Especialistas temem que Selic alta agrave consequências de tarifaço de Trump
BC manteve taxa em 15% ao ano, maior patamar desde 2006; ‘cenário é desafiador, mas não paralisante’, avaliam
Brasília|Do R7, em Brasília
RESUMO DA NOTÍCIA
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Especialistas ouvidos pelo R7 temem que as consequências do tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a produtos brasileiros sejam agravadas pelo alto patamar da Selic, a taxa básica de juros do Brasil, que está em 15% ao ano.
Apesar da preocupação, os analistas apontam que o “cenário é desafiador”, embora não seja “paralisante”.
Na última quarta-feira (30), o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) decidiu, de forma unânime, manter o índice em 15%. Com a determinação, o BC interrompeu o ciclo de sete altas consecutivas iniciado em setembro de 2024.
A expectativa predominante entre analistas financeiros indicava estabilidade no patamar atual — o maior desde 2006.
Também na quarta, Trump oficializou a tarifa de 50% a produtos brasileiros, anunciada por ele no início do mês.
A ordem executiva assinada pelo norte-americano, no entanto, tem 694 itens na lista de exceções — ou seja, produtos que ficarão de fora da taxa.
As ressalvas, inclusive, foram citadas pelos especialistas como demonstração de que o tarifaço de Trump não será devastador. Um dos avaliadores chegou a chamar a medida de “tarifaçozinho”.
Médio prazo
Para o advogado especialista em Direito internacional e econômico Celso Figueiredo, a combinação entre a Selic elevada e o tarifaço dos EUA pode ser prejudicial à economia brasileira.
“O aumento das tarifas de importação por parte dos EUA tende a reduzir a demanda por produtos brasileiros, como carne e café, o que pode gerar excedente interno e pressionar os preços para baixo”, destaca, ao citar a repercussão ao longo do tempo.
“Embora esse efeito possa contribuir para uma desaceleração da inflação no curto prazo, a Selic já em patamar elevado reforça esse movimento de desaquecimento, o que pode prejudicar o crescimento econômico, o investimento produtivo e o emprego no médio prazo. Portanto, a combinação é desinflacionária, mas com efeitos potencialmente negativos sobre a atividade econômica no médio prazo”, pondera o advogado, que também é professor do MBA de Relações governamentais da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Figueiredo acrescenta, porém, que os impactos diretos do tarifaço são independentes da Selic, já que a medida diz respeito à política comercial dos EUA.
No entanto, na visão do especialista, a Selic elevada pode agravar os efeitos negativos do tarifaço sobre a economia brasileira.
“Isso ocorre porque, diante da redução das exportações, seria desejável que o mercado interno absorvesse parte do excedente de produtos. Uma taxa de juros elevada reduz o consumo e o investimento interno, dificultando essa compensação. Portanto, com uma Selic mais baixa, os impactos do tarifaço poderiam ser parcialmente amortecidos, reduzindo seus efeitos recessivos sobre a economia brasileira”, explica.
‘Combinação tóxica’
O CEO do Grupo IOX, Richard Ionescu, afirma que a Selic elevada em meio ao tarifaço pode produzir resultados “tóxicos”.
“Quando os juros estão em 15%, o crédito trava, especialmente para pequenas e médias empresas. E quando, ao mesmo tempo, um dos maiores parceiros comerciais do Brasil impõe tarifas de 50% sobre as exportações de setores-chave, o impacto é duplo: o exportador perde competitividade lá fora e aqui dentro o custo de capital explode. O resultado é previsível: menos produção, menos emprego, menos crescimento”, declara, ao citar a demanda por crédito estruturado.
“O empresário, que antes buscava capital para crescer, hoje procura capital para sobreviver”, constata.
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Ionescu observa que os impactos do tarifaço seriam menos graves se a Selic estivesse num índice baixo. “Se a Selic estivesse em um patamar mais razoável, o empresário teria fôlego para absorver parte do impacto do tarifaço. Uma taxa menor permitiria refinanciamento, diversificação de produção e até a busca de novos mercados com agilidade”, esclarece.
