Racionamento de água é realidade em cidades do interior de São Paulo
Com reservatórios secos e falta de chuva, municípios recorrem ao rodízio de água. Para não ficar sem, população tem que se preparar
São Paulo|Joyce Ribeiro, do R7
A estiagem e as chuvas abaixo da média deixaram reservatórios de água secos ou com nível insuficiente para garantir o pleno abastecimento da população. Enquanto os temporais de verão não chegam, cidades do interior de São Paulo tiveram de adotar algum tipo de restrição, como o rodízio de água.
Beethoven Lencioni é engenheiro agrônomo e morador da Vila Universitária, em Bauru, a 329 km da capital paulista. Segundo ele, na região o problema de falta de água é crônico, pior entre segunda e sexta-feira.
"À tarde falta água e volta na madrugada. A gente ouve quando começa a encher a caixa. Tem que colocar roupa para bater na máquina até umas 11h, depois já não dá mais. Tenho três caixas-d'água, então consigo passar uma semana sem água. Mas quem não tem passa aperto", conta.
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Durante o inverno, o município adotou o rodízio de 24 horas com água e 48 horas sem. Com o início das chuvas de primavera, o regime de restrição mudou. Ainda assim, o rio Batalha, que abastece parte da cidade, não está no nível ideal.
O município cresceu muito, chegaram grandes condomínios e, consequentemente, aumentou a demanda pelo recurso hídrico.
"Aqui é uma autarquia municipal. Nos municípios onde existe a Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado], a água é mais cara, mas prefiro pagar mais e ter água. Não vislumbro nada melhor aqui, e o problema vai continuar, infelizmente. A periferia sofre mais com a falta de estrutura. No inverno, tive de buscar água potável em pontos espalhados na cidade, porque em casa não tinha", ressalta Beethoven.
Para evitarem o desabastecimento, os moradores estocam água em galões para uma emergência. Além de ter as caixas-d'água, Beethoven armazena 80 litros em quatro galões.
DAE de Bauru
No último dia 8, o DAE (Departamento de Água e Esgoto) de Bauru decidiu alterar o sistema de rodízio no fornecimento de água. A restrição caiu de 48 horas sem água para 24 horas. A medida foi adotada, segundo a empresa, devido às chuvas, que elevaram o nível da lagoa de captação do rio Batalha.
De acordo com o presidente do DAE, Marcos Saraiva, não é possível encerrar o rodízio permanentemente porque a lagoa de captação não atingiu o nível de 3,20 m. A previsão ainda é de um longo período de estiagem pela frente.
"A autarquia trabalha em diversas obras para que a cidade consiga suportar outras épocas com baixa precipitação. O poço Praça Portugal deve começar a operar nos próximos dias. O poço Imperial já foi interligado para auxiliar o sistema Batalha/ETA. O poço Infante Dom Henrique está sendo perfurado. A perfuração do poço Alto Paraíso foi iniciada. Tais obras, em conjunto com o funcionamento da adutora do Santa Cândida, deverão reduzir o impacto da falta de chuvas ainda neste ano", informou em nota.
Franca
Franca, conhecida como a capital nacional do calçado, a 397 km de São Paulo, ficou cerca de três meses sem chuvas. Dos 375 municípios paulistas atendidos pela Sabesp, apenas Franca passou por rodízio entre 2 de setembro e 11 de outubro. A justificativa da empresa foi "a severa estiagem que atinge grande parte do país".
Ana Paula Silva é assistente social e moradora do Jardim Palma. Apesar da suspensão do racionamento, ela ainda está insegura quanto ao abastecimento.
"Cortavam água entre 11h e 12h, aí era 36 horas sem. Voltava meia-noite do dia seguinte. Os bairros foram divididos por blocos A, B e C. Minha casa tem caixa-d'água grande e moram poucas pessoas, mas eu não lavava roupa quando tinha o rodízio e juntava louça para lavar de uma vez. Mas os condomínios ficavam sem água. Tem que se programar porque tudo depende das chuvas", diz.
