Logo R7.com
Logo do PlayPlus
Publicidade

Graças a diretor, preso do Carandiru vê mãe morta e se regenera

Casa de Detenção de São Paulo, demolida por Geraldo Alckmin, foi palco de histórias violentas e também de redenção

Arquivo Vivo|Renato Lombardi

Presidiário reencontrou sua mãe pela última vez no Carandiru
Presidiário reencontrou sua mãe pela última vez no Carandiru Presidiário reencontrou sua mãe pela última vez no Carandiru

Durante muitos anos frequentei a Casa de Detenção do Carandiru que acabou sendo implodida pelo governador Geraldo Alckmin e virou o Parque da Juventude. Um dos muitos diretores daquele presídio onde ocorreu o massacre de 111 presos em outubro de 1992, foi Luiz Camargo Wolfmann, o Luizão, que morreu em 2012. Ele tinha centenas de histórias, algumas inclusive retratadas num livro. Mas uma delas me marcou muito.

Com capacidade para no máximo 3 mil presos, a Casa de Detenção chegou a ter mais de 7 mil e Luizão sabia como ninguém controlar aquela massa. Lutador de boxe, montara uma academia e muitas vezes subia no ringue para trocar socos com os detentos. Durante a semana saia com os presos que gostavam de lutar para vê-los desafiar outros lutadores no clube CMTC — da Companhia Municipal de Transportes Coletivos —, onde ocorria o campeonato de boxe de São Paulo. Alguns presos chegaram a ser campeões, a chamada Forja de Campeões.

Mas a história que quero contar sobre Luizão é a maneira como ele conduzia um lugar recheado de matadores, ladrões, traficantes, gente altamente perigosa. Num começo de tarde, um operário foi até o presídio e implorou para falar com o diretor. Precisava contar ao irmão, condenado a mais de 30 anos, que a mãe tinha morrido. A insistência valeu. Luizão conversou com o rapaz, mandou chamar o preso que estava no Pavilhão 8, o dos reincidentes, e os irmãos se abraçaram e choraram. O detento estava na cadeia havia mais de dez anos, era um dos lutadores de boxe, e não via a mãe há muito tempo porque ela, doente, não podia mais suportar as horas e horas de fila nas visitas dos domingos.

— Doutor, disse o preso, quero ver a minha mãe pela última vez. Por favor.

Publicidade

Não tinha como tirar o condenado do presídio. Era preciso ordem do juiz corregedor, do secretário da Administração Penitenciária. O enterro estava marcado para o fim da tarde e Luizão teve a ideia de levar o corpo ao presídio. Telefonou para a funerária. O enterro estava marcado para o cemitério da Vila Formosa. O corpo velado no bairro da Casa Verde. Depois de vários telefonemas, Luizão acertou com a Funerária e o carro com o corpo fez uma parada na Detenção. Quando se atravessava o portão central, os carros passavam por outros dois portões com grades até chegar ao pátio que era chamado pelos detentos e pelos funcionários de Divinéia. Ali ficava um viveiro com pássaros, plantas, tinha também um setor de revistas. O condenado pode velar a mãe por meia hora na presença do irmão e do motorista do carro fúnebre.

Depois da saída do corpo do presídio, o detento agradeceu a Luizão e disse-lhe que ele seria grato pelo resto de sua vida e a partir daquele dia tinha um grande aliado na cadeia. E cumpriu com a promessa. Seis meses depois, com as informações dele, Luizão conseguiu abortar uma fuga do Pavilhão 7 preparada por um grupo de ladrões de bancos.

Publicidade

A ideia era explodir a muralha que dava para um riacho. Além de transferir os presos que faziam parte do esquema, as informações permitiram à polícia prender os que estavam em liberdade com mais de 20 quilos de dinamite. Naquela época dinamite era coisa rara em poder dos criminosos bem diferente dos dias de hoje com os ladrões explodindo em São Paulo de um a três caixas eletrônicos todos os dias. Indicava ainda ao diretor sobre a ação dos grupos formados no presídio. O preso, anos depois, saiu em liberdade condicional e numa tarde de domingo, Luisão e sua família foram almoçar num restaurante da zona norte da capital. O garçom que foi atender a mesa, disse Luisão, não era estranho. Cabelos compridos, amarrados em forma de "rabo de cavalo", assim que entregou o cardápio reconheceu o diretor.

— Faz tempo que está trabalhando aqui, perguntou Luisão

— Faz um ano, doutor. Sou sócio. Deixei a cadeia, estudei administração, montei uma empresa de informática, ganhei dinheiro e comprei este restaurante. O sócio também era um ex-presidiário. Luisão me contou que fez questão de pagar a conta e saiu orgulhoso de ver a recuperação de uma pessoa que ele nem imaginava.

Últimas

Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.