A luta feminina no 1º ano do novo governo Talibã no Afeganistão: 'até o último suspiro'
Afegãs buscam a garantia de seus direitos básicos, como o acesso à educação e aos postos de trabalho
Internacional|Do R7, com Reuters

Mesmo com os vários perigos que o governo Talibã impõe às mulheres que não respeitam suas diretrizes, a resistência feminina permanece no Afeganistão um ano após a volta do governo extremista ao país. Nem mesmo as ameaças do grupo radical foram capazes de afastá-las da luta por direitos básicos, como o acesso à educação e aos postos de trabalho.
Kerishma Rasheedi, de 16 anos, era uma orgulhosa estudante do ensino médio antes de o Talibã tomar a capital, Cabul, em 15 de agosto do ano passado. Desde então, ela não pode voltar para a escola.
Em março, o Talibã voltou atrás em seu anúncio de que as escolas secundárias iriam reabrir para meninas, dizendo que permaneceriam fechadas até que um plano fosse elaborado de acordo com a lei islâmica. A última vez que o Talibã governou o Afeganistão, de 1996 a 2001, proibiu que as mulheres estudassem e as expulsou da maioria dos cargos de trabalho.
Entretanto, Rasheedi se recusou a desistir. Para acompanhar os estudos, ela agora frequenta um centro de educação particular para meninas, na esperança de um dia poder voltar à escola e perseguir seu sonho de se tornar jornalista.
“Quero me tornar um jornalista de sucesso no futuro, adoraria servir meu país e a educação é meu direito básico. Quero continuar estudando para poder transmitir as misérias de outras mulheres às autoridades", disse ela.
O centro de ensino privado, inaugurado há quase sete meses, oferece aulas de matemática, inglês e literatura para mulheres de diferentes idades e níveis de estudo..
O Talibã permitiu a abertura de alguns centros de educação privados para mulheres, desde que obtivessem permissão do Ministério da Justiça.
Todos os dias, Rasheedi e sua irmã de 14 anos, que também não pode ir à escola, passam duas horas estudando no local.
“Peço ao Talibã que reabra as escolas para meninas o mais rápido possível... queremos estudar".
"Lutaremos até o último suspiro"
Monesa Mubarez está na vanguarda na luta das mulheres afegãs por seus direitos desde que o Talibã retornou ao poder no ano passado.
A jovem de 31 anos, com mestrado em relações internacionais, trabalhava para o Ministério da Fazenda e perdeu o emprego quando o regime extremista iniciou seu segundo governo.
Desde então, Mubarez se dedicou ao ativismo, tendo organizado 17 protestos de rua até agora.
Apesar das promessas de que o novo governo seria menos radical, o Talibã proibiu as mulheres de percorrerem mais de 70 km sem estarem acompanhadas por um homem da família, são orientadas a ficar em casa e a usar a burca para que seu corpo e rosto fiquem completamente cobertos.
“Vamos levantar nossas vozes contra todas as injustiças até nosso último suspiro, vamos nos levantar contra toda a tirania imposta pelo Talibã ao povo do Afeganistão, especialmente às mulheres”, declarou Mubarez em um dos protestos.
Pelo menos uma vez por semana, Mubarez e cerca de 10 mulheres se encontram para planejar seu próximo protesto ou elaborar estratégias para promover suas causas nas mídias sociais.
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“O que queremos é justiça, liberdade e igualdade apenas, todo meio de comunicação respeitoso sabe que nossos slogans são baseados em comida, trabalho e liberdade, e todos esses são os direitos básicos de todo cidadão”, disse Mubarez, em um de seus discursos.
Seu ativismo não está isento de riscos, mas Mubarez prometeu lutar até que “a justiça seja alcançada”.
“É natural que todas essas (mulheres que protestam) tenham sofrido ameaças de várias maneiras, ainda recebemos ligações ameaçadoras (do Talibã)”, disse ela. “Se uma de nós for morta, outras ainda levantarão suas vozes.”
Luta pela sobrevivência
Gulestan Safari, de 45 anos, adorava seu trabalho como policial. Agora, ela limpa casas para sustentar uma família de cinco pessoas.
A afegã perdeu o emprego após a retomada do poder Talibã. Mais de 20 mil mulheres trabalhavam como policiais no Afeganistão, a grande maioria foi expulsa de seus cargos, enquanto poucas permaneceram para administrar as prisões femininas.
Com a economia do Afeganistão em profunda crise - bilhões de dólares em ajuda e reservas foram cortados e a população tem pouco dinheiro para suas necessidades. Nesse contexto, Safari e sua família estão lutando para sobreviver.

Ela costumava ter um salário mensal de 132 dólares, agora ela ganha cerca de 4 dólares em um bom dia de trabalho.
“Costumo trabalhar das 8h às 16h, é um trabalho muito chato, mas não tenho outras opções, não tenho outra renda, morremos se eu não trabalhar”, explica.
O filho de Safari, que também era policial, foi ao Irã procurar trabalho há cinco meses, quando decidiu que não poderia sustentar a família com um salário reduzido pela metade. Mas não deu notícias desde então. Isso fez com que o emprego de Safari se tornasse a única fonte de renda da família; o salário sustenta sua filha de 15 anos, sua nora e dois netos pequenos.
“Antigamente eu podia comprar arroz, carne, óleo, mas agora não posso comprar nada. Peguei dinheiro emprestado com meus vizinhos para comprar vegetais”, disse ela.
Com seu uniforme de policial levado pelo Talibã e as fotos durante o serviço queimadas pela família por medo, as únicas lembranças que a afegã guarda de sua carreira na polícia são certificados de trabalho, que conseguiu esconder.
“Estamos cansados dessa situação, até quando temos que sofrer assim? Por quanto tempo as mulheres devem ficar sentadas em suas casas?"