Pai, mãe e filhos estudam juntos para o Enem 2024
Família do Entorno do DF está entre os 5 mil inscritos para a prova neste ano e espera conseguir ingressar no ensino superior
Brasília|Jéssica Gotlib, do R7, em Brasília
A família Furtado, moradora da Cidade Ocidental, a 41 km de Brasília, tem um vínculo especial: pai, mãe e dois dos três filhos estudam juntos para fazer a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2024. O casal Miguel Arcângelo, 48, e Lídia Cristina, 41, e os jovens Geovana, 21, e Leonardo, 25, estão entre os 5 mil brasileiros que se inscreveram para a prova deste ano. Os quatro se preparam com a ajuda de videoaulas disponibilizadas gratuitamente em aplicativos, além de fazer provas antigas e usar livros didáticos que guardaram em casa.
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O exame tem um sentido especial para Miguel, que havia parado de estudar na quarta série do ensino fundamental e, recentemente, concluiu o Ensino Médio por meio do Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos). “Eu parei de estudar quando tinha 14 anos. Lá no Maranhão, onde a gente morava, a escola era longe e a gente tinha que ir para o colégio a pé, com fome, sem nada para tomar café de manhã. Foi por isso que parei, nossa vida era muito difícil”, explica.
Miguel trabalha atualmente com o que ficou conhecido como “marido de aluguel” – fazendo pequenos serviços de marcenaria, pintura, reparo de eletrodomésticos, mudanças, montagem de móveis etc. Sem um trabalho com carteira assinada desde a pandemia, ele conta que já teve empregos variados: de segurança de casas noturnas a técnico de ar condicionado. A falta de um diploma, contudo, sempre foi um problema.
“Eu voltei a estudar com 37 anos, já morava aqui em Brasília. Tentei fazer o EJA [Educação de Jovens e Adultos], mas foi muito difícil voltar a estudar de novo. As pessoas às vezes ficavam curtindo da minha cara pela minha idade, entendeu?! Mas eu tinha que concluir meus estudos, se não, não arranjaria um emprego bom”, lembra.
Depois de se frustrar na escola para jovens e adultos, ele estudou por conta própria e conseguiu ser aprovado no Encceja duas vezes. Na primeira, recebeu o diploma do Ensino Fundamental e, na segunda, o médio. “Concluí meus estudos neste ano, com 47 anos, e fiquei muito feliz porque eu passava muita vergonha, eu tinha vergonha de falar que só tinha até a quarta série. Fiquei muito feliz mesmo”, celebra.
Com uma boa nota no Enem 2024, ele quer cursar engenharia elétrica ou algum curso similar na área, pela qual sempre teve interesse. “Eu estou bem ansioso, não vejo a hora de chegar o dia para fazer essa prova. Tenho certeza que vou passar e quero fazer uma faculdade na área de engenharia elétrica. Com o Enem, é uma oportunidade que vou ter de conseguir uma bolsa”, conclui.
Casal passou por dificuldades semelhantes
A história de Lídia é parecida com a do marido. Também natural de São Luís (MA), ela conta que, ainda na adolescência estava difícil conciliar trabalho e estudos, até que engravidou e precisou abandonar a escola. “Em 2012 retomei o estudo pelo EJA. Foi muito difícil porque eu tinha que trabalhar e cuidar dos meus filhos pequenos. Do serviço eu ia direto para a escola, muito cansada, mas com muita dificuldade consegui terminar meu ensino médio”, narra.
O diferencial no caso dela, que atualmente trabalha como diarista, foi o auxílio dos professores da escola. “Eles ajudavam muito a gente porque, na escola que eu estudava, tinha muito adulto, muito pai de família que vinha já cansado do seu serviço e ir direto à escola”, relata.
Ela conta que fez o Enem pela primeira vez em 2023, mas ficou insegura e que se prepara para um desempenho melhor agora. “Meu sonho é fazer um curso de nutrição e ajudar as pessoas. Estou me preparando para me sair muito bem neste Enem deste ano”, declara.
“Motivador! Não há exemplo melhor do que nossos pais”
Miguel e Lídia se orgulham de terem conseguido dar uma vida melhor aos filhos. Nenhum dos três precisou trabalhar antes de terminar o ensino médio. A caçula da família, Geovana, acabou de fazer um curso profissionalizante para jovens aprendizes oferecido na indústria farmacêutica. Apesar disso, o sonho dela é cursar pedagogia e trabalhar com crianças em idade de alfabetização.
Já Leonardo trabalha como auxiliar de cozinha em um restaurante na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Para o rapaz, estudar ao lado dos pais é “motivador; não há exemplo melhor do que nossos pais”. “É muito inspirador ver que eles estão se esforçando para, mesmo apesar da idade, entregar uma melhora para a gente, um exemplo de superação e dedicação. Eu acho que o fato de fazer o Enem com eles é muito gratificante”, ressalta.
Ele diz que trabalhar e estudar é algo muito complexo pela dupla jornada, mas acredita que “nada é impossível com dedicação, empenho e esforço”. “Desde o ano passado meu objetivo era atingir pelo menos uma média de 800 pontos para que eu pudesse conseguir uma faculdade de psicologia ou de engenharia química. Acredito que esse ano eu consiga atingir meu objetivo para fazer um desses cursos”, conta o jovem.