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Veja o que a CPI da Covid já sabe e focos da investigação após 3 meses

Comissão se dividiu em 7 núcleos que incluem denúncias de corrupção e temas como negacionismo e atraso por vacinas

Brasil|Márcio Pinho, do R7

Senadores participam de reunião da CPI da Covid em junho
Senadores participam de reunião da CPI da Covid em junho

A CPI da Covid completa três meses de existência nesta semana e se prepara para voltar do recesso de 14 dias com novos depoimentos no dia 3 e com o desafio de consolidar a apuração feita até o momento.

A investigação que começou em 27 de abril, voltada inicialmente a apurar possíveis erros que levaram o Brasil a ser um dos principais focos da pandemia no mundo, divide-se agora em pelo menos sete frentes. Temas como o atraso para a compra de vacinas e a aposta na imunidade de rebanho e remédios ineficazes perderam espaço para as suspeitas de corrupção no Ministério da Saúde.

Em três meses, a CPI fez:

- 33 oitivas


- 62 quebras de sigilo

- declaração de investigados, que atualmente são 13 - entre eles o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.


Apesar de a comissão ter sido prorrogada até 5 de novembro, os senadores querem concluir um relatório de preferência até setembro apontando crimes e responsáveis. O objetivo é não perder o “timing” e aproveitar a atenção atraída pela comissão. Eles já trabalham com técnicos em contas públicas e deverão se reunir com juristas nos próximos dias para começar a delinear o texto final da CPI, que será consolidado pelo gabinete do relator, Renan Calheiros (MDB-AL).

Veja os principais temas apurados e o que a CPI sabe até o momento:


Covaxin

Um dos principais focos é a compra da vacina Covaxin. O Ministério da Saúde fechou um contrato com a empresa Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, para a compra de 20 milhões de doses. O valor total do contrato - R$ 1,6 bilhão – representa o maior valor por dose - USS 15 dólares – entre as vacinas negociadas pelo país. O valor é bem maior que uma estimativa inicial feita pelo laboratório em contato com o Ministério das Relações Exteriores – US$ 1,34. É maior também que o preço da principal vacina usada no Brasil no momento, a da AstraZeneca, produzida pela Fiocruz - US$ 3,16.

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Apesar de o contrato ter sido firmado em fevereiro, as suspeitas se tornaram maiores em junho, quando o chefe da divisão de importação no Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, denunciou ter sofrido “pressão anormal” para liberar a importação do imunizante. Ele fez o relato à CPI da Covid e a órgãos como a Polícia Federal e o MPF (Ministério Público Federal), que passaram a investigar o contrato.

A denúncia se baseia ainda em “invoice” (fatura de importação) enviada pela Precisa e que indicaria possíveis irregularidades e riscos ao ministério – ela previa o pagamento antecipado e em nome de uma empresa em Cingapura, além da entrega menor de doses em relação ao contrato. O governo diz que o documento apresentado é falso.

Luis Ricardo Miranda e Luis Miranda na CPI
Luis Ricardo Miranda e Luis Miranda na CPI

Luis Ricardo Miranda e o irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), afirmam que levaram o caso ao presidente Jair Bolsonaro. Bolsonaro ainda teria dito que a contratação seria “coisa” do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara.

Por conta da denúncia, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), mandou notícia-crime ao STF apontando prevaricação de Bolsonaro. O Judiciário determinou à PF que apure o caso, e um inquérito foi aberto.

Paralelamente, o governo suspendeu o contrato com a Covaxin, sob orientação do TCU (Tribunal de Contas da União). O valor para a compra das vacinas, no entanto, foi empenhado – reservado para a compra – e poderá ser alvo de disputa judicial com a Precisa.

Na última sexta (23), o caso teve novos episódios. A Bharat anunciou a rescisão de seu acordo com a Precisa e disse não ter assinado documentos entregues pela representante ao Ministério da Saúde. A Precisa, por sua vez, nega ter praticado irregularidades.

