Prefeitura de SP quer liberar prédios mais altos nos miolos dos bairros
Proposta foi apresentada por Rodrigo Goulart (PSD) e parte da base governista de Ricardo Nunes (MDB) na Câmara Municipal da capital
São Paulo|Do R7

Uma nova versão para o projeto de lei de revisão do Plano Diretor de São Paulo foi apresentada em uma audiência pública nesta terça-feira (23) com uma série de alterações que incentivam a construção de edifícios mais altos na cidade. Uma das principais mudanças permite que prédios sem limite de altura e com acesso a incentivos para o mercado imobiliário sejam construídos em raio de até 1 km de estações de metrô e trem.
A regra que hoje é de 400 metros e está ligada à crescente verticalização perto de "eixos de transporte", em locais como Brooklin, Butantã e Pinheiros. Também há mudanças que ampliam o máximo de área construída nos "miolos" dos bairros.
A proposta foi apresentada pelo vereador Rodrigo Goulart (PSD), relator do projeto de revisão do Plano Diretor e parte da base governista do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na Câmara Municipal. A orientação do presidente da Casa, Milton Leite (União Brasil), é de que eventuais mudanças sejam feitas no texto até amanhã, quinta-feira (25) quando será submetido para a primeira votação. A previsão é que o projeto passe por mais duas audiências públicas na semana que vem e seja aprovado em segunda e definitiva votação ainda no início de junho.
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O novo artigo referente à área de influência dos "eixos de transporte" também dobra de 150 para ao menos 300 metros a área ao longo de corredores de ônibus, que terão acesso a incentivos da Prefeitura. Entre eles, estão a possibilidade de a incorporadora pagar menos taxas quando o empreendimento atende certos requisitos (ter comércio no térreo, por exemplo) e a autorização para construir até quatro vezes a área do terreno, dentre outros.
Os eixos concentram hoje mais da metade dos apartamentos lançados na cidade, com crescimento especialmente em vizinhanças de classes média e alta. Se a mudança proposta for aprovada, a verticalização adentrará quadras mais internas dos bairros.
Esse tipo de zoneamento foi proposto pelo Plano Diretor em 2014 com o objetivo de aumentar a população que mora perto de meios de transporte de massa e reduzir os longos deslocamentos, porém parte dos empreendimentos tem sido destinada para locação temporária e população de maior renda, que, por vezes, não usa metrô, trem ou ônibus no dia a dia.
Nova versão
A nova versão do PL também incentiva mais prédios nas quadras no interior dos bairros. Nesses locais, o empreendimento poderá construir até três vezes a área do terreno em vez da permissão de duas vezes hoje em vigor, mediante o pagamento (outorga onerosa) à Prefeitura. As vizinhanças seguirão, contudo, sujeitas às regras de altura de cada zoneamento, lei que também está em revisão e terá uma nova versão enviada em breve à Câmara.
Nos "centrinhos de bairro", onde há amplo comércio, por exemplo, o máximo hoje é de 48 metros. O limite atual foi idealizado no Plano Diretor a fim de evitar grande verticalização dos eixos e incentivar prédios mais altos perto do transporte de massa.
Para urbanistas, a nova proposta incentiva a verticalização como um todo na cidade, por ampliar a área de influência dos eixos e muda o potencial de construção nos miolos de bairro, praticamente anulando a distinção entre zonas em bairros com transporte mais desenvolvido, como os do centro expandido. O alto volume de novas construções perto de estações de metrô em Pinheiros e na Vila Mariana, por exemplo, motiva reclamações de moradores antigos, que falam em descaracterização e piora na qualidade de vida.
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A avaliação é de que a nova versão traz muito mais alterações do que o PL apresentado pela gestão Nunes - e isso ocorre a poucos dias da votação e com apenas duas audiências públicas para discussão. Uma justificativa técnica e um levantamento com o impacto da mudança na cidade e nos cofres públicos não foram apresentados. Por isso, há o entendimento de que mudanças significativas possam ser aprovadas "no escuro", por falta de tempo hábil para mapear eventuais consequências.