A Sabesp recomenda o uso consciente da água e disse "adotar medidas operacionais para manter o abastecimento, como novas captações de água, ampliação da infraestrutura e perfuração de poços".
Valinhos
A 83 km da capital paulista, Valinhos também adotou o racionamento de água a partir de 20 de setembro. A cidade foi dividida em seis regiões, além do centro. Em algumas áreas, o abastecimento é interrompido três vezes por semana e em outras, duas, segundo o Daev (Departamento de Águas e Esgotos de Valinhos).
"A supressão inicia por volta das 10h, seguindo até as 4 da madrugada. Há limitações e dificuldades operacionais para a pressurização da rede pública de água no pós-rodízio. O abastecimento não mais se dá de forma ininterrupta nos dias fora do rodízio, com a água podendo chegar em períodos espaçados do dia, conforme haja disponibilidade do recurso para distribuição", explicou em comunicado.
Segundo o departamento, foi suspensa a operação das represas municipais devido à indisponibilidade hídrica. A cidade tem apenas 61,7% de água para distribuição aos imóveis. Os mananciais internos são responsáveis por 38,7% da água que é consumida.
O percentual de reservação de água bruta está em 45% na Santana do Cuiabano, 10% na Moinho Velho, 20% na Figueiras e em 5% na João Antunes dos Santos. “As chuvas estimadas não têm se confirmado há praticamente oito meses, e a recuperação das barragens não tem chegado nada perto do volume que é necessário à captação. Por isso, a medida de intensificar o racionamento tornou-se inevitável”, justificou o presidente do Daev, Ivair Nunes Pereira.
A encarregada administrativa Mara França mora e trabalha em Valinhos. Ela conta que, no condomínio Vale do Itamaracá, o consumo de água é alto e não é suficiente para o dia todo.
"Não temos caixa-d'água e o reservatório do Daev não está dando conta de encher. Os moradores reclamam, mas sabem que é a falta de chuva. Já na minha casa, no Frutal, tem caixa e os moradores são bem conscientes e dificilmente falta água. Tenho medo de acontecer como em 2013. Espero acumular roupa para lavar e uso a água da máquina. Mas só faço isso por causa do racionamento", relata.
Entre as ações previstas na cidade estão o desassoreamento na lagoa do Centro de Lazer do Trabalhador, as interligações dos reservatórios do Imperial, Santo Antônio e São Bento do Recreio para ajudar na pressurização da água, e a troca de mais de 10.000 m de rede pública de água para reduzir perdas.
Sabesp
Apesar de a situação estar longe do ideal, ainda não há racionamento nas cidades da região metropolitana de São Paulo abastecidas pela Sabesp. Mesmo com o sistema Cantareira, o maior reservatório, em alerta por estar com 28,3% da capacidade, a operação não foi modificada, mas houve a redução de retirada de água do manancial.
"A projeção aponta níveis satisfatórios dos reservatórios com as perspectivas de chuvas do final da primavera e início do verão, quando a situação será reavaliada. Não há risco de desabastecimento neste momento, mas a companhia reforça a necessidade do uso consciente da água", informou em nota.
Com a integração dos sete sistemas que abastecem a região, que envolvem 155 reservatórios e dez áreas de interligações, a companhia afirma que há mais segurança hídrica, pois a integração permite transferências de água entre as regiões, de acordo com a necessidade operacional.
A interligação Jaguari-Atibainha agora traz água da bacia do rio Paraíba do Sul para o sistema Cantareira e, desde 2018, está em operação o sistema produtor São Lourenço.
Já a interligação do rio Itapanhaú ficou para março de 2022. Com o início da operação, a expectativa é transferir 400 litros de água por segundo do rio para o sistema Alto Tietê. Até julho, segundo a Sabesp, serão em média 2 mil litros por segundo.