Gravidez e graduação: os desafios enfrentados por mães universitárias
A reportagem conversou com mulheres que conciliaram maternidade e estudos de graduação
Brasília|Nathalia Kuhl e Ingred Suhet, da Record TV

O sorriso no rosto, os dois filhos no braço e a beca de formada. É assim que Maria Antônia Furtado, 25 anos, gosta de ser vista. Uma imagem de sucesso, com uma tripla jornada que é vencida todos os dias. Contudo, por trás dessa cena congelada em um papel fotográfico, os desafios foram e continuam sendo inúmeros,.
Antônia, cuja o significado do nome é "valiosa", fez honrar o título que os seus pais deram para ela. Com apenas 22 anos, saiu de Piripiri, no Piauí, e veio para o Distrito Federal, com um só objetivo: realizar o sonho de estudar na Universidade de Brasília (UnB). Poucos meses depois, descobriu que estava grávida. "Nunca nem sequer pensei em trancar meu curso, batalhei tanto para isso", afirmou.
Com foco e determinação, ela ia para as aulas presenciais, o restante do dia continuava estudando e à noite ia descansar na Casa do Estudante Universitário (CEU). Até que um dia se viu totalmente desamparada. "A residência da UnB em que eu estava não aceitava mulheres grávidas e nem crianças. De repente me vi sozinha, com algumas malas e sem um lugar para morar", diz.
Neste momento, ela foi para a casa de um tio que mora em Brasília. O pequeno Nicolas, hoje com quatro anos, nasceu — e os estudos continuaram. Dois anos depois, nasceu Heloisa, de dois anos, e com ela veio um grande desafio: a pandemia.
O que já era bem complicado, como assistir às aulas presenciais com um filho, se tornou ainda mais. Maria Antônia se via com duas crianças. Foi neste momento, com as aulas à distância, que ela resolveu recorrer às suas origens e voltou para o Piauí, continuou estudando enquanto as aulas eram remotas. Agora, ela voltou para Brasília e faz dupla diplomação em psicologia.
Sempre tive a certeza que os estudos seriam o que iria garantir o meu futuro e dos meus filhos.
'Voa'

Assim como Maria Antônia, a UnB e outras faculdades abrigam centenas de mães. Também é o caso da Kelly Carvalho Gonçalves, de 38 anos, que teve a filha Paola, que hoje tem sete anos, enquanto era universitária.
Na época, com quase 31 anos, ela não sabia como iria se dividir entre esses papéis, mas também tinha certeza que não desistiria de estudar. A jovem descobriu a gravidez quando iniciou o segundo curso de graduação. Ela já era pedagoga e decidiu ingressar em uma nova área para se dedicar aos conhecimentos do comportamento humano: a psicologia.
Kelly dedicou-se integralmente durante a primeira infância da Paola até conseguir retomar os estudos. Ao ter contato novamente com o ambiente acadêmico, ela compartilhou uma ideia com uma colega de curso.
"Tive a ideia do projeto Voa em 2019, quando me vi com uma criança muito pequenininha e, ao mesmo tempo, tinha uma vontade enorme de voltar para a UnB, para meus projetos acadêmicos. Pensei que outras estudantes poderiam se sentir assim também", disse.
O objetivo da iniciativa seria acolher filhos de estudantes da universidade durante as aulas. As crianças poderiam ser deixadas em uma sala com alunas dos cursos de psicologia e enfermagem.
Lá, os filhos permaneceriam por até seis horas. Além de brincarem, eles seriam alimentados e receberam acompanhamento das acadêmicas em saúde: como pesagem.
O projeto parecia perfeito para a rotina de Kelly e de outras mães universitárias. Professores e acadêmicos de outros cursos se interessaram pela iniciativa e apoiaram a concretização. Mas no meio do caminho, surgiu uma pandemia. E assim como instituições, comércios e até órgãos governamentais pararam, a rede Voa também não saiu do papel.
"Se a pandemia não tivesse acontecido, acredito que teríamos conseguido implementar o projeto. Mas, com a retomada das aulas presenciais na UnB neste ano, queremos colocar tudo isso em prática! Tenho certeza que vamos ajudar mais pessoas ainda!", destacou Kelly.
Universidade sem muros
A Universidade de Brasília (UnB), conhecida como universidade sem muros, é composta atualmente por 22.288 alunas nos cursos de graduação. O número representa mais de 50% dos 44.128 estudantes da instituição (21.840 são homens). Não há levantamento específico sobre estudantes gestantes ou que são mães no local.
No entanto, a universidade informa em seu site que desenvolve ações para a permanência de mulheres, alunas, servidoras e técnicas. Dentre elas, o Auxílio-Creche, criado em 2017, no valor de R$ 485. O recurso é destinado para estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica que residam com crianças de até cinco anos de idade.
Além disso, de acordo com a instituição, não há mais proibição para estudantes gestantes residirem na Casa do Estudante Universitário (CEU). Há previsão de instalação de 30 fraldários em toda a instituição, sendo 21 no campus Darcy Ribeiro e três em cada um dos outros campi.
Outra iniciativa — talvez a mais desejada pelas mães universitárias — é a instalação de uma creche e do Centro Multidisciplinar de Pesquisa em Primeira Infância na UnB. A ideia é apoiada pelo coletivo de mães da universidade. Os contratos para as obras foram assinados no fim do ano passado. O prazo de conclusão dos projetos é de 12 meses.
Pés no chão

