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'Mundo desabou', diz mulher que descobriu câncer na pandemia

Giuliane Stano Valença, de 32 anos, teve o seu diagnóstico atrasado por causa do coronavírus; o sentimento que ela mais relata é o de desespero

Saúde|Brenda Marques, do R7


Giulliane em sua segunda sessão de quimioterapia
Giulliane em sua segunda sessão de quimioterapia

"Aí meu mundo já desabou", conta Giulliane Stano Valença, de 32 anos, sobre o momento em que abriu o e-mail com o resultado de sua biópsia, isso porque percebeu que precisaria fazer outros dois exames solicitados para quem tem diagnóstico de câncer de mama.

Isso aconteceu no meio da pandemia de covid-19, em junho deste ano. Mas ela sentiu o nódulo seis meses antes, ao fazer o autoexame. "Já estava bem grande e como eu tenho seio pequeno, deu para sentir bem", lembra.

Foi então que ela procurou atendimento em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) na zona Norte de São Paulo. "Quando voltei com o ultrassom da mama ela me encaminhou para a mastologista, mas não estavam marcando consulta por causa da pandemia", relata.

O alerta acendeu novamente apenas em maio, quando Giulliane, que é podóloga, foi atender uma amiga e recebeu da mãe dela, enfermeira, o conselho de não esperar mais por uma consulta.


"Ninguém achava que era maligno, mas pensavam que era caso de cirurgia pelo tamanho que estava o tumor", afirma. "Aí ela falou isso e eu já fiquei mais desesperada", acrescenta.

"Fui no posto e eles continuavam enrolando%2C Pediram o ultrassom e falaram para eu aguardar%2C que iriam me ligar. Mas eles não ligavam nunca"

(Giulliane Stano Valença)

O socorro não veio da rede pública de saúde, mas sim da solidariedade de outra cliente, que entrou em contato com seu médico particular. "Ele disse para me levar lá e me atendeu como se eu fosse ela, pelo convênio", revela.


Foi esse médico que indicou para Giulliane uma mastologista. "Paguei a consulta, levei meu ultrassom. Ela falou que não parecia ser maligno. Mas como tinha dois nódulos, preferiu fazer a biópsia. Aí eu fiquei mais desesperada ainda e já comecei a ver laboratório", destaca.

O resultado saiu em pouco menos de 20 dias. "Quando eu abri o e-mail, já vi, A médica só me confirmou", lembra. "Foi um choque muito grande. Mas ao mesmo tempo a minha ficha não caía, eu chorava por muito tempo", complementa.


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Com a gravidade da situação em evidência, ela conseguiu atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Primeiro foi atendida em um AME (Ambulatório Médico de Especialidades] e depois recebeu encaminhamento para o ICESP (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo).

"Tô amando o tratamento lá. Fiz todos os exames possíveis e imagináveis desde que eu descobri. Foi muito rápido", conta.

Mudanças trazidas pela quimioterapia

Ela começou o tratamento com a quimioterapia vermelha, que requer uma sessão a cada 21 dias. "Na primeira quimio eu fiquei desesperada. Aquela cor vermelha entrando em mim, me deu um desespero. Veio uma psicóloga conversar, ela fechou a cortina para ficarmos a sós e eu só sabia chorar", recorda.

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Agora, está na branca, realizada uma vez por semana. Além das cores e periodicidade, os sintomas também mudam: antes a náusea predominava, mas cedeu espaço para cansaço extremo, azia e dores nas articulações.

"Tô tentando levar a vida normal. Mas essa semana fiquei bem cansada. É um cansaço que você tem e o corpo não responde", descreve.

O desejo de fazer as coisas e não conseguir é a maior frustração que Giulliane tem enfrentado desde que descobriu o câncer de mama.

"Eu parei de atender porque foi bem na pandemia e eles falam que a nossa imunidade, por causa da quimioterapia, é considerada zero, Então o dinheiro está só saindo e não entra. Eu vendi minha moto, mas uma hora vai acabar. Isso dá desespero"

Ela até tentou atender uma cliente no espaço que usava para trabalhar em sua própria casa. Mas a fraqueza no braço transformou em peso a atividade de cuidar dos pés, que antes era realizada com facilidade.

"A gente se sente inútil", desabafa. "É um misto de sentimentos. Tem dia que você acorda péssima. Ainda mais porque não dá para fazer muita coisa e se distrair por causa da pandemia", acrescenta.

O alento da semelhança refletida no espelho

A ideia de raspar o cabelo foi mais angustiante antes de se tornar realidade. Giulliane chegou a ter sonhos nos quais levantava da cama e percebia que metade dos fios estavam no travesseiro. 

"Não era uma coisa que eu queria para mim, como a minha irmã [que raspa o cabelo por opção]. Mas quando eu comecei a perceber que estava caindo, já decidi raspar", afirma. 

Maquiagem tem ajudado a manter a autoestima
Maquiagem tem ajudado a manter a autoestima

O momento da raspagem causou muito choro. No entanto, a semelhança com a irmã refletida no espelho trouxe calmaria. "Me achei tão parecida com a Cinthia que não foi um choque", conta. "O pior é [perder] a sobrancelha e os cílios, porque isso sim dá aquela aparência de doente, e aí eu tento passar uma maquiagem", analisa.

Sem medo de perder a mama

As sessões de quimioterapia vão acabar no começo de janeiro. Depois, ela ainda vai esperar mais um mês para fazer a mastectomia, que será total. Apenas a mama direita será removida, mas Giulliane queria tirar as duas. "Porque nosso maior medo é de voltar [o câncer]. Eu já tenho alguns nódulos que não são, mas dá medo de virar maligno", explica.

"Eu estou com medo da cirurgia em si, mas não de que vou ficar sem o peito porque eles fazem a reconstrução. Isso é o de menos", pondera.

Desejo de abraçar o mundo

Ela tem compartilhado suas vivências no perfil do Instagram, que antes era bloqueado. Desde que decidiu liberar, ganhou mais de 700 seguidores. "É muito legal porque muitas meninas vêm chamar para conversar. Todo dia tem uma [mensagem] nova. É uma troca de experiência bem legal e que acalma a gente".

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O apoio da família, dos amigos e até de pessoas que não eram tão próximas despertam o sentimento de acolhimento. E qual o plano para quando tudo isso passar?

"Eu quero abraçar o mundo. Não vejo a hora dessa pandemia acabar. De eu fazer logo a cirurgia. Acho que vai ser tudo diferente", diz, com a voz cheia de esperança.

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