Para tentar evitar um desastre climático, Bill Gates financia uma startup de energia nuclear
Empresa criada pelo ex-chefe da Microsoft promete criar reatores muito mais baratos e econômicos, mas ainda precisam ser aprovados
Tecnologia e Ciência|Brad Plumer, do The New York TImes
Nas proximidades de uma pequena cidade carbonífera no sudoeste do Wyoming, está em andamento um esforço multibilionário para construir a primeira de uma nova geração de usinas nucleares nos Estados Unidos.
Na terça-feira (18), teve início a construção de um novo tipo de reator nuclear, que deve ser menor e mais barato do que os imensos reatores antigos e concebido para produzir eletricidade sem o dióxido de carbono que está aquecendo rapidamente o planeta.
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O reator que está sendo construído pela startup TerraPower não será concluído antes de 2030, no mínimo, e enfrenta obstáculos assustadores. A Comissão Reguladora Nuclear ainda não aprovou o projeto, e a empresa terá de superar os inevitáveis atrasos e custos excedentes que já frustraram inúmeros projetos nucleares.
O que a TerraPower tem, no entanto, é um fundador influente e com muitos recursos. Bill Gates, atualmente classificado como a sétima pessoa mais rica do mundo, investiu mais de US$ 1 bilhão de sua fortuna na TerraPower, valor que ele espera ampliar. “Quem se preocupa com o clima sabe que há inúmeros locais no mundo onde a energia nuclear precisa ser usada. Não estou envolvido na TerraPower para ganhar mais dinheiro, e sim porque precisamos construir um grande número desses reatores”, disse Gates durante uma entrevista perto do local do projeto na segunda-feira.
Ex-diretor da Microsoft, Gates declarou acreditar que a melhor maneira de superar os desafios da mudança climática é por meio de inovações que tornem a energia limpa competitiva em relação aos combustíveis fósseis, filosofia que ele descreveu em seu livro de 2021, “Como Evitar um Desastre Climático”.
A energia nuclear tem despertado um novo interesse em todo o território norte-americano. Várias startups estão disputando a construção de uma leva de reatores menores e o governo Biden vem oferecendo créditos tributários elevados para novas usinas.
As esperanças em relação ao projeto da TerraPower são especialmente altas entre os três mil residentes das cidades vizinhas de Kemmerer e Diamondville, no estado do Wyoming. Durante décadas, a economia local dependeu de uma usina de energia movida a carvão e de uma mina adjacente. No entanto, o fechamento dessa usina está programado para 2036, já que o país está buscando retirar o carvão de sua matriz energética.
Um novo reator poderia oferecer uma salvação, bem como os empregos que o acompanham. “Há alguns anos, quando se falava que perderíamos a mina de carvão e a usina de energia, a cidade não estava feliz. O reator representa uma oportunidade para nós”, afirmou Mary Crosby, moradora de Kemmerer e funcionária pública que trabalha redigindo propostas de subsídios.
Em uma conferência recente em Nova York, David Crane, subsecretário de infraestrutura do Departamento de Energia, declarou que fazia dois anos que realmente não via argumentos a favor dos reatores de próxima geração. Mas disse que, à medida que a demanda por eletricidade aumenta em razão dos novos centros de processamento de dados, das fábricas e dos veículos elétricos, se tornou “muito otimista” em relação à energia nuclear como fonte de energia livre de carbono 24 horas por dia, sem a necessidade de muito espaço. “O desafio é a construção das usinas. Nada do que estamos tentando fazer é fácil.”
Um novo tipo de reator
Gates começou a se interessar pela energia nuclear no início dos anos 2000, depois que os cientistas o convenceram de que era necessário ter grandes quantidades de eletricidade livre de emissões para combater o aquecimento global. Ele não acreditava que as energias eólica e solar, que não estão disponíveis o tempo todo, seriam suficientes.
“A energia eólica e a solar são absolutamente fantásticas, e precisamos desenvolvê-las o mais depressa possível, mas a ideia de que não precisamos de nada além disso é muito improvável”, afirmou o empresário, questionando: como Chicago aqueceria suas casas durante os longos períodos de inverno com pouco vento e pouco sol?
Um problema com a energia nuclear, no entanto, é que ela se tornou excessivamente cara. Os reatores tradicionais são projetos enormes, complexos e rigorosamente regulamentados, difíceis de construir e financiar. Os dois únicos reatores americanos construídos nos últimos 30 anos, as Unidades 3 e 4 de Vogtle, na Geórgia, custaram US$ 35 bilhões, mais do que o dobro das estimativas iniciais, e foram inaugurados com sete anos de atraso.
Gates está apostando que uma tecnologia radicalmente diferente será de grande ajuda. Em parceria com a TerraPower, financiou uma equipe de centenas de engenheiros para reprojetar uma usina nuclear do zero.
Atualmente, todas as usinas nucleares dos EUA usam reatores de água leve, nos quais a água é bombeada para o núcleo do reator e aquecida pela fissão atômica, produzindo vapor para gerar eletricidade. Como a água é altamente pressurizada, essas usinas precisam de tubulações pesadas e escudos de contenção grossos para proteger contra acidentes.
