Big techs minam jornalismo e fortalecem discurso de ódio, diz especialista
Professora da Universidade de Columbia defende remuneração ao jornalismo profissional e regulamentação das redes sociais
Tecnologia e Ciência|Deborah Hana Cardoso
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Produzido pela Ri7a - a Inteligência Artificial do R7

As democracias enfrentam um desafio crescente que envolve poder econômico, influência política e a capacidade de moldar opiniões: as redes sociais. Surgidas no fim da década de 1990, com o site Six Degrees, e popularizadas por plataformas como Friendster (2002) e MySpace (2003), elas transformaram a comunicação global.
O que começou como ferramenta de interação virtual ampliou discursos de ódio, negacionismo científico, radicalismo político e práticas criminosas em ambiente digital.
Com o Facebook (2004) e, depois, o Twitter (2006), essa realidade tornou-se ainda mais evidente. O prestígio virtual passou a ser medido por números de seguidores e pelo alcance da influência.
Marcas internacionais buscaram esses personagens para campanhas de marketing, enquanto influenciadores passaram a negociar contratos para expandir seus ganhos.
Anya Schiffrin, professora de relações internacionais e públicas da Universidade de Columbia (EUA) e especialista em liberdade de imprensa e mídias sociais, afirmou ao R7 que enfrentar a desinformação exige fortalecer o jornalismo profissional.
“A informação de qualidade é um bem público. É essencial para a democracia, o progresso social. É feita para o debate justo”, declarou.
Para a acadêmica, as big techs minam a sustentabilidade da imprensa ao dificultar a remuneração de veículos responsáveis.
“As plataformas têm roubado conteúdo e propriedade intelectual, minando as bases financeiras do jornalismo e deixando essas organizações incapazes de financiar reportagens originais e de interesse público”, destacou.
Questionada sobre como diferenciar veículos sérios de páginas de desinformação, Schiffrin explicou: “O jornalismo profissional é marcado pela independência editorial, padrões éticos, verificação de fatos, transparência e responsabilidade pública. Os sites de notícias falsas não possuem isso”.
“A legislação deve ser elaborada para reconhecer organizações que produzem conteúdo verdadeiro e fornecer-lhes apoio financeiro e liberdade de expressão”, acrescentou.
Governo
Durante o governo de Jair Bolsonaro (2018-2022), dúvidas sobre o sistema eleitoral e sobre vacinas se espalharam em discursos, transmissões ao vivo e postagens em redes sociais. O então presidente chegou a afirmar que urnas eletrônicas, que o elegeram, não eram confiáveis — sem apresentar provas.
Em 2018, Bolsonaro derrotou Fernando Haddad no segundo turno com 55,13% dos votos válidos.
O período também foi marcado pela pandemia de Covid-19, responsável por quase 700 mil mortes no país. O Brasil, reconhecido por seu histórico em imunização, enfrentou atrasos devido à demora em contratos com farmacêuticas que desenvolveram vacinas.
Segundo Schiffrin, o caso brasileiro não é isolado. Para ela, a regulação das redes tornou-se essencial em todo o mundo.
“O tema se tornou urgente em diferentes lugares e momentos, mas para mim foi em 2016, quando Donald Trump venceu a eleição. Isso foi seguido pela saída do Reino Unido da União Europeia e pela eleição de Bolsonaro no Brasil. A partir daí, vimos a disseminação da desinformação sobre a Covid-19 e a resistência às vacinas”, afirmou.
Ela aponta que a situação piorou desde então e que décadas de trabalho para construir uma sociedade educada, equitativa, “baseada na verdade”, nas palavras dela, e na investigação científica estão sob ataque.
“A urgência em torno da regulamentação das redes sociais se intensificou à medida que autocratas, apoiados por grandes fortunas corporativas, começaram a minar as instituições democráticas”, disse.
Ela lembrou ainda a invasão do Capitólio nos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021 e, em paralelo, os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023.
“Naquele momento ficou claro que existe uma desinformação onipresente capaz de provocar violência”, afirmou.
