Nos EUA, indústria armamentista tem política como refém
Debate sobre mudança no controle de armas pode aparecer nos discursos políticos, mas lobby e pressão dos próprios cidadãos torna conversa difícil
Internacional|Giovanna Orlando, do R7
Com o início da corrida eleitoral nos Estados Unidos, em que candidatos nas primárias precisam garantir seu lugar na disputa pela presidência, algumas questões essenciais começam a ser discutidas. Entre elas, como fica a segurança e posse de armas.
Estima-se que existam entre 265 a 393 milhões de armas nas mãos de civis, número superior ao número de habitantes, que gira em torno de 327,2 milhões de pessoas. A fixação por armas vem desde a criação dos Estados Unidos e se tornou um direito constitucional na Segunda Emenda, escrita em 1787, que assegura que o cidadão pode ter armas por segurança e para proteger o próprio território em caso de invasões.
Com o direito assegurado, a indústria armamentista viu o poder econômico e político crescer. Nos Estados Unidos, o sistema político funciona por meio de distritos, em que os candidatos precisam conquistar uma quantidade suficiente de votos para conseguir concorrer à Presidência.
“A indústria armamentista aproveitou bastante desse sistema depois da Segunda Guerra Mundial e tentaram ter fábricas nos distritos mais importantes do país”, explica Vladimir Feijó, professor de Direito Internacional da Ibmec de Minas Gerais. Com as indústrias, são gerados empregos e o dinheiro começa a fluir. “Então, direta ou indiretamente, os americanos acabam tendo uma ligação com ela”, completa.
O Lobby
Não é difícil comprar uma arma nos EUA, e para garantir que esse mercado continue em movimento, a indústria começou a pressionar políticos. A NRA, ou Associação Nacional do Rifle, é a maior defensora de armas no país e tem ligação direta com o Partido Republicano.
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Segundo George Rennie, professor de Política na Universidade de Melbourne, na Austrália, e especialista em política estadunidense, é difícil comentar sobre um político americano que não tenha vínculo com a NRA. “Os republicanos atiram e parecem gostar de armas, eles acreditam que isso é essencial para a sua segurança”, explica.
Não se sabe ao certo quanto dinheiro a NRA gasta para financiar campanhas de candidatos republicanos e quanto é investido na política, mas a quantia é suficiente para o lobby ser um dos mais poderosos no país. “Eles só perdem para a indústria farmacêutica”, diz Rennie. A NRA é financiada pelas indústrias e por cidadãos.
Para Feijó, muita da força política da NRA vem do dinheiro gerado com os empregos na indústria bélica e da dependência dos candidatos. “Muitos deles dependem desse dinheiro para financiar as campanhas, seja com doação direta ou indireta”, explica.
Mudança nas leis
Os Estados Unidos não mudam as leis de armas desde 1999, com o Massacre de Columbine, quando dois estudantes armados entraram em uma escola, mataram 13 alunos e cometeram suicídio. O tiroteio foi atípico e chocou a sociedade e legisladores, que decidiu banir rifles.
Porém, 20 anos depois, o país registra pelo menos um tiroteio em massa por dia e escolas foram palco de centenas de mortes em 2018. Depois do massacre de Parkland, em fevereiro de 2018, quando 17 estudantes foram mortos, as discussões sobre leis de armas voltaram a aparecer.
Vinte e cinco estados alteraram algumas leis, como banir dispositivos que tornam armas semiautomáticas em automáticas. "Porém, essas leis não são significativas no nível federal”, explica Rennie. Cada estado tem autonomia para mudar as próprias leis, que vigoram apenas neste território. Em nível nacional, as armas seguem intocadas.
A discussão sobre armas pode aparecer nos debates e campanhas políticas de duas formas. Ou os candidatos vão falar diretamente sobre elas ou vão escolher falar do poder econômico da indústria bélica. Para a conversa aparecer, republicanos ou democratas precisam falar sobre o assunto.
“Eu não acredito que os democratas puxem a conversa. Esse é um assunto muito delicado para os americanos, mas se os republicanos comentarem, eles precisam fazer o contraponto”, analisa Feijó.
A falta de informação no debate faz com que ele nunca entre em pauta nas campanhas, segundo Rennie. “É evidente que controle de armas é eficiente. Diminui as taxas de violência e suicídio. Mas os americanos acreditam que mais armas garante mais segurança e criam resistência contra o assunto, e é por isso que é difícil de conversar”, conclui o especialista.