O reator da TerraPower, por outro lado, usa sódio líquido em vez de água, o que lhe permite operar em pressões mais baixas. Em teoria, isso reduz a necessidade de blindagem espessa. Em uma emergência, a usina pode ser resfriada com saídas de ar em vez de complicados sistemas de bombas. O reator tem apenas 345 megawatts, um terço do tamanho dos reatores de Vogtle, o que demanda um investimento menor.
Segundo Chris Levesque, CEO da TerraPower, seus reatores devem chegar a produzir eletricidade pela metade do custo das usinas nucleares tradicionais: “Essa é uma usina muito mais simples, o que nos dá um benefício tanto de segurança quanto de custo.”
O projeto da TerraPower tem outro recurso exclusivo. A maioria dos reatores não consegue ajustar facilmente sua saída de energia, o que dificulta sua integração com a produção flutuante dos parques eólicos e solares. O reator da TerraPower terá uma bateria de sal fundido que permite que a usina aumente ou diminua a potência conforme necessário. “Isso contribui para a economia. Podemos armazenar energia e depois vendê-la para a rede quando ela tiver um valor mais alto”, observou Levesque.
Mesmo assim, ainda não se sabe se a TerraPower conseguirá reduzir os custos. Em 2022, a empresa estimou que seu reator Kemmerer custaria US$ 4 bilhões, com o Departamento de Energia contribuindo com até US$ 2 bilhões. Esse valor já é mais alto do que o de usinas modernas a gás ou de energia renovável, e os custos podem aumentar ainda mais.
Custo elevado
As tentativas mais recentes de construir usinas nucleares foram prejudicadas por atrasos e despesas imprevistas, informou David Schlissel, diretor do Instituto de Economia de Energia e Análise Financeira. No ano passado, outra startup em Idaho, a NuScale, abandonou os planos de construir seis pequenos reatores de água leve depois de enfrentar dificuldades com o aumento dos custos. “Não há provas de que esses pequenos reatores vão ser construídos mais rapidamente ou a um custo menor do que os maiores”, afirmou Schlissel, argumentando que as empresas de serviços públicos deveriam priorizar investimentos mais seguros, como energia eólica e solar e baterias.
Gates admitiu que é provável que a primeira usina da TerraPower seja especialmente cara, uma vez que a empresa está aprendendo a trabalhar. Mas, segundo ele, pode absorver esse risco financeiro de uma forma que as empresas de serviços públicos e os órgãos reguladores não podem. (Além de Gates, a TerraPower levantou US$ 830 milhões de investidores externos.)
A empresa garante que, se conseguir superar os obstáculos iniciais e construir vários reatores, será capaz de reduzir os custos para se tornar economicamente competitiva. “Estamos assumindo esse risco e, como nosso projeto é muito bom, estamos confortáveis com isso. Mas efetivamente precisamos de um grande volume de recursos”, reconheceu Gates.
Próximos desafios
Em março, a TerraPower apresentou à Comissão de Regulamentação Nuclear um requerimento de 3.300 páginas para obtenção de uma licença de construção do reator, mas a análise vai levar pelo menos dois anos. A empresa precisa convencer os órgãos reguladores de que seu reator resfriado a sódio não requer muitas das onerosas medidas de segurança exigidas para os tradicionais reatores de água leve. “Isso vai ser um desafio”, comentou Adam Stein, diretor de inovação nuclear do Instituto Breakthrough, organização de pesquisa pró-nuclear.
A usina da TerraPower foi projetada de modo que os principais componentes, como as turbinas a vapor que geram eletricidade e a bateria de sal fundido, fiquem fisicamente separados do reator, onde ocorre a fissão. A empresa afirma que essas partes não precisam de aprovação regulatória e podem começar a ser construídas mais cedo.
Um obstáculo maior pode ser a aquisição de combustível, já que atualmente a Rússia é o único fornecedor do urânio enriquecido especializado que a TerraPower utiliza. Embora o Congresso tenha alocado US$ 3,4 bilhões para promover o fornecimento doméstico de combustível, isso ainda vai levar tempo.
A empresa já tem um cliente: a PacifiCorp, que fornece energia em seis estados do Oeste, planeja comprar eletricidade do primeiro reator da TerraPower e manifestou interesse em outros reatores depois desse. A concessionária diz que qualquer custo excedente será pago pela TerraPower, e não pelos usuários. Mas esse acordo ainda não foi finalizado, e alguns críticos se preocupam com o impacto sobre a conta de luz das residências.
“É normal que as pessoas sejam céticas, porque a energia nuclear já falhou várias vezes. Muitas coisas podem dar errado ou nos atrasar. Mas é um projeto tão importante que estou basicamente assumindo seu custo financeiro. Eu o vejo como totalmente diferente de todos os outros projetos de fissão que estão sendo executados”, concluiu Gates.
c. 2024 The New York Times Company