"As demandas são complexas e precisamos ser realistas", diz a aluna do curso de Filosofia e representante do Coletivo de Mães da Universidade de Brasília (CMUnB) Tcherry Félix.
"Entrei na UnB grávida. Tive um filho prematuro e precisei ficar ausente. Foram momentos complicados, tive falência renal e quase morri", relata a jovem. "E para continuar estudando ‘foi um rolê’, tinha que estudar lá no hospital, não poderia trancar o curso se não eu ia perder o semestre", continua. "O puerpério já é muito difícil, agora imagina você com um filho prematuro e tendo que se virar?"
Ela também relembra que o isolamento foi um momento difícil. "Sou sortuda por ter um companheiro comigo. Na pandemia foi terrível, mas a gente se virava. Ele é professor, então ficava dando aula, entrava no quarto e fechava a porta. E enquanto isso eu ficava na sala estudando, a gente se ajudava, mas tinha momentos que apertava."
"Lembro que era eu segurando o computador com uma mão e ajudando o meu filho a sair do penico com a outra e ainda tendo que responder o professor", relembra.
"Ninguém deveria fazer isso. Nós mães, que temos mais demandas, não temos que fazer esse esforço todo. Cabe à universidade também ajudar e facilitar. Já que, na verdade, todo mundo tem uma mãe e sabe a dificuldade que é".
Para ela, a universidade enquanto local de formação tem o dever legal de amparar os estudantes, “sejam eles com deficiência, mães ou pais, precisamos de políticas públicas", relembra.
"As mães precisam ser bem-vindas nesses locais, justamente para que não haja mais evasão escolar'', comenta.
Construções de ideias
Para a psicóloga clínica Karla Sindeaux, o exercício da maternidade exige das mães muito tempo e dedicação. A depender da idade da criança, frequentar as aulas pode se tornar algo praticamente impossível.
Diante disso, a construção de uma rede de apoio — seja ela formada por familiares, amigos e ambientes de trabalho ou estudantis — é uma forma de manter, por exemplo, as mulheres no ensino superior e possibilitar a elas condições necessárias para conciliar a maternidade com a formação acadêmica e o mercado de trabalho.
"Quando nenhuma dessas possibilidades estiver ao alcance das mães, podemos pensar no direito da mulher em ter acesso livre à universidade com seus filhos", explicou a especialista ao ressaltar que "cada instituição pode criar estruturas que favoreçam a presença das mães nas aulas, sem nenhum tipo de constrangimento".
