará internado.















