O número de norte-coreanos que fogem do país para a Coreia do Sul caiu drasticamente nos últimos anos, reflexo das severas restrições de mobilidade impostas pela ditadura de Kim Jong-un. Mesmo com sinais de flexibilização das fronteiras após a pandemia de covid-19, a repressão interna continua dificultando as deserções. Os dados são do último relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).De acordo com o documento, apenas 181 norte-coreanos (159 mulheres e 22 homens) conseguiram chegar à Coreia do Sul entre janeiro e setembro do ano passado. Em todo o ano de 2023, o número de desertores foi de 196. Os dados representam uma redução drástica em comparação com os níveis pré-pandêmicos: em 2019, por exemplo, 1.047 norte-coreanos conseguiram fugir para o Sul.O relatório atribui essa diminuição às severas restrições à liberdade de movimento impostas pelo governo norte-coreano, mesmo com a reabertura parcial das fronteiras. Também aponta uma mudança no perfil dos desertores: enquanto no passado a maioria era composta por mulheres traficadas, atualmente há um número crescente de trabalhadores enviados ao exterior pelo regime, principalmente para a China e e Rússia, que fogem ao invés de retornar ao país.O relatório do ACNUDH também documenta abusos sistemáticos de direitos humanos na Coreia do Norte, com base em depoimentos de 175 desertores coletados entre novembro de 2022 e outubro de 2023. Testemunhas relataram condições brutais em centros de detenção, escassez crônica de alimentos e execuções públicas usadas como forma de controle ideológico. As práticas relatadas por desertores podem constituir crimes internacionais, alertou a ONU no documento.Diante das evidências, o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, pediu que Pyongyang reconheça as violações e permita o acesso de organismos internacionais ao país. Ele também defendeu punições para os responsáveis por abusos, medidas de proteção contra desaparecimentos forçados e compensação para as vítimas. Além disso, instou o Conselho de Segurança da ONU a considerar o encaminhamento do caso ao Tribunal Penal Internacional.As restrições de mobilidade impostas pelo governo norte-coreano também têm repercussões severas na saúde pública e no saneamento, dificultando o acesso da população a serviços essenciais. Segundo um relatório separado apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU por Elizabeth Salmon, relatora especial para os direitos humanos na Coreia do Norte, o país enfrenta uma crise alimentar crônica.Estima-se que cerca de 45,5% da população norte-coreana tenha sofrido de desnutrição nos últimos três anos. Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) indicam que aproximadamente 11,8 milhões de norte-coreanos enfrentam insegurança alimentar. O problema é agravado por uma infraestrutura agrícola obsoleta, falta de tecnologia adequada, baixos investimentos e desastres naturais recorrentes. Além disso, o regime de Kim Jong-un endureceu o controle estatal sobre bens essenciais, como arroz e milho, agravando ainda mais a crise alimentar.Apesar de algumas embaixadas estrangeiras, como as de Cuba, Índia, Polônia e Suécia, terem retomado suas operações em Pyongyang desde o segundo semestre de 2024, organizações humanitárias e a própria ONU ainda enfrentam dificuldades para obter permissão de entrada no país.A recente reabertura e subsequente fechamento da única porta de entrada para turistas estrangeiros também levanta dúvidas sobre a real disposição do regime em se reaproximar da comunidade internacional.