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‘Mães de Haia’: quando fugir da violência vira crime internacional

Audiência no Senado reacende debate sobre brasileiras acusadas de sequestro ao voltar com filhos

Brasília|Luiza Marinho*, do R7, em Brasília

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Casos de 'Mães de Haia' foram ouvidos no Senado Inteligência artificial/Canva

Em sessão durante a semana, o Senado Federal ouviu o relato de mães brasileiras que, após sofrerem violência doméstica em outros países, decidiram retornar ao Brasil com seus filhos. E, por causa disso, acabaram sendo acusadas de sequestro internacional com base na Convenção de Haia.

O termo “mãe de Haia” vem da Convenção de Haia de 1980 e ratificada pelo Brasil em 2000. Um dos pontos da Convenção trata da proteção de crianças vítimas de subtração internacional.


Ou seja, quando um menor de 18 anos é retirado do país onde vive sob a guarda de um dos responsáveis.

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No entanto, esse dispositivo tem sido usado contra mulheres que buscaram abrigo no próprio país após fugirem de situações de violência.


Especialista alerta que, antes de mudar de país, se casar com um estrangeiro ou ter filhos fora do Brasil, é essencial entender os riscos e implicações legais envolvidas.

“Com o repatriamento dessas crianças, muitas mães perdem o contato com os filhos e enfrentam batalhas judiciais intermináveis para voltar a ter a falar com eles”, Luma Alvares, advogada de direito internacional de família.


Fator-chave nas disputas internacionais de guarda

Um ponto central nos litígios que envolvem a Convenção de Haia é a definição da chamada residência habitual da criança.

É esse critério que determina qual país terá competência legal para julgar uma disputa de guarda ou decidir sobre o retorno de um menor ao território de origem.


“A residência habitual é onde a criança tem vínculos duradouros e está estabelecida de forma contínua. É isso que define qual país tem jurisdição sobre o caso”, explica Luma.

Ou seja, ainda que uma criança tenha dupla nacionalidade, por exemplo, ítalo-brasileira, se ela passou a maior parte da vida na Itália, é a Justiça italiana — e não a brasileira — que será responsável por decidir sobre sua guarda e permanência.

Exceções

Apesar do tratado internacional prever o retorno imediato da criança ao país de origem, há exceções previstas na própria Convenção de Haia. A Justiça brasileira pode se recusar a entregar a criança de volta nos seguintes casos:

  •  Se já passou mais de um ano entre a subtração e o início do processo judicial;
  •  Se houver provas de que o genitor consentiu com a mudança;
  •  Se for comprovado que o retorno representa risco físico ou psicológico à criança — como em casos de violência doméstica, abuso sexual ou negligência;
  •  Se a criança tiver mais de 16 anos e maturidade suficiente para se opor ao retorno.

“Esses casos estão previstos no artigo 13b da Convenção. Ainda assim, o Brasil tem sido omisso ao ignorar denúncias de violência e repatriar crianças para contextos inseguros”, critica a advogada.

Casos

Em 2019, a brasileira Raquel Cantarelli voltou ao Brasil com suas duas filhas após fugir da Irlanda, onde morava com o então marido.

Ela relata que decidiu sair do país ao perceber sinais de abuso sexual na filha mais velha, que na época tinha apenas dois anos.

Segundo Raquel, as autoridades irlandesas arquivaram a denúncia sem investigação adequada. Além disso, ela afirma ter sofrido cerceamento de liberdade e sido impedida de deixar o país com as filhas.

Luma acredita que a Convenção de Haia não leva em conta contextos de violência familiar, o que a torna desatualizada frente aos avanços nos direitos das mulheres e das crianças.

“O maior desafio hoje é que o Brasil interprete a Convenção à luz dos princípios constitucionais, que colocam a proteção da criança e a prevenção à violência familiar como prioridade”, diz.

“Ainda assim, o país segue repatriando crianças mesmo diante de denúncias graves, o que vai contra tudo o que nossas leis defendem.”

Revisão da Convenção

Diante da crescente pressão de mães e especialistas, o Senado instalou no fim de junho uma subcomissão temporária para debater a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.

A comissão, vinculada à Comissão de Direitos Humanos (CDH), irá avaliar a aplicação do tratado nos casos em que mães brasileiras residentes no exterior voltam ao Brasil com seus filhos alegando violência doméstica.

Muitas delas são processadas por sequestro internacional pelos próprios agressores.

A subcomissão será presidida pela senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) e terá como vice o senador Flávio Arns (PSB-PR), autor do requerimento que originou o grupo.

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