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Big techs minam jornalismo e fortalecem discurso de ódio, diz especialista

Professora da Universidade de Columbia defende remuneração ao jornalismo profissional e regulamentação das redes sociais

Tecnologia e Ciência|Deborah Hana Cardoso

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LEIA AQUI O RESUMO DA NOTÍCIA

  • Big techs estão minando o jornalismo e ampliando discursos de ódio, segundo especialista.
  • Anya Schiffrin defende a necessidade de regulamentação das redes sociais e remuneração ao jornalismo profissional.
  • Situação de desinformação no Brasil e no mundo se agravou, com impactos em democracias e na saúde pública.
  • Debates sobre proteção de menores e regulamentação de conteúdo nas redes sociais estão em andamento no Brasil e nos EUA.

Produzido pela Ri7a - a Inteligência Artificial do R7

Anya Schiffrin,da Universidade de Columbia: 'Informação de qualidade é um bem público' Roque de Sá/Agência Senado/Arquivo

As democracias enfrentam um desafio crescente que envolve poder econômico, influência política e a capacidade de moldar opiniões: as redes sociais. Surgidas no fim da década de 1990, com o site Six Degrees, e popularizadas por plataformas como Friendster (2002) e MySpace (2003), elas transformaram a comunicação global.

O que começou como ferramenta de interação virtual ampliou discursos de ódio, negacionismo científico, radicalismo político e práticas criminosas em ambiente digital.


Com o Facebook (2004) e, depois, o Twitter (2006), essa realidade tornou-se ainda mais evidente. O prestígio virtual passou a ser medido por números de seguidores e pelo alcance da influência.

Marcas internacionais buscaram esses personagens para campanhas de marketing, enquanto influenciadores passaram a negociar contratos para expandir seus ganhos.


Anya Schiffrin, professora de relações internacionais e públicas da Universidade de Columbia (EUA) e especialista em liberdade de imprensa e mídias sociais, afirmou ao R7 que enfrentar a desinformação exige fortalecer o jornalismo profissional.

“A informação de qualidade é um bem público. É essencial para a democracia, o progresso social. É feita para o debate justo”, declarou.


Para a acadêmica, as big techs minam a sustentabilidade da imprensa ao dificultar a remuneração de veículos responsáveis.

“As plataformas têm roubado conteúdo e propriedade intelectual, minando as bases financeiras do jornalismo e deixando essas organizações incapazes de financiar reportagens originais e de interesse público”, destacou.


Questionada sobre como diferenciar veículos sérios de páginas de desinformação, Schiffrin explicou: “O jornalismo profissional é marcado pela independência editorial, padrões éticos, verificação de fatos, transparência e responsabilidade pública. Os sites de notícias falsas não possuem isso”.

“A legislação deve ser elaborada para reconhecer organizações que produzem conteúdo verdadeiro e fornecer-lhes apoio financeiro e liberdade de expressão”, acrescentou.

Governo

Durante o governo de Jair Bolsonaro (2018-2022), dúvidas sobre o sistema eleitoral e sobre vacinas se espalharam em discursos, transmissões ao vivo e postagens em redes sociais. O então presidente chegou a afirmar que urnas eletrônicas, que o elegeram, não eram confiáveis — sem apresentar provas.

Em 2018, Bolsonaro derrotou Fernando Haddad no segundo turno com 55,13% dos votos válidos.

O período também foi marcado pela pandemia de Covid-19, responsável por quase 700 mil mortes no país. O Brasil, reconhecido por seu histórico em imunização, enfrentou atrasos devido à demora em contratos com farmacêuticas que desenvolveram vacinas.

Segundo Schiffrin, o caso brasileiro não é isolado. Para ela, a regulação das redes tornou-se essencial em todo o mundo.

“O tema se tornou urgente em diferentes lugares e momentos, mas para mim foi em 2016, quando Donald Trump venceu a eleição. Isso foi seguido pela saída do Reino Unido da União Europeia e pela eleição de Bolsonaro no Brasil. A partir daí, vimos a disseminação da desinformação sobre a Covid-19 e a resistência às vacinas”, afirmou.

