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Roraima deixou de gastar R$ 58 milhões na saúde em 2017, diz MP

Ministério Público de RR chegou a pedir a prisão do secretário de Saúde por descaso com o hospital de Pacaraima, cidade afetada pela crise na Venezuela

Brasil|Diego Junqueira e Márcio Neves, do R7

Hospital de Pacaraima tem esgoto e fezes na cozinha
Hospital de Pacaraima tem esgoto e fezes na cozinha

Em meio à crise social e humanitária provocada pelo intenso fluxo de imigrantes venezuelanos, o Estado de Roraima deixou de gastar, no ano passado, R$ 58,4 milhões em recursos públicos que já estavam destinados para a área da saúde.

O valor consta em ação ajuizada em maio pelo Ministério Público de Roraima contra o governo estadual. No documento, obtido com exclusividade pelo R7, o MP cobra melhorias no serviço prestado pelo Hospital Délio Tupinambá, em Pacaraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela.

A cidade vive sob tensão há quase duas semanas, após a brutal agressão a um comerciante local levar ao ataque a refugiados em situação de rua, com a expulsão de 1.200 deles do Brasil.

O R7 visitou o hospital na semana passada e denunciou a situação de descaso em reportagem publicada na segunda-feira (27).


Único hospital disponível para 33 mil habitantes de três cidades (12,3 mil em Pacaraima, 11,5 mil em Amajari e 9,8 mil em Uiramutã), a unidade opera atualmente de forma parcial, com serviços limitados à população, enquanto cresce de forma acelerada o número de atendimentos em razão do fluxo de imigrantes.

A reportagem observou no local infiltrações, fiação exposta, sujeira e esgoto na cozinha (que está desativada), laboratório precário e falta de insumos, que limitam a realização de exames (apenas hemogramas são feitos). A área destinada ao centro cirúrgico foi transformada em sala de partos. Funcionários de limpeza terceirizados relataram pagamentos irregulares de salários.


Galeria: Hospital de Pacaraima tem esgoto na cozinha e fezes de insetos

Sem mencionar falhas nos geradores de energia, frequentemente acionados em razão do alto número de apagões na região. Há duas semanas, uma venezuelana em missão empresarial na fronteira morreu durante um apagão de 24 horas porque não foi possível acionar o desfibrilador.


De acordo com a ação do MP, o Fundo Estadual de Saúde de Roraima arrecadou R$ 640,4 milhões em 2017, oriundos de impostos e transferências constitucionais da União, incluindo os repasses do SUS. No entanto, a gestão da governadora Suely Campos (PP) gastou em saúde pública um total de R$ 581,8 milhões, deixando R$ 58,4 milhões sem uso.

“Houve uma sobra de quase R$ 60 milhões, que possivelmente tiveram destinação diversa da prevista em lei. Noutras palavras, dinheiro há, o que não existe é vontade de mudar a realidade”, escreve na ação o então promotor de Justiça de Pacaraima, Masato Kojima.

De acordo com a ação, o atendimento é realizado por apenas dois médicos generalistas e nenhum médico especialista, o que obriga a população a buscar atendimentos específicos (como de ginecologia, pediatria e cardiologia) em Boa Vista, a 200 km de distância.

“Com uma sobra anual equivalente a R$ 60 milhões, como se pode tolerar a inexistência de médicos especialistas nesta cidade? Como se pode aceitar que inexistam máquinas de ultrassonografia ou de ressonância magnética? Como tolerar que no hospital estadual não existe uma única ambulância?”, escreve Kojima.

Centro cirúrgico foi transformado em sala de partos
Centro cirúrgico foi transformado em sala de partos

Liminar obrigou Estado a tomar medidas urgentes

Ainda em maio, o juiz Jaime Pla Pujades de Ávila, da Comarca de Pacaraima, aceitou parte dos pedidos do MP e obrigou o governo de Roraima a resolver os problemas da unidade, em caráter de urgência, com a esterilização e limpeza do interior do hospital e do terreno na área externa, regularização do estoque de alimentos, abastecimento da farmácia e da enfermaria, garantia de médicos especialistas ao menos uma vez na semana e providência de duas ambulâncias.

O MP chegou a pedir à Justiça a prisão do então secretário de saúde, Ricardo de Queiroz Lopes, mas antes de sair a decisão da primeira instância, o governo estadual conseguiu um efeito suspensivo da ação na segunda instância, o que na prática paralisou também o cumprimento da liminar, que vinha sendo executado parcialmente pelo governo estadual.

“A situação do hospital ainda está longe do ideal, mas melhorou a limpeza e a disponibilização de alimentos e do material de limpeza. Com relação aos medicamentos, não foram todos, mas parte da lista foi devidamente reposta”, afirma Lincoln Zaniolo, que há dois meses assumiu a Promotoria de Justiça em Pacaraima e se tornou responsável pela ação.