Questionada sobre os lucros das plataformas digitais com conteúdos radicais, a especialista explicou que as plataformas de tecnologia lucram sistematicamente com a economia da atenção.
“O dinheiro flui onde a indignação e o extremismo irrompem, já que o discurso de ódio e a desinformação impulsionam o engajamento e os cliques em anúncios. As plataformas não são atores neutros e seu modelo de negócio depende de amplificar vozes divisivas”, analisou.
As notícias falsas, chamadas também de fake news, circulam em grande volume entre os usuários das redes sociais e aplicativos de mensagens, como o WhatsApp. O R7 entrevistou a advogada Patrícia Borsato, da Comissão de Direito Digital da OAB-SP e especi...
As notícias falsas, chamadas também de fake news, circulam em grande volume entre os usuários das redes sociais e aplicativos de mensagens, como o WhatsApp. O R7 entrevistou a advogada Patrícia Borsato, da Comissão de Direito Digital da OAB-SP e especialista em direito digital, para descobrir o que deve ser conferido antes de compartilhar um link
Legislação
No Brasil, episódios como esses não bastaram para acelerar a regulação das redes nem para garantir valorização do jornalismo. O Congresso Nacional continua dividido, enquanto o Marco Civil da Internet (2014) é considerado ultrapassado diante dos avanços tecnológicos.
O projeto de lei (PL 2630/20), conhecido como PL das Fake News, segue parado na Câmara dos Deputados. O relator, Orlando Silva (PCdoB-SP), não conseguiu avançar devido à resistência de parlamentares que alegam risco de censura.
Um dos principais opositores é Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder do Partido Liberal na Casa. Em 2023, quando o projeto não avançou, ele declarou em plenário: “[...] Sabem por que o PL das Fake News não foi pautado hoje? Porque aqui nesta Câmara há uma bancada de deputados conservadores de direita que não vão aceitar a censura neste país”.
Além desse texto, tramita um substitutivo relatado por Gervásio Maia (PSB-PB), que prevê remuneração às empresas jornalísticas tradicionais por parte das plataformas digitais.
Adultização
Outro debate recente sobre redes sociais envolve crianças e adolescentes. O influenciador digital Felipe Bressanim, conhecido como Felca, denunciou em vídeo conteúdos de exploração de menores usados para monetização.
O material de denúncia já superava 50 milhões de visualizações no YouTube até a data desta publicação.
Segundo Felca, toda a monetização, estimada em 2,5 milhões de reais, será doada a instituições de proteção da infância e adolescência.
O Jornal da Record mostrou o que é o dix, que é uma conta paralela e privada no Instagram, no qual o usuário coloca apenas os amigos mais próximos. Dessa forma, os pais não conseguem acompanhar o que os filhos falam ou postam. Diante desse cenário, o Jornal da Record mostra algumas dicas para proteger as crianças e os adolescentes na internet. Veja!
Após a repercussão, Câmara e Senado chegaram a acordo para regular a presença de menores nas redes. O texto aprovado pelos deputados impõe às big techs obrigações para impedir o acesso de crianças e adolescentes a plataformas digitais, além da remoção de conteúdos abusivos.
Multas variam de R$ 10 por usuário cadastrado até R$ 50 milhões. Em caso de descumprimento, as empresas poderão ter atividades suspensas temporária ou definitivamente.
Para Schiffrin, os danos ultrapassam conteúdos criminosos direcionados a predadores sexuais. “As redes sociais moldam a vida dos jovens de maneiras sem precedentes. Eles são expostos a um fluxo interminável de informações enganosas, imagens criadas para manipulá-los, recursos de design viciantes e ambientes onde os limites são tênues”, afirmou.
“A violência e a agressão pública online se infiltram na vida real, afetando a saúde mental e o desenvolvimento dos jovens”, completou.
Estados Unidos
O debate sobre regulação também mobiliza os Estados Unidos, berço das principais plataformas digitais. “O Congresso norte-americano debate propostas incessantemente, mas é impedido pelo lobby da indústria, pela desinformação estratégica e pela relutância em enfrentar os monopólios das plataformas”, explicou Schiffrin.