Ela aponta que a situação piorou desde então e que décadas de trabalho para construir uma sociedade educada, equitativa, “baseada na verdade”, nas palavras dela, e na investigação científica estão sob ataque.

“A urgência em torno da regulamentação das redes sociais se intensificou à medida que autocratas, apoiados por grandes fortunas corporativas, começaram a minar as instituições democráticas”, disse.

Ela lembrou ainda a invasão do Capitólio nos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021 e, em paralelo, os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023.

“Naquele momento ficou claro que existe uma desinformação onipresente capaz de provocar violência”, afirmou.

Questionada sobre os lucros das plataformas digitais com conteúdos radicais, a especialista explicou que as plataformas de tecnologia lucram sistematicamente com a economia da atenção.

“O dinheiro flui onde a indignação e o extremismo irrompem, já que o discurso de ódio e a desinformação impulsionam o engajamento e os cliques em anúncios. As plataformas não são atores neutros e seu modelo de negócio depende de amplificar vozes divisivas”, analisou.

Legislação

No Brasil, episódios como esses não bastaram para acelerar a regulação das redes nem para garantir valorização do jornalismo. O Congresso Nacional continua dividido, enquanto o Marco Civil da Internet (2014) é considerado ultrapassado diante dos avanços tecnológicos.

O projeto de lei (PL 2630/20), conhecido como PL das Fake News, segue parado na Câmara dos Deputados. O relator, Orlando Silva (PCdoB-SP), não conseguiu avançar devido à resistência de parlamentares que alegam risco de censura.

Um dos principais opositores é Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder do Partido Liberal na Casa. Em 2023, quando o projeto não avançou, ele declarou em plenário: “[...] Sabem por que o PL das Fake News não foi pautado hoje? Porque aqui nesta Câmara há uma bancada de deputados conservadores de direita que não vão aceitar a censura neste país”.

Além desse texto, tramita um substitutivo relatado por Gervásio Maia (PSB-PB), que prevê remuneração às empresas jornalísticas tradicionais por parte das plataformas digitais.

Adultização

Outro debate recente sobre redes sociais envolve crianças e adolescentes. O influenciador digital Felipe Bressanim, conhecido como Felca, denunciou em vídeo conteúdos de exploração de menores usados para monetização.

O material de denúncia já superava 50 milhões de visualizações no YouTube até a data desta publicação.

Segundo Felca, toda a monetização, estimada em 2,5 milhões de reais, será doada a instituições de proteção da infância e adolescência.

Após a repercussão, Câmara e Senado chegaram a acordo para regular a presença de menores nas redes. O texto aprovado pelos deputados impõe às big techs obrigações para impedir o acesso de crianças e adolescentes a plataformas digitais, além da remoção de conteúdos abusivos.

Multas variam de R$ 10 por usuário cadastrado até R$ 50 milhões. Em caso de descumprimento, as empresas poderão ter atividades suspensas temporária ou definitivamente.

Para Schiffrin, os danos ultrapassam conteúdos criminosos direcionados a predadores sexuais. “As redes sociais moldam a vida dos jovens de maneiras sem precedentes. Eles são expostos a um fluxo interminável de informações enganosas, imagens criadas para manipulá-los, recursos de design viciantes e ambientes onde os limites são tênues”, afirmou.

“A violência e a agressão pública online se infiltram na vida real, afetando a saúde mental e o desenvolvimento dos jovens”, completou.

Estados Unidos

O debate sobre regulação também mobiliza os Estados Unidos, berço das principais plataformas digitais. “O Congresso norte-americano debate propostas incessantemente, mas é impedido pelo lobby da indústria, pela desinformação estratégica e pela relutância em enfrentar os monopólios das plataformas”, explicou Schiffrin.