Conforme verificado pela reportagem do R7 na última sexta-feira (24), Zaniolo conta que a cozinha do hospital segue desativada pois, “no estado em que se encontra, não tem condição nenhuma de fazer nada”.

Sobre os médicos especialistas, a Sesau (Secretaria Estadual de Saúde de Roraima) passou a enviar apenas pediatra, oftalmologista e ginecologista a cada 15 dias, de acordo com o promotor. Com relação à ambulância, apenas uma chegou ao local, cedida pelo Corpo de Bombeiros.

“A verdade é que o hospital efetivamente não comporta o atendimento à população local, que foi acentuado pela crise migratória da Venezuela. O objetivo da ação é amenizar os impactos da crise e justamente fazer com que o Estado forneça o serviço adequado de saúde. Mas os problemas do hospital vêm de muito antes da crise migratória”, diz Zaniolo.

O então secretário Queiroz Lopes, de quem o MP pediu a prisão, deixou o cargo há duas semanas e foi substituído por Antônio Leocádio Vasconcelos Filho. Ele é o quarto a gerir a Sesau somente em 2018. Os outros dois secretários foram Marcelo Batista e Paulo Linhares.

Com a cozinha desativada, as refeições são preparadas na casa de uma funcionária
Com a cozinha desativada, as refeições são preparadas na casa de uma funcionária

Disputa política

O serviço de atendimento à saúde em Pacaraima e em toda Roraima está no meio de uma disputa política travada entre Brasília e Boa Vista, em razão da alta no atendimento aos venezuelanos.

Em todo o Estado, o número de venezuelanos atendidos saltou de 700, em 2014, para 50 mil no ano passado, segundo dados da Sesau. No Délio Tupinambá, os atendimentos passaram de 5.791, em 2016, para 10.368 somente no primeiro semestre deste ano — sendo 6.509 de venezuelanos, ou 63% do total.

A governadora Suely Campos (PP), candidata à reeleição em outubro, pede que a União ressarça o Estado em R$ 184 milhões por gastos extras com os venezuelanos nas áreas de saúde, segurança e educação.

Desse montante, R$ 70 milhões corresponderiam aos 50 mil atendimentos a venezuelanos em 2017. Suely também pede a instalação de um hospital de campanha em Boa Vista, unidade do Exército com serviços complexos, como centro cirúrgico e UTI.

Governadora Suely Campos quer R$ 184 milhões em ressarcimento da União
Governadora Suely Campos quer R$ 184 milhões em ressarcimento da União

Em visita a Pacaraima na última quinta-feira (23), o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, declarou que a União repassou mais de R$ 180 milhões a Roraima e que R$ 70 milhões ainda estavam disponíveis nos cofres estaduais, não gastos.

A gestão estadual rebateu a informação no mesmo dia e disse que “todos os recursos recebidos pelo Estado foram transferências obrigatórias ou decorrentes de emendas parlamentares a que o povo de Roraima tem direito, independente da crise migratória. O pedido de ressarcimento de R$ 184 milhões ao governo federal é um aporte extra, requerido justamente para compensar os gastos já efetuados no atendimento aos imigrantes, para aliviar a tensão no serviço de saúde, que sofre com a falta de leitos e de medicamentos”, segundo nota da Secom (Secretaria de Comunicação de Roraima).

O R7 entrou em contato com a Sesau e a Secom na noite desta terça-feira (28) e aguarda um posicionamento.

Na segunda-feira passada (27), após a denúncia sobre as condições do hospital, a Secom informou que “já está tomando providências para que a cozinha do Hospital Délio de Oliveira Tupinambá, em Pacaraima, volte a funcionar normalmente”.

A nota diz ainda: “Sobre o centro cirúrgico, a secretaria esclarece que a baixa demanda registrada na unidade desde que foi inaugurada tornou inviável manter o local em funcionamento, considerando que esta é uma unidade de médio porte”.

De acordo com a Secom, o “Estado está trabalhando para que o laboratório passe a funcionar em sua totalidade para atender a demanda da unidade. Anteriormente, o gerador do hospital de Pacaraima era de acionamento manual, toda vez que faltava energia na unidade, um servidor da empresa responsável pelo grupo gerador das unidades de saúde era acionado para colocar o gerador em funcionamento. Atualmente, o grupo gerador foi automatizado e quando ocorrem quedas de energia, entra em funcionamento de imediato”.

A Secretaria de Comunicação explica ainda que “a construção de um Hospital de Campanha se deve ao fato do grande aumento no número de atendimentos na unidade, conforme dados já repassados, e a responsabilidade do governo federal nas políticas de acolhimento de refugiados que entram no Brasil”.

Hospital de Pacaraima tem esgoto na cozinha e fezes e insetos. R7 entrou no local e fez fotos. Veja abaixo

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