Com pouco mais de R$ 800, cubana do Mais Médicos diz que tem “vida muito modesta" no Brasil
Santa Esther trabalha em posto de saúde de Embu-Guaçu, em São Paulo, desde novembro
Retrospectiva 2013|Vanessa Sulina, do R7*
Há pouco mais de três meses, a cubana Santa Esther Gonzalez, 49 anos, desembarcava no Brasil para levar uma nova vida: atender pacientes pelo Mais Médicos. Apesar de ainda patinar no português e contar com uma espécie de tradutora para atender os pacientes da UBS (Unidade Básica de Saúde) Paulo Maneta, em Embu-Guaçu, São Paulo, ela diz que não “se sente estranha” no País. Além da médica ginecologista, mais três cubanas atendem no local. No Brasil, já são mais de 3.500 estrangeiros atuando pelo programa.
Apesar de estar em São Paulo, Santa Esther conta que saiu de Havana (Cuba) em agosto com o sonho de trabalhar na Amazônia. Vivendo com pouco mais de R$ 800 por mês e com uma “vida muito modesta”, a simpática médica cubana conversou com o R7 na segunda-feira (2) e falou sobre o Mais Médicos, a vida no posto de saúde e sua rotina no Brasil.
R7 — Como e quando soube do programa Mais Médicos?
Santa Esther — Fiquei sabendo em Cuba mesmo. Eles [governo] perguntaram se nós [médicos] gostaríamos de ir para o Brasil. Então, eu disse quero ir porque não conhecia o Brasil. Em Cuba se vê muitas novelas e filmes do Brasil. Sempre gostei de ver tudo. Somos muito parecidos, me chamava atenção o samba, o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro.
R7 — Como foi sua chegada ao País?
Santa Esther — Todo programa quando começa tem problema de implantação, mas aqui no Brasil a adaptação foi boa. Os professores nos trataram em todo o momento para que todos nós nos sentíssemos bem. Tive um bom acolhimento e me sinto satisfeita por isso.
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R7 — Como estão os atendimentos? Os pacientes gostaram de você?
Santa Esther — Estão gostando porque estão sendo atendidos. Antes, as consultas demoravam quatro meses para serem agendadas. Agora, posso atender ou agendar em um mês. Acredito que o próximo ano será melhor, porque teremos mais médicos e a consulta vai melhorar muito.
R7 — O que você tem achado do Brasil? Está gostando?
Santa Esther — O Brasil é muito grande, mas não sabia que era tinha tantos Estados. Não pensei que em Embu- Guaçu, um lugar tão perto de São Paulo era tão carente de médico. Quando cheguei aqui senti muito frio e peguei muita chuva, não vim preparada para tanto frio [risos]. Pensava que no Brasil o inverno era verão, mas não é não.
O Brasil é um lugar que todas as pessoas querem conhecer, por sua diversidade, já que é o único pais da América Latina que fala português e também tem a economia muito desenvolvida. Quando vi que era para ajudar pessoas mais necessitadas, mais pobres.
R7 — E o português? Está tendo dificuldades?
Santa Esther — Dificuldades sempre tenho. Sempre existe uma palavra que eu não sei. Tem uma enfermeira que fica comigo e me ajuda. Se tenho dúvida sobre um encaminhamento, todos me ajudam. Não me sinto uma estranha aqui. Me sinto incluída.
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R7 – Você queria vir para São Paulo?
Santa Esther — Na verdade, queria ir para a Amazônia. Sagitarianas como eu gostam as viagens, explorar lugares, ver [risos]. Mas quem sabe ainda não vou. Fiquei três dias em São Paulo [capital] e me levavam para o hotel a noite e eu ficava com medo, via muita gente. A noite era cheio como se fosse de dia.
R7 – A cultura cubana é parecida com a brasileira?
Santa Esther — Os alimentos têm muito molho, muitos condimentos. Aqui se usa muita pimenta, muita farinha. Em Cuba não, mas a comida é deliciosa. Já engordei seis quilos só em Brasília.
R7 — Fora do expediente. O que a senhora gosta de fazer?
Santa Esther — Quando eu ficava sozinha a Suzana [coordenadora de enfermagem de Saúde] me chamava para ir para a casa dela. Vou à igreja. Quando estou trabalhando, almoço aqui. E a tarde vou à padaria de Embu-Guaçu.
R7 — A senhora deixou família em Cuba?
Santa Esther — Sim. Minha mãe, de 93 anos, irmã e sobrinhos. Não sou casada...
R7 — Tem vontade de trazer eles para o Brasil?
Santa Esther —. Os cubanos vieram sozinhos. Por agora, não posso ir tenho que esperar as férias chegarem. Tem gente de outros países que trouxeram a família completa.
R7 — Já trabalhou em outro país?
Santa Esther — Venezuela oito anos e Paquistão (2005) por seis meses quando houve um terremoto.
R7 — O que te atraiu mais no Mais Médicos? O salário te ajudou a querer vir?
Santa Esther — Não é uma mentira que queríamos estar aqui por internacionalismo, nós nos formamos para ajudar ao próximo, fazer ação humanitária, estar onde seja necessário estar para ajudar ao pobre. Também estamos para ajudar o nosso pais. Estamos aqui para ajudar nosso país, nossa pátria, minha formação foi gratuita, não paguei nada para a escola de medicina. Nós não temos nada como o Brasil, que tem minério, petróleo, tudo. Nós temos médicos, e então exportamos. Também vim para ajudar a minha família. Isso não é mentira.
R7 — Sabemos que boa parte do sobra do salário de R$ 10 mil que vocês recebam vai para Cuba. Dá para sobreviver aqui com que sobra?
Santa Esther — Sobram R$ 2.300 para mim. Desses, 1.200 vão para a minha família e fico com pouco mais de R$ 800. O governo dá a moradia, alimentação e o transporte. Até agora tudo está bem. É uma vida muito modesta, muito, muito modesta.
R7 — E o futuro? O Brasil é País para se viver para o resto da vida?
Santa Esther — Se vive bem aqui, só tem a violência. Mas Embu-Guaçu é tranquila. Adoro a tranquilidade, as pessoas são muito humildes, muito dadas, aceitam. São pessoas muito boas, trabalhadoras. Não é bairro de rico, milionário, são pessoas trabalhadoras...
R7 — Qual sua avaliação sobre o Mais Médicos?
Santa Esther — Não viemos ocupar a vaga do trabalho de ninguém, viemos para onde o médico brasileiro não quer trabalhar.
*Colaborou Camila Savioli, estagiária do R7