Veja o que é fato e o que é mentira sobre o projeto de lei das Fake News
Proposta que pretende regulamentar as plataformas digitais deve ser votada na próxima semana pela Câmara dos Deputados
Brasília|Ana Isabel Mansur, do R7, em Brasília
Às vésperas da votação na Câmara dos Deputados do projeto de lei 2.630/2020, que ficou conhecido como PL das Fake News, discussões a respeito da legitimidade das propostas do texto, que vai regulamentar as plataformas digitais, têm tomado força. A Câmara aprovou o regime de urgência da matéria — o que acelera a tramitação e leva o documento direto a plenário — nesta terça (25), e o PL deve ser votado na próxima semana, no dia 2.
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Em meio às polêmicas em torno do texto, o R7 esclarece o que é verdade em relação ao projeto, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
Fake news: a regulação da internet tem sido debatida apenas no Brasil.
A verdade: o assunto está em alta em todo o mundo. Pelo menos 55 países já aplicam controles no uso da internet. A publicação das Leis dos Serviços Digitais (DSA) e dos Mercados Digitais (DMA) pela União Europeia é um exemplo dessas iniciativas. A legislação de outros países tem até mesmo servido de inspiração para o texto brasileiro.
Em fevereiro deste ano, a Suprema Corte dos Estados Unidos promoveu audiências sobre um caso em que empresas de internet são responsabilizadas por conteúdo publicado pelos usuários das plataformas. O processo envolvia o Twitter e foi aberto pelos parentes americanos de um jordaniano morto em um massacre em uma boate de Istambul, na Turquia.
Os juízes ouviram também os argumentos de um processo separado contra o YouTube, aberto pela família de uma americana morta em um ataque de militantes islâmicos em Paris.
Fake news: o PL 2.630/2020 não foi discutido com a sociedade ou por especialistas.
A verdade: o texto está em tramitação há três anos e já foi aprovado pelo Senado. Houve ampla discussão no Congresso, com a participação de mais de cem especialistas, em dezenas de audiências públicas. A discussão técnica e qualificada busca construir um texto legislativo que fomente uma internet mais sadia e plural. Nesta quarta-feira (26), o relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), confirmou ao R7 e à Record TV que todas as sugestões da bancada evangélica foram acatadas.
Fake news: a remuneração do jornalismo não tem a ver com a lei que combate a desinformação.
A verdade: esse argumento é mentiroso. A Austrália é pioneira na aprovação de regulamentação sobre o tema. Há dois anos, entrou em vigor no país o Código de Negociação da Mídia. Essa lei australiana prevê que as empresas remunerem os produtores do conteúdo distribuído nas plataformas com base em um acordo feito entre as partes. O governo entra somente quando não há consenso — o que, até o momento, não ocorreu.
Fake news: as plataformas já pagam pelo conteúdo jornalístico e geram audiência para os veículos.
A verdade: boa parte das verbas dos veículos de comunicação se concentra nas próprias big techs. Algumas plataformas pagam valores simbólicos pela compra de algumas notícias, sem capacidade de reverter o avanço dos "desertos de notícias". Pensar em uma compensação financeira aos veículos de comunicação produtores de conteúdo por parte das plataformas é tido por especialistas como fundamental para resgatar o papel do jornalismo na democracia. A legislação australiana foi elaborada levando isso em consideração, mas houve impasses.
Pesquisador sênior do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS), João Victor Archegas destaca que o Facebook, por exemplo, argumentou não ter nenhuma contrapartida significativa por disponibilizar conteúdos jornalísticos na plataforma. Por isso, em razão da nova lei australiana, falou em suspender a possibilidade de compartilhamento desse material na rede social.
"Em um primeiro momento, portanto, a regulação acabou tendo um efeito adverso. A situação na Austrália só se encaminhou para uma solução quando as plataformas e o governo chegaram ao acordo de que essa questão seria resolvida por meio de negociações em uma espécie de câmara arbitral", afirmou Archegas, frisando que o modelo permitiu os acordos bilaterais entre as partes.
Archegas advertiu que o PL das Fake News precisa alinhar o entendimento entre as partes para evitar efeitos reversos, como ocorreu no início das discussões australianas.
Para Leonardo Lazzarotto, especialista em propaganda e marketing, o importante é encontrar um equilíbrio, sobretudo ao olhar para a distribuição da publicidade digital. Ele afirma que somente Google e Facebook concentram 81% do investimento publicitário digital no mundo.