“O governo Trump chegou a propor a proibição da regulamentação de IA [Inteligência Artificial] em nível estadual e ameaçou aplicar ‘impostos de retaliação’ sobre países que tentam avançar com a tributação de serviços digitais”, disse.
Outro obstáculo é a Primeira Emenda da Constituição norte-americana, que impede a criação de leis que restrinjam a liberdade de expressão, de imprensa e religiosa.
Ainda assim, há legislações que tratam de abusos específicos, como a proibição da propagação de imagens íntimas sem consentimento — semelhante à Lei Carolina Dieckman (2012), em vigor no Brasil.
“O resto do mundo deve avançar com políticas ousadas, desenvolvendo regulamentações inteligentes para proteger o jornalismo de qualidade e a equidade digital, mesmo que os EUA optem pelo isolamento nesse sentido”, finalizou.
Perguntas e Respostas
Quais são os principais desafios que as democracias enfrentam atualmente?
As democracias enfrentam desafios relacionados ao poder econômico, influência política e a capacidade de moldar opiniões, especialmente devido às redes sociais. Essas plataformas, que surgiram no final da década de 1990, ampliaram discursos de ódio, negacionismo científico e radicalismo político.
Como as redes sociais impactaram a comunicação global?
As redes sociais transformaram a comunicação global ao medir o prestígio virtual por números de seguidores e alcance de influência. Isso levou marcas a buscar influenciadores para campanhas de marketing, alterando a dinâmica de interação virtual.
O que a professora Anya Schiffrin defende em relação ao jornalismo?
Anya Schiffrin, especialista em liberdade de imprensa, defende que é necessário fortalecer o jornalismo profissional para combater a desinformação. Ela afirma que a informação de qualidade é essencial para a democracia e que as big techs estão minando a sustentabilidade da imprensa ao dificultar a remuneração de veículos responsáveis.
Como diferenciar veículos de comunicação sérios de páginas de desinformação?
Schiffrin explica que o jornalismo profissional é caracterizado pela independência editorial, padrões éticos, verificação de fatos, transparência e responsabilidade pública, enquanto sites de notícias falsas não possuem essas características.
Qual é a situação da regulamentação das redes sociais no Brasil?
No Brasil, a regulamentação das redes sociais ainda é um tema debatido, com o projeto de lei conhecido como PL das Fake News parado na Câmara dos Deputados. O Congresso Nacional está dividido, e há resistência de parlamentares que temem a censura.
Quais são os impactos da desinformação nas redes sociais?
A desinformação nas redes sociais tem provocado consequências graves, como a disseminação de dúvidas sobre o sistema eleitoral e vacinas, além de contribuir para a violência, como evidenciado pela invasão do Capitólio nos EUA e os ataques em Brasília.
Como as plataformas digitais lucram com conteúdos radicais?
As plataformas digitais lucram com a economia da atenção, onde o discurso de ódio e a desinformação geram engajamento e cliques em anúncios. Isso demonstra que as plataformas não são neutras e dependem de vozes divisivas para seu modelo de negócio.
Qual é a situação da proteção de crianças e adolescentes nas redes sociais?
Recentemente, houve um acordo entre a Câmara e o Senado para regular a presença de menores nas redes sociais, impondo obrigações às big techs para impedir o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos abusivos. As multas por descumprimento podem variar de R$ 10 a R$ 50 milhões.
Quais são os desafios enfrentados nos Estados Unidos em relação à regulamentação das plataformas digitais?
Nos Estados Unidos, o Congresso debate propostas de regulamentação, mas enfrenta obstáculos como o lobby da indústria e a Primeira Emenda, que protege a liberdade de expressão. Apesar disso, existem legislações específicas para abusos, como a proibição da propagação de imagens íntimas sem consentimento.
Qual é a visão de Schiffrin sobre o futuro da regulamentação das redes sociais?
Schiffrin acredita que o resto do mundo deve avançar com políticas ousadas para proteger o jornalismo de qualidade e a equidade digital, mesmo que os EUA optem por um caminho isolado em relação à regulamentação.
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