A apuração é centralizada pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), que não é titular da comissão, mas se apresentou para ajudar nos trabalhos. E também pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Intermediários

Sujeita a mudanças de rumo constantes por conta de suspeitas que vão aparecendo, a CPI foi surpreendida com a notícia publicada pela “Folha de S. Paulo” no final de junho de que o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, teria pedido propina de US$ 1 em suposta negociação de 400 milhões de doses de vacina da AstraZeneca, que o governo já comprava da fabricante e também produzia por meio da Fiocruz, que importou a tecnologia.

A denúncia foi feita pelo policial militar mineiro Luiz Paulo Dominghetti, que nas horas vagas trabalha como lobista da empresa Davati, empresa americana do setor de construção e que se apresenta como tendo também atuação na área de produtos médicos. Ele se apresentou como o responsável pela oferta ao então diretor da Saúde.

Após a publicação, Dias foi exonerado. Ele negou o pedido de propina, em depoimento à CPI. O ex-diretor afirmou que outro funcionário do ministério levou Dominghetti a um restaurante em Brasília, onde ele estava. Após o contato inicial, foi marcada uma reunião oficial. A negociação não prosperou porque o policial não teria garantias de ter a vacina ofertada e de ser um representante que trabalhava com doses da AstraZeneca, segundo Dias. Oferta semelhante também foi feita ao diretor dias depois pelo reverendo Amilton Gomes de Paula, ligado à Igreja Batista, e não teria prosperado pelos mesmos motivos.

Os senadores enxergaram contradições no depoimento do ex-diretor. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), determinou a prisão do depoente, que precisou pagar fiança de R$ 1,1 mil para ficar livre.

Outro a depor sobre o tema foi Cristiano Carvalho, representante oficial da Davati no Brasil. Ele apontou a participação de oito militares que teriam participado da negociação suspeita. Entre eles está aquele que se desenha como um dos principais alvos dos senadores no momento – o ex-secretário-executivo Elcio Franco, responsável oficial pelas negociações envolvendo as vacinas, uma vez que Pazuello afirmou que não conduzia as tratativas.

Elcio Franco, um dos alvos da investigação
Elcio Franco, um dos alvos da investigação

Outra negociação com empresa intermediária envolve a empresa World Brands, de Santa Catarina. Seus representantes foram recebidos pelo então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que afirmou ter assinado um memorando de entendimento para a compra da vacina fabricada pela Sinovac, a mesma que no Brasil é chamada pelo Instituto Butantan de Coronavac. No entanto, a oferta da World Brands consistia em trazer a mesma vacina distribuída por um preço três vezes maior. O contrato acabou não prosperando.

Os senadores entendem que há indícios de irregularidades nas negociações com intermediários tanto por doses da AstraZeneca como pela Coronavac, mesmo que contratos e pagamentos não tenham se concretizado.

Tanto Elcio Franco quanto Pazuello, que já depuseram à CPI antes de comissão começar a investigar denúncias de corrupção e defenderam os trabalho do ministério na pandemia, deverão ser chamados novamente a prestar depoimento. Essa apuração está a cargo do senador Randolfe Rodrigues.

Empresa VTCLog

Outro núcleo vai investigar denúncias de corrupção envolvendo a empresa VTCLog, encarregada da logística do Ministério da Saúde para a entrega de vacinas. A CPI apura um possível superfaturamento no contrato de R$ 592,7 milhões fechado em 2018, na gestão do então ministro Ricardo Barros. Os senadores receberam denúncias de uma ex-servidora do ministério e pretendem convocar representantes da empresa no retorno do recesso.