"Tudo o que se discutiu até agora praticamente não vale mais, mudou tudo", diz o urbanista Nabil Bonduki, professor da USP e relator do Plano Diretor de 2014. Se aprovada, a nova versão estará em vigor ao menos até 2029.
"A minuta não enfrenta os problemas reais da cidade e simplesmente atende a uma demanda para ampliar a produção imobiliária em áreas já consolidadas, aumentando conflitos nos bairros e deixando a periferia às moscas", diz o urbanista Fernando Tulio Salva Rocha Franco, pesquisador na ETH Zurique, diretor do instituto Zerocem e ex-presidente do IAB/SP.
No texto, também foram identificadas anotações em meio aos novos regramentos, como uma que diz "Ver definição da Jacu-Pêssego se ela não é PIU (Projeto de Intervenção Urbana)". Para os especialistas, isso indica que a nova versão foi definida há pouco, sem tempo hábil para uma revisão mais atenta dos vereadores.
Outra mudança que chamou a atenção no novo texto do PL é a criação de um novo tipo de zoneamento: as Zonas de Concessões, que abrangerão todas as áreas públicas concedidas à iniciativa privada e com projetos de concessão em desenvolvimento. Para os urbanistas, a alteração permitirá praticamente uma "folha em branco" para criar regramentos fora dos que estão previstos na atual legislação e para áreas com características muito variadas, como parques, cemitérios, centros culturais e equipamentos desportivos.
"Se a Prefeitura resolver conceder todos os CEUs poderá definir outra regra de uso e ocupação para a área. E se liberar algum tipo de construção dentro de parques concedidos?", questiona Nabil Bonduki.
Os especialistas também avaliam que o projeto diminui ainda mais a influência municipal no desenvolvimento urbano da cidade, com regras que preveem a aplicação de recursos originalmente municipais pelo próprio setor privado. Um exemplo é a outorga onerosa, cobrada das incorporadoras para construir acima do limite básico e destinada hoje a um fundo voltado à habitação popular e à mobilidade.
Em vez de pagar efetivamente o montante ao município, o PL permite que o setor privado pague a outorga por meio da execução de obras públicas, com valor de 90% do que deveria ser pago ao fundo. "É o Estado abrindo mão de controlar política urbana. Isso tem consequências gigantescas, que depois rebatem em déficit habitacional, no meio ambiente e na infraestrutura", diz a professora do Insper e pesquisadora Bianca Tavolari.
O novo texto também mantém as mudanças mais significativas da primeira versão do PL, como a que permitirá prédios com apartamentos maiores e mais vagas perto dos eixos de transporte. Um estudo do Insper identificou que o tamanho máximo de unidades residenciais perto de metrô, trem e corredores de ônibus passará de 80 m² a 120 m², com a possibilidade de terem duas garagens "gratuitas", em vez do limite de uma sem o pagamento da outorga previsto hoje pela lei.
O mesmo estudo também apontou que empreendimentos com unidades medianas (de 60 a 80 metros quadrados) poderão ter até 33% mais vagas de garagem do que hoje. Na prática, estima-se que o número máximo de vagas poderia crescer em 12%. Os possíveis impactos da nova versão ainda serão ainda calculados.
A versão apresentada nesta semana também prevê regras diferenciadas para a criação de habitação de interesse social, como permitir que sejam alugadas. Para os especialistas ouvidos, algumas mudanças não estão claras e podem desestimular esse tipo de projeto imobiliário.
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Os comerciantes do centro de São Paulo batalham diariamente para manter as portas das lojas abertas. Alguns deles, como Cintia Martins, de 29 anos, assumiram os negócios da família. Questionada pelo R7 sobre o motivo de manter a mercearia em funcionamento, ela pensa por alguns segundos e responde: "Boa pergunta"








