Defesa de médica suspeita de eutanásia quer que Justiça anule transcrições de escutas telefônicas
Degravações supostamente erradas foram usadas para justificar o pedido de prisão da médica
Cidades|Fernando Mellis, do R7
A defesa da médica Virgínia Helena Soares de Souza, de 56 anos, pediu à Justiça que anule as transcrições de conversas telefônicas interceptadas dela com funcionários do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba. A Polícia Civil do Paraná supostamente errou ao passar para o papel a palavra “raciocinar”, que foi escrita como “assassinar”. Esse trecho foi usado para justificar o pedido de prisão da médica, que está na cadeia desde o dia 19 de fevereiro. Virgínia é suspeita de eutanásia. A polícia diz que ela antecipava a morte de pacientes internados na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) que chefiava.
Segundo o advogado que defende Virgínia, Elias Mattar Assad, a transcrição das conversas telefônicas é uma prova ilícita.
— Isso é crime de falsa perícia. Como é que nós vamos admitir que um perito iria se enganar desse jeito?
A polícia corrigiu o suposto erro, mas isso não convenceu a defesa. Assad quer que todas as transcrições sejam retiradas do inquérito e refeitas. Ele acredita que possam existir outros equívocos.
— O que nos preocupa é a transcrição deturpada e mal intencionada. O que está nas gravações não nos preocupa.
Ele também quer confrontar as cópias dos prontuários médicos das supostas vítimas da médica com os originais. Para isso, o defensor enviou uma carta ao Hospital Universitário Evangélico pedindo acesso aos documentos. A suspeita é de que algumas cópias possam ter sido adulteradas. No entando, o hospital disse que os originais foram apreendidos pela polícia e que agora estão com o Ministério Público.
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Os laudos que constam no inquérito foram enviados por Assad a médicos especialistas em UTI que, segundo ele, não constataram qualquer conduta antiética ou criminosa de Virgínia.
Na segunda-feira (4) a polícia deve concluir a investigação e fazer um relatório final, antes de enviar o inquérito a Justiça. O advogado disse que vai, no mesmo dia, apresentar ao menos oito erros, que ele considera gravíssimos, no trabalho da polícia.
O inquérito do caso tem mais de mil páginas e é baseado, principalmente, em relatos de funcionários e ex-funcionários que trabalharam com a chefe da UTI. Essas pessoas contaram à polícia que viam a médica desligar aparelhos e usar medicamentos que diminuam a respiração dos pacientes.
A chefe da UTI aguarda o julgamento de um pedido de habeas corpus, que o advogado dela apresentou na quarta-feira (27), no Tribunal de Justiça do Paraná. O CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná) também investiga o caso.
Entenda o caso
A chefe da UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (PR), um dos mais importantes do Paraná, foi presa no dia 19 de fevereiro por policiais do Núcleo de Repressão aos Crimes Contra a Saúde. Virgínia Helena Soares de Souza, de 56 anos, é suspeita de ter praticado eutanásia — antecipar a morte de pacientes internados na unidade.
As investigações começaram há um ano, após denúncias de funcionários do próprio hospital, que é considerado um dos mais importantes da cidade. Ela foi indiciada por homicídio qualificado, por não haver chance de defesa das vítimas.
Virgínia chefiava, desde 2006, a UTI geral do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba. O setor fica no quarto andar do prédio, local onde a vigilância sanitária encontrou, em 2012, cinzeiros com cinzas e também bitucas de cigarro.
Em nota divulgada no dia da prisão, o Hospital Universitário Evangélico disse que abriu sindicância interna para apurar os fatos, que reconhece a competência profissional de Virgínia e que “desconhece qualquer ato técnico dela que tenha ferido a ética médica”. Toda a equipe do setor foi trocada.
Também por meio de nota, a médica se disse vítima de ex-funcionários. O filho dela, Leonardo Marcelino, e o advogado, Elias Mattar Assad, disseram que tudo “é um grande erro da polícia” e que as denúncias “são baseadas em depoimentos e não em provas”.
Apesar de estar na UTI do hospital desde 1998 e chefiar o setor há sete anos, Virgínia não era especialista na área. Segundo a polícia, quem assinava por ela como chefe da unidade era outro médico. Ela assumiu o cargo, que era do marido, depois que ele morreu.
No dia 23 de fevereiro, a Justiça expediu quatro mandados de prisão para três médicos e uma enfermeira. Os anestesistas Edson Anselmo da Silva Júnior, Maria Israela Boccato e Anderson de Freitas foram levados à delegacia no mesmo dia. A enfermeira Laís Grossi se apresentou no dia 25 do mesmo mês.
Os médicos presos negam qualquer conduta antiética e foram orientados pelo advogado de Virgínia a ficarem calados. Foi iniciada uma investigação dentro do hospital, inclusive com membros do Ministério da Saúde, para constatar eventuais irregularidades praticadas pela médica ou por outros profissionais.
Nove dias após ser presa, Virgínia Helena foi transferida do Centro de Triagem para o presídio feminino de Piraquara, cidade na região metropolitana de Curitiba. Junto com ela, foi a médica Maria Israela Boccato, também suspeita de envolvimento nas mortes.