A denúncias diz respeito a um possível “mensalinho” de cerca de R$ 296 mil ao deputado Ricardo Barros, ex-ministro da Saúde, e igualmente a outros dois políticos pelo tempo de duração do contrato – cinco anos. Haveria ainda um pagamento de R$ 99 mil ao ex-diretor de Logística, Roberto Dias. Os supostos envolvidos e a empresa VTCLog negam as acusações. A apuração corre com senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Eliziane Gama (Cidadania-MA).

Hospitais Federais

Outro núcleo apura suspeitas envolvendo hospitais federais do Rio de Janeiro e organizações sociais. O ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel falou à CPI em junho que os hospitais do Rio tinham "um dono". “Esta CPI pode descobrir quem é o dono daqueles hospitais federais", disse. O ex-governador insiste em uma sessão secreta onde poderia prosseguir com denúncias. A apuração é feita pelos senadores Humberto Costa (PT-PE), Eliziane Gama e Simone Tebet.

Negacionismo, TrateCov e Manaus

As outras frentes dizem respeito às apurações iniciais da CPI, com foco no negacionismo e apostas que teriam contribuído para a morte de brasileiros. Um dos núcleos ficará a cargo dos senadores Otto Alencar (PSD-BA) e Rogério Carvalho (PT-SE) e vai apurar o negacionismo na pandemia.

Mayra Pinheiro em depoimento à CPI
Mayra Pinheiro em depoimento à CPI

Nesse pacote estão a possível omissão e a negligência na compra de vacinas; o estímulo à imunidade de rebanho por meio de contaminação (e não a via tradicional, a da vacinação) e a crise do oxigênio em Manaus.

A CPI já ouviu versões conflitantes sobre a crise que deixou centenas de mortos no Amazonas. A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, contradisse o ex-ministro Pazuello afirmando que o ministério foi notificado no dia 8 de janeiro sobre o risco iminente da falta de insumos, e não no dia 10, conforme Pazuello. No dia 14 eclodiu a crise da falta de oxigênio.

O presidente da comissão, que é do Amazonas, definiu como “cobaia” a forma como a população do estado teria sido tratada pelo ministério. Para ele, a ideia do governo seria testar o tratamento precoce para aplicá-lo em todo o país.

Também ligada a tema do negacionismo está a apuração sobre o aplicativo TrateCov, disponibilizado pelo Ministério da Saúde em janeiro e que permitia simulações de tratamento em que apareciam sugestões de uso de remédios como cloroquina e hidroxicloroquina.

Para grande parte da comunidade científica internacional, os estudos já comprovaram que são remédios ineficazes contra a covid-19, podendo ainda ser arriscados por conta de efeitos colaterais.

'Fake News'

Outro núcleo da CPI diz respeito à propagação de fake news sobre a doença. Os senadores investigam manifestações questionando a importância da vacinação e de medidas simples, como o uso de máscaras e o distanciamento social. Apuram ainda estratégias de comunicação para promoção dos medicamentos sem eficácia.

O empresário Carlos Wizard, que nega o gabinete paralelo
O empresário Carlos Wizard, que nega o gabinete paralelo

A CPI identificou 68 perfis em redes sociais que atuavam nesse sentido. Há ainda apuração sobre palestras sobre a doença financiadas pelo Ministério das Relações Exteriores. Também são investigados os pagamentos da Secretaria de Comunicação para agências de publicidade.

Além disso, a CPI segue sua apuração em relação ao “gabinete paralelo” que teria influenciado no estímulo ao tratamento precoce em detrimento de vacinas, entre outras coisas. A apuração está a cargo dos senadores Alessandro Vieira, Humberto Costa e Rogério Carvalho.

Gastos com tratamento precoce

O senador Humberto Costa centraliza ainda a apuração sobre os ganhos milionários de laboratórios om a venda de medicamentos com ineficácia comprovada. O faturamento das vendedoras de medicamentos do “kit covid” ultrapassou os R$ 500 milhões, segundo levantamento do senador Randolfe Rodrigues. A CPI quer saber quem faturou com a venda desses medicamentos.

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