Análise de impacto orçamentário da desoneração já foi feita pelo Congresso, dizem 17 setores
Segmentos econômicos afetados divulgaram nota conjunta contra decisão de Zanin de suspender lei que estabelece regime fiscal
Os 17 setores econômicos que mais empregam no país divulgaram nesta sexta-feira (26) uma nota conjunta em que contestam os argumentos da decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Cristiano Zanin que suspendeu os efeitos da lei que prorroga até 2027 a desoneração da folha de pagamento. Segundo o texto, a análise de impacto orçamentário da medida já foi feita pelo Congresso Nacional “no decorrer do processo legislativo”.
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“Os 17 setores manterão o diálogo com os Poderes da República para endereçar essa situação de insegurança jurídica, econômica e social, mantendo, porém, o respeito pelo processo legislativo já realizado e em andamento”, dizem as organizações. “Em relação à liminar concedida pelo STF, os setores têm a confiança de o ministro relator ou o tribunal revogar essa decisão monocrática, que deve ser restrita a situações extremas, afinal houve pleno respeito às regras orçamentárias constitucionais pelo Legislativo nos seus cuidados de trabalho de elaboração da lei”, diz o documento.
Os representantes dos setores econômicos argumentam que a desoneração passou por vários governos e portanto seria um assunto que supera a questão partidária. “As renovações ocorreram em momentos políticos diversos, com diferentes composições de governo e no Congresso Nacional, evidenciando a relevância social e econômica comprovada dessa política pública”, defendem.
Opinião jurídica
Para Caio Taniguchi, advogado previdenciarista, “na própria ação, promovida pela AGU, existe uma indicação do potencial impacto financeiro de R$ 10 bilhões. Ou seja, se existe conhecimento do valor financeiro envolvido nessa renúncia, e causa estranheza a alegação de que, de alguma forma, a lei que aprova a prorrogação da desoneração seria inconstitucional porque não teria dado clareza quanto ao impacto financeiro envolvido nesse tema”.
Segundo o advogado tributarista Igor Mauler Santiago, a lei é, sim, constitucional. “O governo, nessa ação, diz que se trata de um benefício fiscal prorrogado sem estudo do impacto econômico. Acho que essa apreciação é equivocada. Não é um benefício fiscal. A Constituição dava ao legislador uma opção: ou você tributa a folha, ou você tributa a receita”, argumenta. “Então o legislador optou livremente.”
Prefeitos
A FNP (Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos) defende a desoneração da folha de pagamento “para todos os municípios vinculados ao RGPS (Regime Geral da Previdência Social), independentemente de porte populacional”. A entidade pede “a valorização e a efetivação do diálogo federativo e a pactuação fiscal responsável e juridicamente sustentável” em nota divulgada.
Os gestores municipais dizem ainda que o fim da desoneração pode impactar os preços do transporte coletivo. “Preocupa prefeitas e prefeitos também, a reoneração da folha dos funcionários do transporte público coletivo. Isso impactará entre 7% e 8% no custo desse serviço essencial e pressionará por aumento de tarifas, onerando os usuários do transporte — em geral a parcela mais carente da população —, causando impacto inflacionário, e, também, demandando ainda mais subvenções dos já combalidos orçamentos locais”, diz nota da instituição.
Entenda
Sem ouvir os setores econômicos envolvidos nem o Congresso Nacional, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Cristiano Zanin suspendeu nessa quinta-feira (25), a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a lei que prorroga até 2027 a desoneração da folha de pagamento para os 17 setores que mais empregam no Brasil. Zanin enviou a decisão para análise do plenário virtual da Corte, que decide sobre a manutenção ou não da liminar a partir desta sexta-feira (26).
Segundo o ministro, “não mais se admite base de cálculo substitutiva à folha de salários e demais rendimentos pagos”. Para ele, a lei que estendeu a desoneração da folha de pagamento até 2027 desrespeita a Constituição Federal.
O que prevê a lei
A lei da desoneração se aplica aos 17 setores que, juntos, mais empregam na economia brasileira. Eles são responsáveis por 9 milhões de vagas. No regime, em vez de o empresário pagar 20% sobre a folha do funcionário, o tributo pode ser calculado com a aplicação de um percentual sobre a receita bruta da empresa, que varia, conforme o setor, de 1% a 4,5%.
Histórico da medida
A prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia até 2027 foi aprovada pelo Legislativo em outubro do ano passado, mas foi vetada integralmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva menos de um mês depois. Em dezembro, o Congresso derrubou o veto de Lula, com votos de 60 senadores (contra 13) e 378 deputados (versus 78).
O ato do presidente contrariou 84% dos deputados (430 dos 513 votaram a favor do texto) e a maioria dos senadores — no Senado, a proposta passou com facilidade, aprovada em votação simbólica, que acontece quando há consenso entre os parlamentares.
As entidades representantes dos 17 setores desonerados, dos trabalhadores e de organizações da sociedade civil fizeram coro pela derrubada do veto do presidente. Essas instituições estimam que ao menos 1 milhão de vagas sejam perdidas sem a desoneração.
No início deste mês, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tinha adiantado que a AGU judicializaria a questão. Dias antes, o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), excluiu a reoneração da folha de pagamento dos municípios brasileiros, que foi instituída pela Medida Provisória 1.202/2023. A decisão foi tomada quando o parlamentar prorrogou por mais 60 dias os efeitos do texto.
Editada no fim do ano passado, a medida originalmente pretendia reonerar a folha de pagamento de 17 setores econômicos, dos municípios com até 156 mil habitantes e também acabar com os incentivos tributários do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos). O governo defendeu que a medida era necessária para cumprir a meta de déficit fiscal zero prevista para 2024.
A edição dessa MP gerou atritos com o Legislativo, já que o Congresso Nacional havia derrubado o veto presidencial que barrou a desoneração desses impostos dos municípios e dos 17 setores econômicos poucos dias antes. Após negociações com os parlamentares, o governo recuou e editou uma nova MP, excluindo a reoneração às empresas, mas mantendo a dos municípios e as mudanças no Perse.
De acordo com Pacheco, pela regra da noventena — prazo de 90 dias para que uma lei de alteração de tributos passe a ter efeito — as prefeituras passariam a sofrer os efeitos da reoneração de impostos em 2 de abril. Em vez dos atuais 8% de alíquota de contribuição previdenciária sobre as folhas de pagamentos, passariam a arcar com 20% de alíquota.