Anvisa aponta riscos e reprova importação da Sputnik V
Diretores da agência citaram falta de dados básicos de segurança e recusaram pedido de estados para a vacina produzida pela Rússia
Saúde|Hysa Conrado e Gabriel Croquer, do R7
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) negou, em reunião extraordinária realizada nesta segunda-feira (26), o pedido de importação da Sputnik V, vacina russa contra a covid-19. O pedido já havia sido feito por 14 estados brasileiros, incluindo dois municípios do Rio de Janeiro.
A agência foi obrigada a decidir sobre as solicitações após determinação do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, em atendimento a ações de estados brasileiros, entre estes alguns que já haviam comprado a vacina e buscavam aplicá-la por conta prória.
A decisão unânime dos cinco diretores teve críticas à falta de dados e a falhas graves de segurança da vacina.
O diretor-relator Alex Machado afirmou que em nenhum dos pedidos de importação foi apresentado o relatório técnico da Sputnik V produzido por autoridades sanitárias internacionais que pudesse atestar que a vacina atende a padrões de qualidade, de eficácia e de segurança pré-estabelecidos. Essa é uma das prerrogativas da Lei n º14.124, que facilita a aquisição de imunizantes em caráter excepcional em razão da pandemia de covid-19.
Machado também destacou as falhas relacionadas ao controle da tecnologia usada para a fabricação do imunizante, a de adenovírus vetor. Segundo o diretor, a detecção do vírus replicante – e não o inativado, que não causa a doença – nas doses analisadas pela agência poderia trazer sérios riscos aos imunizados com o produto.
“A presença de vírus replicante diverge do perfil de qualidade das vacinas com base em adenovírus avaliados pela Anvisa até o momento [...] e diverge também da apresentação da vacina Sputnik V, que garantiu a não replicação do vírus. Vírus não desejados estão na vacina e como o desenvolvimento não foi conduzido de forma a garantir a não replicação, a Sputnik V não cumpre o próprio critério estabelecido para seu desenvolvimento”, afirmou o relator.
A diretora Meiruze Freitas, segunda a falar, explicou os riscos caso os adenovírus se repliquem no corpo humano e afirmou ser "indamissível" que a vacina venha apresentando problemas quanto a isso.
“Os adenovírus possuem uma gama de hospedeiros que podem causar infecções em humanos, algumas infecções leves no trato respiratório e gastrointestinal, mas as infecções induzidas por adenovírus podem ser fatais em pessoas imunocomprometidas, com distúrbio respiratório ou em cardiaco preexistente”.
Sobre a autorização em outros países, Machado ressaltou que, em sua maioria, os países não possuem participação em fóruns internacionais, nem contam com maturidade de avaliação pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Além disso, ele destacou que a Rússia vacinou apenas 8% da sua população, mesmo tendo uma vacina de fabricação própria.
“A vacina não está em uso em 23 países que a adquiriram [...] e em outros, contam com baixo contingente de pessoas que a receberam, o que ainda não permite conclusões sobre a segurança da vacina”, destacou.
Meiruze também destacou a dificuldade enfrentada pela Anvisa para acessar as informações técnicas da Sputnik V. A diretora ressaltou, ainda, que as informações exigidas não são burocráticas e que dizem respeito à segurança da populalção.
“Desde janeiro de 2021 estamos usando todos os canais para buscar as informações sobre qualidade, segurança e eficácia, e estamos até aqui sem os dados técnicos para que eu possa me dirigir à população e falar que os benefícios superam os riscos. Toda vez que um brasileiro ou brasileira recebe uma dose da vacina contra a covid-19, eles precisam ter a confiança dos servidores públicos da Anvisa”, disse.
"Não foram apresentados dados de estudos clínicos e não clínicos. Nós, como diretores da Anvisa, fomos exaurientes na busca de informações e dados minimamente suficientes para garantir a proteção desta vacina”, reforçou a diretora Cristiane Gomes. em sua fala
Meiruze, porém, reconheceu a credibilidade da vacina, considerando a quantidade de países onde a Sputnik V já é aplicada, e afirmou que poderia mudar o voto caso mais dados sejam apresentados.
O diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, citou a análise técnica da própria agência, exposta na mesma sessão, antes do voto dos diretores, que recomendou pela não importação da vacina. "Precisaríamos de argumentos muito fortes para votar contrariarmente. Caso a vacina cause revezes à saúde da população, não poderíamos nos escudar em uma ignorância quanto aos riscos do produto", comentou.
Batalha judicial
Depois da pressão de estados do Nordeste que se articularam para comprar e aplicar por conta própria a Sputnik V, o ministro do STF, Ricardo Lewandowski, concedeu uma liminar exigindo que a Anvisa responda se a Bahia pode ou não importar a vacina Sputnik-V. A determinação obrigou a agência a realizar a reunião extraordinária.
Além da Bahia, outros estados também fizeram o mesmo tipo de pedido. São eles Ceará, Amapá, Piauí e Maranhão. Em seus pedidos, os governadores citaram a situação dramática da pandemia e a lentidão do processo de vacinação no Brasil, que deve imunizar os grupos prioritários somente em setembro deste ano.
A Anvisa chegou a pedir a suspensão do prazo dado pelo STF, alegando não ter dados suficientes para atestar segurança da vacina, o que foi negado. Para acelerar o processo, técnicos da agência realizaram inspeção durante a semana passada nos laboratórios que produzem o imunizante, na Rússia.
As visitas às fábricas, porém, trouxeram mais desconfiança da Anvisa. Segundo o diretor-presidente, Antonio Barra Torres, as equipes da agência não tiveram permissão de fiscalizar o Instituto Gamaleya, onde a vacina foi criada. "A nossa equipe não pôde realizar uma parte importante da inspeção que não é um instituto, é o instituto. É o desenvolvedor da vacina", disse.
O Brasil tem duas negociações paralelas com o instituto russo Gamaleya, fabricante da vacina, para obter a Sputnik: uma do Ministério da Saúde, que prevê a compra de 10 milhões de doses, e outra dos governadores, por mais de 60 milhões de doses.
Caso fosse autorizada, a importação permitiria que os estados e municípios que fizeram o pedido não só comprassem, como também aplicassem o imunizante se o governo federal não disponibilizasse doses suficientes para a vacinação dos grupos previstos no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a covid-19.