Juros altos, acrescenta, tornam “o custo de qualquer movimento estratégico inviável.”
Ionescu afirma, ainda, que o cenário pode ser positivo para o crédito privado.
“Estruturados com lastros reais, fluxo de pagamento previsível e foco em operações fora do sistema bancário, eles oferecem rentabilidade elevada ao investidor e capital rápido para empresas pressionadas por um cenário adverso. Em épocas de aperto monetário e tensão comercial, os fundos de recebíveis se consolidam como uma alternativa eficiente, segura e alinhada com a economia real”, destaca.
Oportunidade
O CEO da Referência Capital, Pedro Ros, vê o cenário como oportunidade para a abertura de mercados.
“É um cenário desafiador, mas não paralisante. O tarifaço imposto pelos EUA pressiona determinados setores exportadores, enquanto a Selic em 15% mantém o crédito mais seletivo e exige uma gestão financeira mais eficiente das empresas”, avalia.
“No entanto, esse contexto também abre espaço para uma reconfiguração de portfólios e atração de investimentos mais estratégicos. Hoje, temos um mercado interno resiliente, empresas mais preparadas e investidores que sabem operar mesmo com juros altos. O momento não é de paralisia, e, sim, de reposicionamento”, analisa o CEO da Referência Capital.
Para ele, é necessário ajustar os portfólios, olhar com mais cuidado para ativos defensivos e aproveitar as janelas abertas pelo momento.
Ros pondera que, com juros mais baixos, a reação interna frente ao tarifaço poderia ser mais rápida.
“Mas isso não significa que estamos em desvantagem. O Brasil é um país com fundamentos sólidos, reservas robustas e instrumentos de proteção já em funcionamento. Além disso, o mercado tem buscado soluções de financiamento mais eficientes, como os fundos estruturados e operações lastreadas em recebíveis, que oferecem retornos consistentes mesmo num ambiente de Selic elevada”, explica.
O analista conclui que o tarifaço impõe ajustes pontuais, mas não altera o fato de que o Brasil segue um dos destinos mais seguros e rentáveis para “quem investe com inteligência e visão estratégica”.
‘Tarifaçozinho’
O economista Benito Salomão avalia que os efeitos da taxa de Trump na economia brasileira serão “muito pequenos”.
“Na verdade, não é nem um tarifaço, é um ‘tarifaçozinho’ que o governo americano implementou, como já era esperado. Estava claro que, se o governo americano fizesse as tarifas de 50% sobre todos os produtos da forma como estava desenhado inicialmente, iria gerar um encarecimento de produtos e um efeito sobre a competitividade da própria economia americana”, declara.
O especialista afirma que o plano de contingência em elaboração pelo governo federal trará “uma noção mais clara” dos efeitos que a medida de Trump terá na economia brasileira.
“Na minha avaliação, a economia brasileira continua no mesmo ponto em que estava. Esses fenômenos, tanto a política monetária quanto o tarifaço, vão ter efeito muito pequeno sobre o conjunto da economia”, acredita.
Produtos específicos
O economista Luis Oreiro aponta que as exceções ao tarifaço reduzem a amplitude das consequências da taxação.
“Mais de 40% das exportações brasileiras aos Estados Unidos estariam isentas. Nesses 60% restantes, há produtos como café, que não tem como os americanos substituírem, porque 40% do café que eles importam vêm do Brasil. Não existe capacidade ociosa na indústria do café. Então, a oferta de café no curto e no médio prazo está dada. E o café é um produto com demanda inelástica, preços inelásticos”, observa.
Para Oreiro, as exportações brasileiras de café vão continuar mais ou menos no mesmo patamar, e quem vai pagar a tarifa de Trump vai ser o consumidor norte-americano.
“Outros setores, como calçados e carnes, vão sentir, mas são setores que, no médio prazo, podem desviar a demanda para outros mercados. E, no curto prazo, o governo pode dar assistência”, acrescenta Oreiro, em referência ao plano de contingência em elaboração pelo governo brasileiro.
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