“O governo Trump chegou a propor a proibição da regulamentação de IA [Inteligência Artificial] em nível estadual e ameaçou aplicar ‘impostos de retaliação’ sobre países que tentam avançar com a tributação de serviços digitais”, disse.

Outro obstáculo é a Primeira Emenda da Constituição norte-americana, que impede a criação de leis que restrinjam a liberdade de expressão, de imprensa e religiosa.

Ainda assim, há legislações que tratam de abusos específicos, como a proibição da propagação de imagens íntimas sem consentimento — semelhante à Lei Carolina Dieckman (2012), em vigor no Brasil.

“O resto do mundo deve avançar com políticas ousadas, desenvolvendo regulamentações inteligentes para proteger o jornalismo de qualidade e a equidade digital, mesmo que os EUA optem pelo isolamento nesse sentido”, finalizou.

Perguntas e Respostas

Quais são os principais desafios que as democracias enfrentam atualmente?

As democracias enfrentam desafios relacionados ao poder econômico, influência política e a capacidade de moldar opiniões, especialmente devido às redes sociais. Essas plataformas, que surgiram no final da década de 1990, ampliaram discursos de ódio, negacionismo científico e radicalismo político.

Como as redes sociais impactaram a comunicação global?

As redes sociais transformaram a comunicação global ao medir o prestígio virtual por números de seguidores e alcance de influência. Isso levou marcas a buscar influenciadores para campanhas de marketing, alterando a dinâmica de interação virtual.

O que a professora Anya Schiffrin defende em relação ao jornalismo?

Anya Schiffrin, especialista em liberdade de imprensa, defende que é necessário fortalecer o jornalismo profissional para combater a desinformação. Ela afirma que a informação de qualidade é essencial para a democracia e que as big techs estão minando a sustentabilidade da imprensa ao dificultar a remuneração de veículos responsáveis.

Como diferenciar veículos de comunicação sérios de páginas de desinformação?

Schiffrin explica que o jornalismo profissional é caracterizado pela independência editorial, padrões éticos, verificação de fatos, transparência e responsabilidade pública, enquanto sites de notícias falsas não possuem essas características.

Qual é a situação da regulamentação das redes sociais no Brasil?

No Brasil, a regulamentação das redes sociais ainda é um tema debatido, com o projeto de lei conhecido como PL das Fake News parado na Câmara dos Deputados. O Congresso Nacional está dividido, e há resistência de parlamentares que temem a censura.

Quais são os impactos da desinformação nas redes sociais?

A desinformação nas redes sociais tem provocado consequências graves, como a disseminação de dúvidas sobre o sistema eleitoral e vacinas, além de contribuir para a violência, como evidenciado pela invasão do Capitólio nos EUA e os ataques em Brasília.

Como as plataformas digitais lucram com conteúdos radicais?

As plataformas digitais lucram com a economia da atenção, onde o discurso de ódio e a desinformação geram engajamento e cliques em anúncios. Isso demonstra que as plataformas não são neutras e dependem de vozes divisivas para seu modelo de negócio.

Qual é a situação da proteção de crianças e adolescentes nas redes sociais?

Recentemente, houve um acordo entre a Câmara e o Senado para regular a presença de menores nas redes sociais, impondo obrigações às big techs para impedir o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos abusivos. As multas por descumprimento podem variar de R$ 10 a R$ 50 milhões.

Quais são os desafios enfrentados nos Estados Unidos em relação à regulamentação das plataformas digitais?

Nos Estados Unidos, o Congresso debate propostas de regulamentação, mas enfrenta obstáculos como o lobby da indústria e a Primeira Emenda, que protege a liberdade de expressão. Apesar disso, existem legislações específicas para abusos, como a proibição da propagação de imagens íntimas sem consentimento.

Qual é a visão de Schiffrin sobre o futuro da regulamentação das redes sociais?

Schiffrin acredita que o resto do mundo deve avançar com políticas ousadas para proteger o jornalismo de qualidade e a equidade digital, mesmo que os EUA optem por um caminho isolado em relação à regulamentação.

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