"O desafio desses novos tempos é encontrar o equilíbrio para que a imprensa continue exercendo seu indispensável papel, com receita suficiente para manter o negócio, contando com a participação das big techs e de todas as suas soluções digitais para a sociedade", disse Lazzarotto.
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Fake news: a remuneração do jornalismo só vai favorecer os grandes veículos.
A verdade: a lei estabelece a necessidade de uma regulação posterior. Na Austrália, onde já existe uma lei de remuneração há dois anos, centenas de pequenos veículos, inclusive dirigidos a minorias ou em regiões remotas, passaram a receber recursos expressivos e a reocupar os antigos "desertos de notícias".
Na União Europeia, 23 dos 27 países-membros já adotam sistemas de remuneração, e o Canadá deve aprovar lei sobre esse assunto neste semestre. Índia, Indonésia, Espanha e Estados Unidos também discutem modelos de regulamentação.
Fake news: se for adotada a remuneração do jornalismo, as plataformas vão embora do país.
A verdade: essa ameaça foi um blefe usado na Austrália e revoltou a sociedade do país. A realidade é que centenas de acordos de remuneração estão sendo fechados em outras democracias com a intenção de proteger a cultura local, a informação plural e verdadeira, além do direito de cada cidadão a ter informações verídicas para fazer suas próprias escolhas.
Professor da Australian National University, Rod Sims escreveu, em artigo, que o NMBC (Código de Negociação da Mídia australiano] permitiu a empresas jornalísticas de todos os tamanhos obter mais de US$ 200 milhões por ano do Google e do Facebook. Além disso, esses meios acreditam que podem negociar de igual para igual com as plataformas dominantes, o que parecia improvável antes da adoção da legislação.
Entenda a proposta
O PL 2.630/2020 tem três pilares: valorizar o jornalismo por meio da remuneração da atividade jornalística; defender o patrimônio do país por meio da regulação da publicidade digital contratada no exterior e direcionada ao público brasileiro, seguindo as regras tributárias e publicitárias brasileiras; e identificar todas as empresas que participam da cadeia da publicidade digital (contratantes, intermediários e divulgadores) junto à Receita Federal.
O projeto ficou conhecido como PL das Fake News, mas engloba outros pontos essenciais. A proposta busca ampliar a proteção aos usuários, com regras claras de moderação de conteúdo, funcionamento de redes sociais, ferramentas de buscas e aplicativos de mensagens.
O texto também pretende preservar a liberdade de expressão, que assegura a livre manifestação do pensamento, de imprensa, a inviolabilidade das comunicações, da privacidade e a proteção de dados pessoais. O PL vai ainda criar regras de transparência e cumprimento de normas brasileiras quanto a conteúdos patrocinados e impulsionados.
Transparência na publicidade
Conteúdos pagos e publicidade representam, de acordo com levantamento feito pela Coalizão do Setor de Comunicação para os Desafios do PL das Fake News, que reúne 16 associações, mais de 80% das receitas das plataformas e impulsionam grande parte da desinformação.
Para aumentar a transparência na publicidade online, o PL 2.630 determina às plataformas digitais que deixem claro o que é conteúdo noticioso, impulsionado ou publicidade regular e abrangente. Isso representa o fim da enganação dos usuários sobre as motivações do conteúdo entregue a ele.
O texto também quer garantir o respeito à legislação brasileira pelas empresas multinacionais. A comercialização da publicidade voltada aos brasileiros, inclusive por provedores com sede no exterior, deve ser realizada por representante no Brasil e de acordo com a legislação do país. Essa regra fiscal evitaria a evasão de receitas sobre anúncios contratados fora do país direcionados ao mercado brasileiro e que hoje não recolhem impostos.
Sugestões do TSE
Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), receberam, na terça-feira (25), o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, para tratar de sugestões do TSE ao texto do PL das Fake News.
Os presidentes devem pedir a incorporação de ponderações de Moraes antes da votação em plenário. Entre as propostas entregues pelo ministro está emenda que autoriza a remoção de endereços eletrônicos por ordem da Justiça Eleitoral sob pena de multa de R$ 100 mil a R$ 150 mil por hora de descumprimento.
Além disso, a proposta é que os provedores indisponibilizem imediatamente conteúdos e contas com condutas, informações e atos antidemocráticos e com grave ameaça, direta e imediata, de violência ou incitação à violência contra a integridade física de funcionários públicos.