Sinto medo só de ver uma viatura policial, diz mulher pisada por PMs
Imobilizada e arrastada na calçada por policiais militares, dona de bar relata trauma psicológico e dificuldades financeiras: 'as pessoas ficaram assustadas'
São Paulo|Fabíola Perez, do R7
De cadeira de rodas e muletas, a mulher pisada e arrastada por policiais militares em Parelheiros, na zona sul de São Paulo, se prepara para a primeira saída depois de mais de dois meses em casa. Apesar de ainda não ter condições de andar e de precisar seguir recomendações médicas para ficar de cama, a urgência se dá pelas necessidades financeiras que enfrenta. As preocupações do dia a dia se unem à dor física de quem passou por uma cirurgia na tíbia e ao trauma da agressão policial.
Negra e com 51 anos, ela foi fortemente agredida por policiais militares ao tentar intervir em uma briga que ocorria na mesma rua de seu estabelecimento comercial no dia 30 de maio. “O pior é o trauma psicológico porque quando vejo uma viatura policial já acho que serei agredida de novo”, diz ela.
“Ele me deu uma rasteira%2C me jogou no chão%2C pisou no meu pescoço%2C meu rosto ficou todo machucado e me arrastou de uma calçada a outra."
Com a perna fraturada, dor nas costelas e hematomas no rosto que escancaram os golpes dados pelos policiais, a dona do estabelecimento no bairro localizado no extremo da zona sul tenta sobreviver às dificuldades financeiras que ficaram após o episódio de violência. “O bar era minha única fonte de renda”, diz ela, que mora com quatro filhos. “Preciso pagar o aluguel e não tenho condições, estou vivendo com a ajuda de amigos e familiares mais próximos.”
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Isso porque, desde o dia 30 de maio, quando a polícia chegou após uma chamada para conter o barulho no local, o bar não tem tido movimento, apesar de estar aberto. “As pessoas não estão frequentando, todos ficaram assustados com o que aconteceu”, relata. “Eles sempre nos trataram com respeito, eu os via como a segurança do bairro, já não confio mais neles. As pessoas não confiam mais na polícia. Mas não estou generalizando.”
Segundo a mulher, havia um carro de som em frente a seu estabelecimento. Os policiais, explica ela, fizeram a abordagem diretamente ao dono do carro de som. “O primeiro contato da polícia foi com dois homens que estavam na rua. Peguei a história andando”, lembra. “Estava atendendo outro rapaz, não sabia que tinha uma viatura lá fora, a porta do bar estava entreaberta, quando percebi que o policial já estava espancando o rapaz.”
“Quando um dos policiais pisa no pescoço dela e coloca todo o peso do corpo sobre ela%2C ele%2C no mínimo%2C assume o risco de matá-la."
A dona do estabelecimento afirma que, ao perceber que o homem estava sendo agredido pela polícia, saiu para defendê-lo. “Ele me deu uma rasteira, quebrei a tíbia, ele me jogou no chão, pisou no meu pescoço, meu rosto ficou todo machucado e me ele me arrastou de uma calçada a outra”, lembra. “Só pensava que eles iam me matar”, diz. A comerciante deverá permanecer, pelo menos, dois meses afastada do trabalho. Hoje, convive diariamente com a dor física e psicológica. “Espero nunca precisar deles", diz ela sobre a polícia.
Naquela noite, a mulher afirma que os policiais agiram de forma violenta na abordagem ao homem, dono do carro de som. "Eles estavam espancando o rapaz, meu cachorro estava avançando, o rapaz estava cheio de sangue. Peguei o rodo duas vezes para separar a briga. O que ele [o policial] fez não foi certo, ele chegou já espancando”, diz. Abordada em meio à abordagem, a mulher foi arrastada entre as calçadas e colocada em um camburão. “Meu filho chegou nessa hora e impediu que eles fizessem isso. Me levaram para o pronto-socorro.”
A abordagem da polícia ocorreu por volta das 13h20 do sábado, dia 30 de maio. Após ter sido imobilizada e arrastada, ela foi para o hospital onde colocou gesso e uma tala na perna. Mesmo com a fratura, a mulher relata que passou a noite no 101º DP (Jardim das Imbuias), depois ficou no 89º DP (Portal do Morumbi) até ser liberada. Somente no dia 29 de junho, passou pela cirurgia que precisava. Na sexta-feira (17), deve prestar um novo depoimento à polícia.
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“Estamos vivendo com ajuda de conhecidos e de alguns parentes. Preciso trabalhar para sobreviver, mas não posso fazer nada. Só posso ficar deitada me recuperando. A recuperação da cirurgia é lenta", afirma.
Tentativa de homicídio
A defesa da mulher, realizada pelo advogado Felipe Morandini, trabalha com a tese de tentativa de homicídio por parte dos policiais militares. “Quando um dos policiais pisa no pescoço dela e coloca todo o peso do corpo sobre ela, ele, no mínimo, assume o risco de matá-la."
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O advogado explica que um dos conhecidos da mulher parou o carro com música alta em frente ao bar, fazendo com que a polícia fosse chamada. “Os policiais, porém, foram muito violentos. Em determinado momento, chegaram a enforcar um dos rapazes.” Na delegacia, os três homens abordados disseram, segundo Morandini, que não responderiam.
Morandini afirma que a mulher pegou um rodo para apartar a agressão do policial com o homem. Segundo o boletim de ocorrência, os policiais relatam que a mulher teria se utilizado de uma barra de ferro para agredi-los. De acordo com a versão da polícia, os agentes teriam conseguido tomar a barra e tentado conter os outros homens.
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No entanto, Morandini afirma que o uso da barra de ferro faz parte da narrativa policial. “Pelo vídeo, é possível ver que ela já estava algemada e com a perna quebrada. Essa foi uma versão fabricada pela polícia”, diz o advogado. “Havia um transeunte passando pelo local que se esbarrou nessa barra de ferro, que devia estar um pouco solta, fazendo com que os policiais se utilizassem dessa narrativa. “Ela usou o rodo, mas com a intenção de proteger o amigo e porque percebeu a agressão policial.”
O advogado explica que além da acusação no processo criminal contra os policiais, entrará com um processo contra o estado por danos físicos, morais e financeiros. “Esperamos que seja fixada uma indenização para, ao menos, compensar esse momento terrível.” Os policiais militares envolvidos na ação estão afastados das ruas até que seja concluída a investigação.