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Crime organizado funciona como empresa, explora oportunidades e usa violência, diz pesquisador

Especialista alerta para a urgência de reformas legais e cooperação internacional

Entrevista|Victoria Lacerda, do R7, em Brasília

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O pesquisador Leandro Piquet Carneiro, destacou que os principais gargalos da legislação brasileira
O pesquisador Leandro Piquet Carneiro, destacou que os principais gargalos da legislação brasileira Divulgação/Alex Sandro/ USP - 25/06/2025

Durante o Fórum Internacional sobre Crime Organizado e Mercados Ilícitos na América Latina, realizado em São Paulo, especialistas nacionais e internacionais se reuniram para discutir os desafios impostos pela atuação de facções criminosas no Brasil e na região.

Um dos destaques foi a expansão transnacional do PCC (Primeiro Comando da Capital), que, segundo o Ministério Público, já tem presença consolidada em pelo menos 28 países.


Em entrevista exclusiva ao R7, o pesquisador Leandro Piquet Carneiro, professor da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador da ESEM (Escola de Segurança Multidimensional), defendeu mudanças legislativas urgentes para conter o avanço do crime organizado.

Ele apontou falhas estruturais na regulação financeira, na articulação entre instituições e na tipificação penal de condutas que hoje já fazem parte do cotidiano das facções, como o controle territorial.


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R7 – Quais são os principais fatores que explicam o fortalecimento das organizações criminosas no Brasil nas últimas décadas?

Leandro Piquet Carneiro – O crime organizado é extremamente dinâmico. Ele se adapta a qualquer oportunidade que surja. Por exemplo, quando a Anvisa proibiu os cigarros eletrônicos, criou-se imediatamente um mercado ilícito explorado por facções. Ou seja, qualquer brecha de regulação pode ser aproveitada como oportunidade. Por isso, as políticas precisam ser permanentemente atualizadas.


R7 – Como a atuação das facções criminosas se articula com o tráfico de armas, drogas e outros mercados ilícitos no país e na América Latina?

Carneiro – O crime organizado hoje não está mais restrito ao tráfico de drogas. Ele opera em mercados diversos: armas, mineração ilegal, contrabando, pirataria e lavagem de dinheiro. Essa atuação depende de redes sofisticadas de logística, corrupção e violência. E as facções brasileiras, como o PCC, já se comportam como redes transnacionais.


R7 – Na sua avaliação, o que tem faltado nas políticas públicas de segurança para enfraquecer de forma duradoura o crime organizado?

Carneiro – Faltam medidas efetivas de atualização legislativa, especialmente sobre a engenharia financeira dessas organizações. Hoje há obstáculos legais que dificultam a troca de dados entre instituições estaduais e federais, e que impedem o uso adequado de relatórios do COAF nas investigações. Também é urgente tipificar o crime de controle territorial — porque hoje, mesmo que uma facção domine uma área, isso não está claramente definido como crime.

R7 – O que o Brasil pode aprender com experiências de outros países no enfrentamento às organizações criminosas — e o que não deve repetir?

Carneiro – Precisamos olhar para experiências como a da Itália, com leis antimáfia robustas e cooperação internacional eficaz. O que não podemos repetir são políticas baseadas apenas em encarceramento em massa, sem considerar a desarticulação financeira e territorial das facções. Combater o crime organizado exige inteligência, integração e regulação eficaz.

A atuação do PCC fora do Brasil evoluiu de uma logística de apoio ao tráfico para uma presença institucionalizada, com estruturas próprias. Que tipo de cooperação internacional é indispensável nesse cenário?

É indispensável uma articulação com ministérios públicos, autoridades policiais e sistemas judiciais de outros países, principalmente na Europa e América do Sul. A presença do PCC em prisões estrangeiras é preocupante. Eles estão reproduzindo estruturas que nasceram no sistema prisional brasileiro, com liderança e disciplina interna. Se não houver cooperação coordenada, essa expansão continuará.

R7 – O senhor mencionou que o maior risco para os países europeus é justamente o modelo prisional que o PCC exporta. Há alguma legislação brasileira que possa ajudar a enfrentar esse modelo de organização transnacional?

Carneiro – Hoje, não temos mecanismos legais suficientes para combater esse tipo de atuação fora do Brasil. Precisamos reformular nossas políticas de segurança, pensando na dimensão internacional do crime organizado. Isso inclui a revisão da progressão de penas e o fortalecimento do controle sobre os vínculos mantidos entre presos no Brasil e no exterior.

R7 – O PCC tem aprendido com facções estrangeiras, sobretudo na lavagem de dinheiro e no envio de recursos sem circulação formal. O Ministério Público tem conseguido mapear esses mecanismos?

Carneiro – O Ministério Público tem avançado, mas os mecanismos são sofisticados. O uso de criptomoedas, fintechs e empresas de fachada já é uma realidade no crime organizado. A regulação desses setores precisa acompanhar esse dinamismo. A engenharia financeira das facções deve ser prioridade nas investigações — é por onde passa o lucro e o poder delas.

R7 – Há indícios de atuação das facções também como reguladoras de mercados ilegais, como no garimpo?

Carneiro – Sim. Em áreas onde o Estado não chega, facções como o PCC assumem o papel de “força reguladora”. Há relatos de que cobram mensalidades para garantir a segurança informal em regiões de garimpo ilegal. Dizem: ‘Essa draga é sua, essa curva do rio é sua. Se tiver problema, nos avisa’. Estão criando um sistema próprio de enforcement de propriedade em mercados ilegais.

R7 – A proposta da PEC da Segurança, apresentada pelo ministro Lewandowski, pode ajudar nesse enfrentamento?

Carneiro – A PEC tem importância, principalmente por buscar integrar as forças de segurança. Mas não é suficiente. O principal desafio hoje é normativo. Precisamos regulamentar melhor a coleta e o uso de dados financeiros, melhorar a articulação entre as agências e criar dispositivos legais que alcancem essas novas modalidades de crime. Sem isso, o crime seguirá sempre um passo à frente.

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